Distribuição de terras patina e reforma agrária pode ter seu pior ano desde 1995

19 de novembro de 2012 | Sem comentários Análise de Mercado Mercado

19/11/2012 
 

Administração. Número de famílias atendidas até o terceiro trimestre já é o mais baixo dos últimos dez anos; governo da presidente Dilma Rousseff, que diz dar prioridade à requalificação de assentamentos antigos, já havia registrado recorde negativo no ano passado
 
Roldão Arruda | O Estado de São Paulo


A reforma agrária está patinan­do no governo da presidente Dilma Rousseff. O sinal mais evidente está nos números acu­mulados pelo Instituto Nacio­nal de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Segundo o últi­mo dado sobre assentamentos disponível no órgão, com data de 16 de novembro, o governo assentou 10.815 famílias neste ano. É a taxa mais baixa regis­trada neste mesmo período em dez anos e representa ape­nas 36% da meta estabelecida para 2012, de 30 mil famílias.


A menos que haja uma dramáti­ca alteração no ritmo de assenta­mentos nos próximos dias, a mar­ca de assentamentos deste ano corre o risco de ficar atrás da regis­trada em 2011 – a pior dos últimos 16 anos, com 21.933 famílias bene­ficiadas pela reforma agrária.


Nos dois mandatos do ex-presi­dente Fernando Henrique Cardo­so (PSDB), a quem o PT acusava de menosprezar a reforma agrá­ria, a marca mais baixa foi de 42.912 assentamentos – foi em 1995, primeiro ano de governo.


Neste ano, o Incra parece ter engatado a marcha lenta. Do to­tal de R$ 3 bilhões destinados neste ano àquela instituição no Orçamento da União, só 50% fo­ram liquidados até agora, segun­do informações do Siga Brasil – sistema de acompanhamento de execução orçamentária do Sena­do. No caso específico da verba para aquisição de terras para a reforma agrária, o resultado é mais desalentador: até a semana passada haviam sido autoriza­dos gastos de 41% do total de R$ 426,6 milhões desta rubrica.


Reação no PT. O problema preocupa o PT, o partido da pre­sidente. Na semana passada, o deputado Valmir Assunção (BA), coordenador do Núcleo Agrário do PT na Câmara, ocu­pou a tribuna daquela Casa para fazer um alerta, como ele defi­niu: “Alertamos ao governo e à sociedade brasileira da paralisa­ção da reforma agrária no Brasil, com a diminuição, cada vez mais visível, da obtenção de terras pa­ra novos assentamentos”.


O deputado chegou a propor a formação de uma força tarefa na­cional, para evitar um resultado igual ou pior do que o de 2011. “Ou fazemos isso ou, mais uma vez, amargararemos um pior índi­ce de reforma agrária”, afirmou.


No Movimento dos Sem Terra (MST), o maior do País e históricamente próximo do PT, a insatisfa­ção é crescente. “Estamos insatis­feitos e decepcionados. O gover­no Dilma abandonou completa­mente o projeto da reforma agrá­ria”, diz Alexandre Conceição, in­tegrante da coordenação nacio­nal e porta-voz do movimento.


O diálogo dos movimentos so­ciais com o governo, segundo o líder dos sem terra, piorou desde que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deixou a Presidência da Re­pública em 2010. “Já tentamos de todas as maneiras dialogar com esse governo, já tomamos muita água e muito cafezinho, mas não conseguimos nada por­que o núcleo central do governo não quer saber da reforma. Da­qui para a frente, vamos partir para o conflito com o latifúndio. Estamos preparando grandes jornadas de luta para o ano que vem”, afirma Conceição.


O MST também critica a estra­tégia do governo de fortalecer os assentamentos já existentes com o apoio do Programa Brasil sem Miséria, por meio de convênios de cooperação entre os ministé­rios do Desenvolvimento Social e Desenvolvimento Agrário. “O Brasil sem Miséria é um progra­ma compensatório, que se desti­na a tirar o sujeito da miséria, sem mexer no índice de concen­tração fundiária do País. Dá o pei­xe, mas não ensina a pescar”, criti­ca o porta-voz do movimento.


O início. A única coisa que o MST assinala a favor da presiden­te Dilma é o fato de não ter sido ela a responsável pelo início do atual processo de desvaloriza­ção da reforma. “O governo fede­ral começou a amarelar lá em 2008”, afirma Conceição.


A observação se baseia na esta­tística. Quem observar a série histórica com números do Incra, nesta página, verá que Lula pro­moveu um salto no nível de as­sentamentos nos anos 2005 e 2006. Neste último foi registra­do o maior índice da história, com a distribuição de lotes da re­forma para 117 mil famílias.


De lá para cá, porém, a tendên­cia tem sido de declínio. Por esse viés, Dilma teria apenas dado continuidade ao processo.


Entre os integrantes dos movi­mentos sociais, há a percepção de que o salto ocorrido em 2005 possa ter ocorrido devido a ra­zões políticas. Foi naquele ano que eclodiu o escândalo do mensalão, agora em julgamento pelo Supremo Tribunal Federal. Na­quela época, chegou-se a cogitar um possível impeachment do presidente. Para se fortalecer, Lu­la promoveu uma reaproximação do governo e de seu partido, o PT, com os movimentos so­ciais, entre eles o MST.


Quanto a 2006, foi o ano em que Lula se candidatou à reelei­ção – e venceu.


Demarcações de quilombos também seguem em ritmo lento
Segundo antropóloga. demora se deve à falta de estrutura do Incra para atender a uma crescente demanda


O Estado de S.Paulo


As dificuldades do Incra não afetam só os projetos de reforma agrária. A demarcação de terras de comunidades quilombolas, de responsabilidade daquela instituição, também está quase paralisada. Na semana passada, às vésperas do Dia da Consciência Negra, que se comemora amanhã, a Comissão Pró Índio de São Paulo divulgou um levantamento mostrando que neste ano apenas uma comunidade conseguiu obter o título de posse definitivo da terra com apoio do Incra. No ano passado foi registrada a mesma marca.


De acordo com a antropóloga Lúcia Andrade, coordenadora da Comissão Pró Índio e responsável pelo levantamento, existem quase 3 mil comunidades quilombolas no País. Desse total, cerca de mil já abriram processos reivindicando a demarcação e a titulação das terras em que vivem. A maior parte, porém, não passou sequer da fase inicial. “Calculamos que 87% não têm nem o relatório inicial de identificação do território, a partir do qual se pode discutir, contestar ou confirmar a reivindicação dos quilombolas”, explica a antropóloga.


A demora, na avaliação dela, se deve à falta de estrutura do Incra para atender à demanda. “O governo federal, no governo do presidente Lula, encarregou o Incra de levar adiante essa tarefa, o que foi muito positivo, mas não preparou a instituição para isso”, diz Lúcia. “Apesar de insuficientes, os recursos do Incra para demarcação e titulação não são gastos integralmente, devido à falta de pessoal. Faltam técnicos em levantamento fundiário, antropólogos, agrônomos e geógrafos.”


Desfavorável. Em todo o País, 193 comunidades quilombolas já conseguiram documentos de titularidade das terras em que vivem. Na maioria das vezes, foram concedidos por governos estaduais. O Pará lidera a lista, com 45 títulos desde 1995.


Na esfera do governo federal, as comunidades obtiveram 12 títulos nos oito anos do mandato do presidente Lula. A média, portanto, seria 1,5 título por ano. “Não é um número favorável para o Lula”, diz Lúcia.


Ela contesta a informação normalmente dada por assessores do governo de que as principais dificuldades para a demarcação e titulação de terras estariam no Judiciário. “O número de processos parados no Judiciário não chega a 20”, afirma. “O problema maior está no Executivo. O Incra não dá conta da tarefa.”


Lúcia explica que a obtenção das terras de quilombos é mais complicada do que no caso das áreas para assentamentos. “Na reforma agrária normalmente se discute a desapropriação de uma fazenda, enquanto um quilombo frequentemente envolve terras de várias propriedades.”


Protesto. A crítica da antropóloga é reforçada por Reginaldo Aguiar, diretor da Confederação Nacional das Associações dos Servidores do Incra. “As deficiências do instituto estão aumentando a cada dia”, afirma.


Ele observa que a greve de funcionários que paralisou quase totalmente a instituição neste ano também foi para protestar contra o descaso do governo. “Logo no início do ano, cortou 25% do orçamento. Depois, contingenciou parte dos recursos. Por outro lado, não realiza concursos para a contratação de mais funcionários nem realiza a reestruturação do Incra, prometida desde o governo Lula.”


Segundo a assessoria do Incra, do orçamento de R$ 47 milhões destinados à questão dos quilombolas neste ano, 87,5% já teriam sido empenhados./R.A.


Greve e troca de chefia do Incra atrapalharam
Atual presidente do órgão diz que seria precoce manifestar-se sobre os números antes da consolidação do ano


O Estado de S.Paulo


A explicação para o baixo nível de assentamentos nos dez primeiros meses do ano se deve à greve dos funcionários do Incra, que atingiu 28 das 30 superintendências regionais e se estendeu por três meses. Embora não seja oficial, essa é a explicação que assessores da instituição dão para os magros resultados deste ano, piores que os de 2011.


Ainda extraoficialmente, os assessores também lembram que a instituição passou por uma troca de presidente, em julho. Isso teria afetado a execução dos trabalhos da reforma.


Procurado pelo Estado, o presidente atual, Carlos Guedes de Guedes respondeu por meio de sua assessoria que qualquer manifestação sobre os números acumulados até agora seria precoce. Ele prefere esperar a consolidação oficial para se manifestar.


Sabe-se que Guedes e outros dirigentes da instituição, que é comandada por petistas desde 2003, não perderam a esperança de, nos próximos dias, reverter o quadro. Eles se baseiam em séries estatísticas que mostram o seguinte: a maior parte do registro de novos assentamentos ocorre no quarto trimestre.


Na média, nos oito anos do governo Lula, 65% dos assentamentos foram registrados nos três meses de encerramento do ano, período em que aumenta a pressão de Brasília para que as superintendências executem o orçamento. O índice mais alto foi verificado em 2008, quando 91% dos registros ocorreram em outubro, novembro e dezembro.


No dia 23 de outubro, o Incra informou que os assentamentos no ano somavam 4.041. No dia 16 ele já teria saltado para 10.815, segundo a mesma fonte.


Por mais notável que seja o salto ocorrido em 22 dias, o fato é que o número final ainda é o pior do verificado no mesmo período nos últimos dez anos./R.A.
 

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