fonte: Cepea

Drawback: VIETNÃ pensa em drawback… em benefício de quem?

Drawback: VIETNÃ pensa em drawback…
Drawback: em benefício de
quem?


Maria Sylvia Macchione Saes
Professora do Departamento de
Administração da USP e pesquisadora do PENSABruno


Varella Miranda
Bacharel em Relações Internacionais pela
USP e Pesquisador do PENSA



O debate é antigo, porém volta e meia é revivido em diversos círculos
ligados à cafeicultura. O drawback, defendido ou combatido de maneira intensa
por agentes envolvidos no setor, está por trás de parcela considerável da atual
dinâmica do mercado cafeeiro. Compreender o que está em jogo nesta discussão é
fundamental para qualquer observador, esteja ele envolvido com a produção, a
transformação ou a comercialização do café.


De forma resumida, o drawback é um regime aduaneiro especial, concedido
quando comprovada uma possibilidade de ganho para o Brasil. Sua instituição
garante a eliminação de tributos sobre a importação de insumos, desde que os
mesmos sejam utilizados em um produto posteriormente exportado. Ou seja, em sua
origem o drawback vem para promover a indústria exportadora brasileira,
garantindo o fornecimento de matéria prima a preços competitivos.


Em muitos setores, a concessão de drawback é comemorada, já que permite a
inserção brasileira em diversos segmentos do comércio internacional. No entanto,
quando se discute a possibilidade de drawback no café, estamos longe de qualquer
unanimidade. Ambos os lados do debate têm seus argumentos, em sua maioria
esmagadora, válidos. Na realidade, nenhum cenário é perfeito, e a medição de
prós e contra deve ser o norteador de qualquer decisão neste tema.


No plano internacional, o drawback no café é uma prática disseminada,
conforme diversos exemplos o comprovam. Grandes reexportadores, como a Itália,
importam cafés de diversas regiões do mundo, compondo blends apreciados
posteriormente por consumidores com gosto sofisticado. Para os países europeus,
por exemplo, a inexistência de produção interna faz com que a enorme abertura
para a importação de café verde não represente um ponto polêmico. Em meio a este
ambiente, marcas vêm se consolidando há décadas, baseadas na constituição destes
blends, muitos dos quais detentores de um mercado cativo.


De fato, é interessante observarmos que a posse das marcas de café mais
valiosas se concentra nos países desenvolvidos, bem como as principais empresas
responsáveis pela comercialização do produto. Indo além, estas transações se dão
sob uma concentração crescente, de modo que na atualidade pouquíssimas
companhias são responsáveis pelo grosso da compra de café junto aos produtores.
Neste contexto, países como o Brasil são cada vez mais vendedores de um
ingrediente, cuja existência é essencial para a elaboração das mais diversas
receitas, mas com uma valorização abaixo da esperada. Afinal, o que chega aos
consumidores é o café já empacotado, o produto final, e é a marca o principal
diferencial da mesma.


Por outro lado, países em desenvolvimento abrem seus mercados à entrada de
café robusta asiático, em busca da consolidação de um parque industrial voltado
para a produção de café solúvel. Nos últimos anos, vem aumentando o número de
países com estrutura para a produção de um dos artigos com maiores perspectivas
nos próximos anos. O crescimento da demanda por café na Ásia, sobretudo
empurrada pelo consumo doméstico, é uma excelente notícia para o segmento de
café solúvel, cada vez mais espalhada ao redor do mundo.


Tradicionalmente, nos agarramos à nossa reputação de maior produtor mundial
para refutar a adoção do drawback no caso do café. Inclusive, não são poucos os
argumentos contrários a uma mudança na legislação. Afinal, um país com tantos
cafezais não deveria permitir a concorrência de um produto que em muitos casos
deriva sua competitividade do desrespeito a padrões trabalhistas e ambientais,
ou que possui uma qualidade inferior ao café produzido internamente. Políticas
restritivas fazem inclusive parte da rotina da grande maioria dos países do
mundo, de modo que a colocação de barreiras em um setor estratégico como o café
defenderia milhares de empregos.


Na realidade, o mercado internacional é bem mais complexo, e em alguns casos
exige respostas que a cafeicultura brasileira seria incapaz de garantir
solitariamente. Conforme citamos, os hábitos de consumo no “primeiro mundo”
muitas vezes se ligam a blends compostos por cafés oriundos de diversas regiões.
O Brasil, com toda a sua diversidade na produção, é parte de elaboradas
receitas, porém em raros casos é o componente exclusivo. Nesse sentido, permitir
o drawback pode abrir espaço para a consolidação de marcas nacionais, que
explorem esta característica do mercado internacional.


No que se refere ao segmento de cafés solúveis, a existência do Vietnã é por
si só uma garantia de matéria-prima a preços competitivos, em situações de
escassez interna. Caso o Brasil não se beneficie disto, outros países o farão,
muitos deles sem um único pé de café plantado em seu território. Perdendo espaço
frente a concorrentes estrangeiros, a indústria brasileira não só deixará de
garantir empregos neste elo, como no longo prazo se enfraquecerá, podendo deixar
de comprar a produção nacional. A permissão para a importação, seja em momentos
de escassez interna, seja para compor blends, não significa que o café
brasileiro será compulsoriamente substituído; pelo contrário, apenas aumentará o
leque de opções para nossa indústria.


Restrições à importação fazem parte da rotina da maior parte dos países, e no
“primeiro mundo” são abundantes os exemplos de barreiras para artigos agrícolas,
das quais o Brasil é vítima. Em nossa busca pela eliminação destes obstáculos,
temos aprendido que proteção na maioria dos casos beneficia a ineficiência e a
apropriação de rendas desproporcionais por pequenas parcelas da população. Nossa
cafeicultura vem se modernizando e tem condições de competir de igual pra igual
com nossos principais concorrentes, sendo o drawback apenas uma arma a mais para
a diversificação nos ingressos do setor.


Da mesma maneira, não é a restrição às importações, e sim a demanda por
padrões entre governos e consumidores o que determina o respeito à regras
trabalhistas, ambientais, ou ainda a busca por qualidade. Principalmente no caso
do café, a postura brasileira não possui o menor efeito em termos globais, uma
vez que sempre haverá outro país disposto a consumir café robusta plantado no
Vietnã. Paulatinamente os países consumidores passarão a exigir cafés
certificados, algo que já começa a acontecer atualmente, e será aí que aqueles
que fizeram a lição de casa poderão se beneficiar. Nesse meio tempo, não há
muito a ser feito do ponto de vista brasileiro, a não ser arrumar a casa.


Ideal seria se as multinacionais processassem o café no Brasil e que as
marcas brasileiras fossem aceitas sem maior esforço de propaganda no mercado
mundial. Infelizmente este quadro é impossível, de modo que pragmatismo é
fundamental para enfrentarmos a dura concorrência enfrentada lá fora. A
instituição do drawback certamente prejudicará determinados agentes, porém a
manutenção da situação atual também faz suas vítimas. Desse modo, compensa
seguirmos uma tendência mundial, aumentando o leque de opções para o setor no
Brasil, sem que isso signifique um prejuízo tão grande para a cafeicultura
nacional.


Fonte: Cafépoint
Data: 20/07/2007


Disponivel em http://www.peabirus.com.br/redes/form/post?topico_id=5284 

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