“Com o café é parecido. O preço cobre o custo. Então uma valorização maior do real causaria prejuízos aos produtores.”
ECONOMIA
18/05/2009
Cotação da moeda norte-americana caiu 10% no ano e preocupa principalmente os setores que não conseguem aumentar os preços
Guido Orgis
Após bater em R$ 2,50 nos momentos de maior tensão nos mercados globais no ano passado, o valor do dólar já recuou cerca de 10% neste ano e algumas consultorias já preveem uma cotação de R$ 1,90 no fim do ano. Para diversos setores exportadores, a chegada da moeda norte-americana a um patamar abaixo de R$ 2,10 significa que eles terão novamente o câmbio como uma barreira para fazer negócios.
José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), aponta que para a maior parte dos exportadores de bens manufaturados o câmbio ideal seria de R$ 2,20 a R$ 2,30. “É a taxa de equilíbrio para a exportação ser competitiva.”
Com risco menor, economistas abaixam previsão para o câmbio
No fim de abril, a cotação do dólar entrou em rota de queda, exigindo, inclusive, intervenção do Banco Central para que o preço da moeda norte-americana não afundasse. Na semana passada, ela fechou perto de R$ 2,06 em dois dias seguidos e na sexta-feira voltou à faixa de R$ 2,11. Esse valor é cerca de 10% inferior ao patamar anterior da moeda, que oscilava entre R$ 2,25 e R$ 2,40 desde outubro do ano passado. Para alguns, analistas, a melhora no cenário econômico já justifica prever que o dólar vai variar entre R$ 1,90 e R$ 2 no fim do ano. No relatório Focus do Banco Central, a média das previsões caiu de R$ 2,30 para R$ 2,17 no último mês.
“Até o mês passado trabalhávamos com a expectativa de o câmbio chegar a R$ 2,15 no fim do ano. Agora, nosso cenário é de R$ 1,90 a R$ 2”, afirma Carlos Thadeu de Freitas Filho, economista-chefe da SLW Asset. “É claro que existem ainda muitos fatores de risco na economia americana, mas o mercado parece antecipar sinais de uma recuperação”, completa.
O economista André Sacconato, da Tendências Consultoria, projeta uma cotação do dólar em R$ 2 no fim do ano, sem descartar novos momentos de grande volatilidade no mercado. “A crise ainda não acabou, então não é provável que a trajetória do dólar seja estável e para baixo o tempo todo”, diz. Ele explica que o real se valorizou nas últimas semanas porque houve uma mudança na percepção de risco no mercado internacional que levou investidores a reduzir suas posições em aplicações mais seguras, como os títulos do governo dos Estados Unidos, para aumentar a exposição ao risco em mercados emergentes, como o Brasil.
Outro termômetro dessa mudança de humor é a Bolsa de Valores de São Paulo, que subiu cerca de 20% nos últimos 45 dias. Além disso, o economista aponta que os preços de diversos produtos básicos, como petróleo e alguns metais, tiveram aceleração no mesmo período. “A valorização do real também reflete o fato de o Brasil ter boas perspectivas para quando a recuperação ganhar corpo.”
Fundamentos
Paulo Barcelos, diretor de economia e riscos do Banco Cooperativo Sicredi, tem uma avaliação mais cautelosa sobre a sustentabilidade da retração na cotação do dólar no médio prazo. Ele explica que o movimento recente está ligado à uma onda de otimismo que levou à apreciação simultânea de diversas moedas emergentes, em um momento em que as taxas de juros nas economias maduras estão perto de zero. “Olhando os fundamentos para a cotação do dólar, não vejo ainda uma mudança que justifique uma grande valorização do real”, afirma. “O comércio internacional continua em baixa, com as exportações caindo mais que as importações, e a entrada de moeda pela conta financeira é 40% menor do que no ano passado.”
Nas contas de Barcelos, o dólar deve chegar cotado a R$ 2,20 no fim do ano. Além de ver limites no otimismo recente do mercado financeiro, ele lembra que o Banco Central tem agido para evitar variações bruscas no valor da moeda norte-americana. “O BC não impediria a valorização do real em um cenário de melhora muito forte da economia mundial. Só que por enquanto vemos uma variação pontual, com uma resposta do BC para evitar o comportamento errático do câmbio.” (GO)
Para Castro, um câmbio abaixo de R$ 2,10 deve acelerar a tendência de concentração da pauta da exportação brasileira em commodities, como grãos e minérios. Nos primeiros quatro meses deste ano, os embarques de produtos básicos cresceram 8,7%, enquanto os de manufaturados tiveram retração de 28,7%. “A crise fez cair o número de exportadores e, com um câmbio ruim, eles terão dificuldade para voltar ao mercado quando a situação da economia internacional melhorar”, completa.
O impacto da queda do dólar varia de acordo com o setor. Para os exportadores de madeira e têxteis, por exemplo, a tendência do câmbio chega a ameaçar projetos de exportação. Isso porque essas indústrias têm competidores fortes no mercado internacional e tiveram de reduzir as margens nos últimos anos.
“Com a crise, os preços caíram em dólares e só com a desvalorização do real continuou compensando exportar”, afirma Ricardo Dal Pai, gerente de comércio exterior da Dal Pai, uma fabricante de portas de madeira com fábrica em Curitiba. Ele usa como exemplo uma porta que era vendida a US$ 30 até junho do ano passado e que agora é exportada por US$ 21. “Como a empresa exporta 70% da produção, a valorização do real preocupa muito”, diz.
Nos últimos três anos, a companhia reduziu o quadro de funcionários de 500 para 230 pessoas e usa hoje 50% da capacidade – as exportações caíram de US$ 1,5 bilhão para US$ 800 mil por mês. “O Banco Central deveria manter o dólar acima de R$ 2,20, porque está muito difícil negociar preços lá fora.”
A confecção Lúcia Figueiredo, de Cianorte, também teve de reduzir as exportações nos últimos anos por causa da valorização do real. Quando começou a crise e o dólar encostou em R$ 2,50, as margens melhoraram, mas sem que houvesse expansão nas vendas por causa da demanda fraca no exterior. “Estamos fazendo um esforço muito grande para manter os clientes lá fora, mas a exportação só se sustenta se conseguirmos aumentar os preços. E isso está complicado”, explica Ivana Cabral, gerente de exportação da empresa. A Lúcia Figueiredo já chegou a exportar 40 mil peças por mês e agora embarca apenas 10 mil peças.
Investimento
Na Neodent, uma fabricante de implantes dentários de Curitiba, a margem de oscilação cambial que pode ser absorvida é um pouco maior. Mesmo com o dólar se aproximando de R$ 2 a empresa mantém firmes os planos de expandir a presença no exterior – a firma tem uma filial em Portugal e pretende abrir escritórios nos Estados Unidos e México. “Nosso plano de negócios prevê que as exportações vão chegar a 35% do faturamento até 2012, contra os 15% atuais”, conta Rogério Almeida, diretor comercial da Neodent.
A diferença para outros setores é que a empresa atua em um nicho que envolve alta tecnologia e tem poucos concorrentes globais, a maior parte na Europa. “Conseguimos manter custos baixos, o que nos faz competitivos com o dólar até R$ 1,80.” Em junho a Neodent inaugura sua nova fábrica, que tem capacidade para produzir 1 milhão de peças por ano, cinco vezes mais do que a volume da planta atual, e com produtividade maior.
Agronegócio
No setor agrícola, o efeito do câmbio também varia de acordo com o produto. A soja, por exemplo, tem subido de preço. “Com o dólar a R$ 2,10, a saca ainda rende cerca de R$ 53, o que garante um rendimento bom ao produtor”, diz a economista Gilda Bozza, da Federação da Agricultura do Paraná (Faep). O açúcar está em situação semelhante. Houve uma quebra na safra indiana do produto, cujo preço disparou.
Entre as culturas com menos folga para lidar com a variação cambial estão o milho e o café. Segundo o economista Eugênio Stefanello, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o preço do milho com o dólar a R$ 2 – R$ 18 por saca de 60 quilos – fica pouco acima do custo de produção. “Com o café é parecido. O preço cobre o custo. Então uma valorização maior do real causaria prejuízos aos produtores.”