Direct Trade – Quando o café deixa de ser uma commodity

Torrefadores negociam os melhores produtos diretamente com a fazenda, e pagam mais por eles, no modelo Direct Trade

Por: O Estado de São Paulo

04/01/2012 
  
 
CÍNTIA BERTOLINO, ESPECIAL PARA O ESTADO, COPENHAGUE – O Estado de S.Paulo



No mundo dos cafés especiais, os grãos deixaram de ser commodity contratada na bolsa de valores. Agora, os melhores frutos são negociados na fazenda, diretamente com o produtor, e levam o selo do Direct Trade (Comércio Direto).


O Direct Trade não é uma certificação, é mais um acordo de cavalheiros com regras específicas: torrefadores pagam um preço maior por cafés de qualidade superior; todo grão é negociado diretamente com o fazendeiro e existe a preocupação em estabelecer um relacionamento comercial duradouro.


Esse modelo surgiu há cerca de duas décadas, quando torrefadores americanos e europeus decidiram mudar a forma de negociar café. No Brasil, o italiano Ernesto Illy, da illycaffè, foi o pioneiro a estabelecer um contato direto com produtores – maneira mantida até hoje pela empresa italiana.


Nos Estados Unidos, a torrefadora americana Intelligentsia Coffee & Tea liderou o movimento da compra direta: “Enquanto você toma nosso café, estamos a apertando a mão de um fazendeiro no Peru, Ruanda ou Guatemala”, diz o slogan.


O que era um movimento incipiente até dez anos atrás, tem se tornado cada vez mais popular entre torrefadores interessados em toda a cadeia produtiva e consumidores preocupados com qualidade e questões socioambientais. Para esses dois grupos, o Fair Trade, selo de reconhecimento do comércio justo, não basta.


Negociar cara a cara com o produtor tem vantagens óbvias para os envolvidos: o fazendeiro recebe um valor maior por seu café e o torrefador passa a conhecer todo o processo de produção do café que oferece a seus clientes.


Os sócios da torrefadora e cafeteria Coffee Collective, em Copenhague, na Dinamarca, buscavam esse tipo de relação com seus fornecedores de café por questão de qualidade.


Nos últimos anos, graças a um “dream team” formado por Klaus Thomsen, vencedor da Copa do Mundo de Baristas, e Peter Dupont, o mais aclamado mestre de torra do mundo, o Coffee Collective se transformou em ponto de encontro de aficionados por café.


Na loja da rua Jaegersborggad, próxima ao cemitério onde descansam o escritor de fábulas infantis Hans Christian Andersen e o filósofo Soren Kierkegaard, se dirigem profissionais do mundo todo, como a barista paulistana Isabela Raposeiras, do Coffee Lab. Lá acontecem workshops de torrefação, cursos para baristas, mas o local também recebe muito bem quem simplesmente deseja uma excelente xícara de café para rebater o temperamental clima dinamarquês. E entre as opções de café do Quênia e Guatemala há sempre um brasileiro. Os grãos vêm da fazenda Daterra do produtor Luís Norberto Pascoal, cuja família controla a DPascoal.


Em 2005, Thomsen e Dupont visitaram a fazenda Daterra, em Minas Gerais Ficaram espantados com a qualidade. “O café era sublime”, lembrou Thomsen. Eles procuravam um café para usar no campeonato mundial de baristas, o mesmo em que Thomsen acabou consagrado usando o café Daterra no blend vencedor, um ano depois. Desde então, eles visitam Minas Gerais todos os anos.


“A Daterra produz um dos melhores cafés para espresso que já provei”, disse Thomsen. Por enquanto, a fazenda mineira é o único fornecedor da cafeteria dinamarquesa. “Estamos muito abertos e interessados em descobrir novos produtores brasileiros.”


A Daterra produz de 70 mil a 80 mil sacas de café por ano. E, cerca de 30% disso é exportado diretamente para torrefadores. “O Direct Trade é um modelo que traz grandes vantagens. O produtor terá sua marca divulgada nos países de destino”, diz Andreza Mazarão, da Daterra.


Consumo. Segundo a International Coffee Organization (ICO), 1,4 bilhão de xícaras de café são consumidas no mundo todo. Os países nórdicos lideram o ranking de bebedores de café. Os finlandeses consomem impressionantes 11 quilos de café per capita todos os anos. Noruegueses, suecos e dinamarqueses bebem o equivalente a 10 quilos, per capita.


O papel do Brasil no mercado premium ainda é de coadjuvante. Maior produtor de café do mundo, o País é visto internacionalmente como um produtor de café de baixa qualidade.


Especialistas acreditam que tal imagem está começando a mudar. “O Direct Trade pode ajudar a reverter, no médio prazo, a postura negativa do mercado internacional em relação ao café brasileiro”, diz o especialista Ensei Neto, do Specialty Coffee Bureau. Neto coordena o movimento Direct Trade Brasil que reúne cafeicultores, torrefadores e cafeterias para estimular a venda direta de café.


Os primeiros lotes do café Direct Trade Brasil estão chegando agora ao mercado canadense, americano e japonês. Por enquanto, só é possível pedir uma xícara de Direct Trade Brasil em cafeterias como a Cafezal – Cafés Especiais, no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, e no Ateliê do Grão, em Goiânia. “Precisamos agregar valor ao café. Certificações, que deveriam criar valor, acabam gerando lucro aos intermediários e empresas que fazem auditorias. É um processo muito custoso. No final das contas, só grandes produtores conseguem a certificação”, diz Neto.


A qualidade do café consumido no Brasil deve começar a melhorar por mudanças nas regras do Ministério da Agricultura. A partir de agora, o café destinado ao mercado interno brasileiro deverá ter a mesma qualidade do exportado, ou seja, as impurezas não podem passar de 1%. A lei pretende coibir abusos e a venda de produtos com até 80% de impurezas tais como pedaços de palha, galhos e até pedra.


Jacu Bird, do Brasil, é destaque na França
Durante o Euro Gusto de 2010, o café Jacu Bird, da fazenda capixaba Camocim foi um dos grandes destaques no estante do barista e torrefador francês Hyppolyte Courty, da cafeteria parisiense L’Abre à Café.


Organizado pelo Slow Food em Tours, o Euro Gusto reúne a cada dois anos produtores orgânicos e biodinâmicos em torno de ingredientes, cujos métodos de preparo, cultivo e fabricação artesanais agregam valor aos produtos expostos.


O café Jacu Bird é um exemplo interessante de como transformar em negócio lucrativo o que antes representava um grande prejuízo.


Em 2006, com parte de sua plantação invadida por jacus, pássaros de paladar refinado com apetite para as melhores cerejas de café, o cafeicultor Henrique Sloper de Araújo se inspirou no Kopi Luwak, o café mais caro do mundo, para criar pequenos lotes de um café especial.


O Kopi Luwak é produzido a partir do fruto do café ingerido pela civeta, mamífero comum na Indonésia. A civeta come as cerejas maduras de café, mas descarta os grãos intactos. Eles são recolhidos para serem higienizados e torrados. Sloper usou processo semelhante: recolheu o descarte dos jacus, beneficiou os grãos e experimentou o café. O resultado surpreendeu pela qualidade e o café produzido em “sociedade” com o jacu virou a estrela da fazenda.


Um de seus compradores é o barista Hippolyte Courty, da cafeteria L’Arbre à Café. Assim que soube do café Jacu Bird, ele visitou a fazenda no Espírito Santo para comprar os grãos diretamente do produtor. Para Courty uma das vantagens do Direct Trade é poder negociar exatamente o tipo de produto e a quantidade desejada.


“Negociar diretamente com o cafeicultor me ajuda a ter um entendimento maior sobre café. Estabelecemos uma relação de confiança com produtores na América Latina, Ásia e África. Por conta dessa relação podemos oferecer aos clientes cafés exclusivos, microlotes raros e variedades diferentes”, diz.


Do Brasil, a L’Arbre à Café compra dois tipos de grãos da fazenda Camocim: o Iapar Rouge Brésil e o Jacu Bird. Courty viaja regularmente ao País e espera encontrar outros produtores interessantes em suas viagens. / C.B.

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