Dólar em baixa, aumenta poder de compra na moeda nacional

Por: Do Correio Braziliense


Vicente Nunes


04/06/2007
08h33
A dona-de-casa Lourdes Silva, 54 anos, é daquelas que preza cada centavo que gasta. “Comigo, não tem desperdício. Se um produto está mais caro em um supermercado, um centavo que seja, vou para a concorrência”, diz. “E não se trata de pão-durice”, faz questão de ressaltar. “Só dou valor ao meu dinheiro. De centavo em centavo, compro muita coisa ao longo do mês”, emenda. O consciente discurso da dona-de-casa não espanta. Com a inflação em queda, estabilidade econômica, dólar no chão e acirrada disputa no varejo, ela e muitos brasileiros viram o poder de comprar aumentar. “Se até bem pouco tempo R$ 1 não valia nada e era alvo de constante reclamação, hoje, com esse mesmo valor, posso comprar uma série de produtos”, afirma Lourdes.

A atual força demonstrada pelo real vai muito além do que se viu nos idos de 1994 e 1995, os dois primeiros anos do Plano Real, quando o frango e o iogurte se tornaram os símbolos da moeda que havia derrotado a hiperinflação. “Com apenas R$ 1 compro um pacote de biscoito, um filé (steak) de frango e ainda posso levar uma verdura para a salada do almoço”, diz a consultora de beleza Maria de Fátima Mafra, 51. Com R$ 1 também é possível alimentar uma família de quatro pessoas com uma bela macarronada ou garantir o tradicional pãozinho do café da manhã para cerca de 10 pessoas. “Eu, particularmente, estou comemorando esse poder do real”, ressalta o militar João Ribeiro, 39. “A mesma compra mensal que fazia há um ano está saindo, agora, 15% mais barata”, destaca.

O casal Marcos Marcílio, 38, e Hilda Marques Sobral, 37, não faz por menos. “Com a economia que estamos tendo com alguns produtos, sobretudo os da cesta básica, ampliamos a nossa lista de compras”, diz Marcílio. “É muito bom ver o quilo do arroz valendo menos de R$ 1, um quilo de feijão custando apenas R$ 0,89 e frutas e verduras, na grande maioria, compradas com centavos”, complementa Hilda. A única queixa do casal — ele é marceneiro, ela, pesquisadora do mercado de trabalho — é o preço do leite. Com alta de 18% nos últimos 12 meses, o produto destoa da safra de boas notícias que têm feito a alegria dos consumidores.

Conquista diária
Responsável pelas lojas da rede de supermercados Comper no Distrito Federal, Rodrigo Costa diz que a ampla lista de produtos com preços abaixo de R$ 1 é reflexo do volume cada vez maior de informação que os consumidores estão tendo. “As donas-de-casa, principalmente, sabem exatamente o que vale cada produto. Elas não se deixam enganar. Então, temos de nos adequar à realidade. Ou fazemos isso, ou somos engolidos pela concorrência”, frisa. A dona-de-casa Alaíde Maria de Souza, 61, reforça a teoria de Costa. “Com tantas opções disponíveis, não somos mais reféns dos supermercados. Agora, são eles que têm de nos conquistar. E isso passa pela conjugação de preços baixos e produtos de qualidade”, sentencia Alaíde. “Faço pesquisa, pechincho preços, não levo para casa a primeira mercadoria que vejo pela frente”, enfatiza.

Gerente de Compras da rede de supermercados Caíque, Hildemar de Santana Assis admite que corta um dobrado para satisfazer a clientela. “Todos os dias, temos uma leva de produtos com preços abaixo de R$ 1. Macarrão, extrato de tomate, sabonete, biscoitos e mesmo alguns supérfluos”, afirma. “Esses produtos são nossos chamarizes”, reconhece. Para manter essa lista ativa, no entanto, o Caíque — com lojas em Samambaia e Ceilândia — tem aberto mão de parte de sua margem de lucro e exigido contrapartidas dos fornecedores. “Há mercadorias em nossas prateleiras que estão sendo ofertadas ao preço de custo, o que nos exige um volume maior de vendas para compensar o faturamento”, destaca.

E que ninguém pense que, por terem preços iguais ou inferiores a R$ 1, as mercadorias são de segunda ou terceira categorias. “Foi-se o tempo em que isso era verdade”, diz Rodrigo Costa, do Comper. “Mesmo as marcas líderes estão tendo de se adaptar às exigências dos consumidores. Ou vendem barato, ou perdem mercado. Todo dia surge uma empresa nova batendo na nossa porta, oferecendo produtos de qualidade com preços bastante competitivos”, frisa. O gerente de compras do Caíque acrescenta: “Assim como está fácil para os consumidores recorrerem à concorrência quando se sentem explorados, também temos como substituir os fornecedores”.

Risco de prejuízo
Especialista em inflação, o economista Carlos Thadeu Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, diz que, com o dólar abaixo de R$ 2, o real manterá a fartura da mesa dos brasileiros por um bom período. Ele ressalta que, no caso das massas — macarrão, biscoito e pães —, como a principal matéria-prima, o trigo, é importada, não há como esses produtos terem os preços reajustados. O mesmo vale para os produtos de higiene e limpeza, que usam insumos vindos de fora. “O real forte é uma tendência que veio para ficar”, afirma.

Para Elson Teles, economista-chefe da Corretora Concórdia, ainda que o comércio se sinta motivado a reajustar suas tabelas, diante da disposição do brasileiro em consumir mais, não há como aumentar preços neste momento. “O dólar barato facilita as importações. Quem quiser competir com os importados cobrando preços mais altos, certamente ficará com as mercadorias encalhadas e com prejuízos desnecessários”, avisa.

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