Colaboração para a Folha Online
O casal Flávio Prado e Maira Hora vai ao Cerro Santa Lucia, toma finalmente um café de verdade e confere o roteiro cultural de Santiago, no Chile, repleto de exposições. O relato faz parte da Expedição Cone Sul. Os dois vão conhecer as paisagens mais deslumbrantes da região, contando tudo para a Folha Online. A viagem começou em São Paulo e prevê passagens por cidades do sul do país, Argentina e Chile.
Confira o relato do quadragésimo segundo dia (11 de abril) da aventura:
Cerro Santa Lucia
Acordamos cedo para aproveitar o dia ensolarado, oba! Descemos para o nosso glorioso café e percebo haver mais brasileiros além de nós no hotel.
Flavio Prado/Folha ImagemTerraza Neptuno, que fica no Cerro Santa Lucia, na cidade de Santiago (Chile)
Fomos caminhando até o Cerro Santa Lucia, passando pelas “peatonais”, que são ruas que só pedestres podem andar. O Cerro está a oeste nas ruas Santa Lucia, Merced e Victoria Subercasseaux e como o hotel está no centro é perfeitamente possível caminhar até lá. Felizes da vida com o sol brilhando, as pessoas indo e vindo, a música ambiente nas ruas e aquela vontade danada de chegar ao Cerro, pois Juanito do Hotel Panamericano já nos deu a dica de que se trata da melhor vista da cidade. Chegando ao final de uma das peatonais percebemos que demos de cara com o Cerro Santa Lucia. Foi só virar à direita e procurar a entrada. Vamos subir à pé. Existe também a possibilidade de se subir de elevador, mas não é o nosso caso.
Logo na entrada, assinamos uma listagem de visitação que é controlada por um guarda e um funcionário do parque, te perguntam nome, documento e de qual parte do mundo vem. Dado interessante, pois isto preserva a segurança dos visitantes.
O Cerro Santa Lucia recebe este nome desde que Pedro de Valdívia em 13 de dezembro de 1540, dia da Santa Lucia, se apodera da serra, antes chamada pelos aborígines de “huelén”. Este era um excelente mirante de onde se avista todo o vale do rio Mapocho. Foi aí também que o mesmo fundou a cidade de Santiago do Chile em 12 de fevereiro de 1541, antes chamada de Santiago de Nueva Extremedura.
Graças a Vicuña Mackenna, que foi intendente de Santiago no governo de Federico Errázuriz Zañartu e teve como sua obra maior o embelezamento do Cerro Santa Lucia, transformando-o em ponto turístico. Vicuña Mackenna está sepultado no alto do Cerro Santa Lucia.
Flavio Prado/Folha ImagemEstudantes visitam em grupo o Cerro Santa Lucia, na cidade de Santiago (Chile)
Os caminhos de acesso, a capela, o processo de reflorestamento, a criação de pequenas praças, fontes, mirantes, estátuas, você vai subindo e percebe tratar-se mais que nada de um lugar para o santiaguino desfrutar e relaxar em plena cidade. A Terraza Neptuno é uma das fontes mais bem cuidadas e lindas que vimos até agora nas cidades por onde passamos. Um dos monumentos que mais chama a atenção é uma pedra de mais ou menos 2 metros de altura onde está escrito um trecho da carta de Pedro de Valdívia ao Imperador Carlos 5º onde fala da nova terra conquistada. O melhor mesmo em Cerro Santa Lucia é a vista da cidade, estonteante, você consegue ver todas as ruas centrais, todos os prédios públicos de cima e na medida certa, há 70m de altura você tem uma visão perfeita de tudo e consegue identificar tudo. Por todos estes motivos o Cerro Santa Lucia foi declarado Monumento Nacional em 1983.
Descemos um trecho da serra a pé e nos deparamos com o Castillo Hidalgo, uma construção sobreposta que outrora foi o segundo forte espanhol durante a reconquista da cidade. Vicuña Mackenna o reforma e remodela para ser uma biblioteca e museu e atualmente é um lindo espaço para eventos. Infelizmente não pudemos entrar, pois estava sendo realizado um evento de um colégio de meninas. Só nos restou pegarmos o elevador panorâmico para chegarmos ao nível da rua.
Saindo à esquerda e entrando novamente no Cerro Santa Lucia na altura do nº. 499 nos deparamos com o Centro de Arte Indígena, criado em 1995, onde se divulgam e comercializam peças das culturas Mapuches, Aymaras e Rapa Nui. Este trecho preserva o antigo nome da serra, que é Cerro Huelén e é conhecido como Gruta del Cerro Huelén.
Flavio Prado/Folha ImagemArtesão Luís Acosta toca seu instrumento, espécie de flauta que se chama charango
Fomos entrando atraídos pelo som de Condor Pasa. Um artesão chamado Luís Acosta Challapa, tocava uma espécie de flauta curtinha, como um apito de cerâmica. Seu som é tão vibrante e hipnotizante que quando você percebe está colocado à frente de Luís Acosta absolutamente rendido à sua música ancestral. Ficamos totalmente estarrecidos com a energia deste homem. Forte, dinâmico e preciso o instrumento musical que Luis produz é chamado de charango e é feito em cerâmica, desenvolvido pela cultura Aymara no extremo norte do Chile, já na divisa com Peru e Bolívia. Este artesão é tão extrovertido e energético que chama as pessoas e as ensina a tocar em poucos minutos, ficamos impressionados com a força deste simpático homem.
Encantados, conversando e tocando até que nos resolvemos por levar um charango com a figura do “Gigante do Atacama” e logo Luís nos conta a história deste geoglifo e nos indica no mapa a cidade de Huara, onde a figura está, na Serra Unitas. É claro que iremos seguir a dica deste eletrizante artista. Geoglifos são figuras pintadas ou esculpidas em pequeno relevo nas encostas de montanhas. Este tipo de manifestação ancestral está presente em muitos lugares da Argentina e Chile.
café de verdade
Saímos encantados do Cerro Santa Lucia de volta ao passeo peatonal e eis que encontramos uma cafeteria super descolada, Vainilla A&M Coffee.
Eu estava já há alguns dias um tanto quanto aborrecida com as cafeterias por aqui, pois o santiaguino tem como última moda um tal de “café com Pernas”, que a meu ver é um tanto embaraçoso para as mulheres, pois são cafeterias com jovens mulheres trabalhando com micro uniformes e saltos altos em um balcão recortado, então uma centena de machos se acomoda nos balcões a espera de seu cafezinho tirado por uma seminua “gostosa”.
Flavio Prado/Folha ImagemVainilla A&M Coffee e seus donos; local é ótima opção para tomar um verdadeiro café
Até entendo que este é um país de rigidez moral e católico, então talvez a idéia seja um grito de liberdade, mas este tipo de local tem 95% de freqüência masculina e você que é mulher se sente um pouco inibida ao entrar, o que não tira a criatividade de seu pioneiro, o café Baron Rojo, na rua Moneda, 724. Para o turista, talvez, seja algo diferente para se ver e parece que muitos em Santiago defendem este tipo de estabelecimento como um atrativo turístico para o Chile. Por todo o centro há uma infinidade de cafés deste gênero.
No entanto, acabei de encontrar um lugar onde o culto a esta maravilhosa bebida é levado a sério. O Vainilla A&M Coffee que está na rua Huerfanos, 1350. Seu idealizador é um jovem apaixonado pela história do café e seu percurso pelo mundo, transformando-o em admirável bebida com o poder de reunir as pessoas para uma breve conversa em volta da mesa e até fechamento de grandes negócios.
A palavra café vem do árabe “qahwa”, que significa vinho e era chamado de “vinho da Arábia”. A cultura e o consumo deste fruto já era rotina em meados 600 D.C., no entanto é no século XVI que sai da Pérsia para a Europa e daí para o mundo, ou seja, sentar-se e saborear o cheiro e gosto de uma xícara de café é saber que naquele instante você se torna parte da história daqueles grãos que está degustando. Paixão mundial e confesso que minha também.
Rodrigo Astorga é um mestre do café, preparando os mais diversos grãos de diversas partes do mundo, entre eles o boliviano, brasileiro, equatoriano e por aí vai. São mais de trintas diferentes grãos à espera do paladar curioso. Rodrigo viveu por doze anos na Bolívia e trabalhou como gerente de operações em uma grande cadeia de café, viajou diversas vezes ao Brasil para estudar mais sobre nossos grãos.
Claudia Astorga, sua irmã, é empresária e junto com Rodrigo oferece ao santiaguino e ao turista alguns momentos de puro deleite em um espaço com decoração de bom gosto, salão para fumantes e não fumantes em ambientes separados, coisa rara por aqui, e wifi, tudo em um espaço acolhedor feito com muito trabalho e amor; aliás, definição esta que Rodrigo Astorga faz questão de nos dar como ponto chave para seu estabelecimento: “Por isso coloquei um nome doce, porque trabalhamos com amor e amor lembra aconchego e doce. Isto trás as pessoas para dentro”, diz Rodrigo.
Eu vou além, tenham certeza que o que leva as pessoas para dentro é o amor, esta energia com que Claudia e Rodrigo se dedicam à história do café e ao ambiente que conseguiram criar em um local onde outros dois cafés não obtiveram sucesso. Ao se sentar para saborear o café peça também um dos divinos sanduíches e preste atenção ao charmoso nome das saladas no cardápio. Os empresários e irmãos deram o nome de sobrinhas e filhas às saladas, ou seja, todas as saladas têm nomes femininos. Não é um charme?
Saímos do Vainilla A&M Coffee felizes e mais cultos em relação à degustação de tão precioso grão. Seguimos para uma voltinha perto do Rio Mapocho. Beirando sua margem nos deparamos com uma construção de perder o fôlego, é o prédio da Estação Mapocho construído entre 1905 e 1910 pelo arquiteto Emile Jecquier, com o intuito de celebrar o Centenário da Independência do Chile.
De magnífica arquitetura neoclássica, também deixa a marca registrada deste arquiteto. Todos os prédios que vimos até agora que foram feitos por ele, parecem que desviam a sua atenção do todo e te levam para dentro de suas construções. Isto é incrível, já é a segunda vez que acontece isto conosco. Este é o mesmo arquiteto que desenhou e construiu o prédio da Bolsa de Comércio.
A Estação Mapocho é uma ex-estação ferroviária que fazia viagens de norte a sul do Chile e também para Buenos Aires. Hoje transformada em centro de exposições e convenções, o Centro Cultural Estación Mapocho, declarado Monumento Nacional em 1976. www.estacionmapocho.cl.
Roteiro cultural em Santiago: repleto de exposições
Conversando com o guarda do prédio ele nos indicou duas exposições e nos disse que o prédio estava sendo preparado para um grande evento noturno, tratava-se da Premiação Altazor 2007. Em sua 8a edição o Altazor premia os melhores das artes visuais, literárias, espetáculos e TV chilenos.
Olhamos um pouco os preparativos e seguimos para as exposições. No primeiro andar uma seleção de trabalhos de um famoso fotógrafo peruano, Baldomero Alejos. A exposição chama-se “Ayacucho Retratado – Fotografias de Baldomero Alejos”. Suas 60 mil imagens são consideradas testemunhos visuais de 50 anos da vida social, política, religiosa e cultural de Ayacucho, cidade do Peru.
Flavio Prado/Folha ImagemCentro Cultural Estación Mapocho localiza-se na cidade de Santiago, no Chile
Depois descemos para ver “Madonas de el Bosque”. A artista Soledad Espinoza era uma dona de casa que se dedicava a costurar roupas de crianças e as vendia nas feiras do bairro persa Los Morros. Ela entra para o projeto com aulas de pintura na capela La Milagrosa aos 40 anos e eis que uma forte artista se levanta. Seus quadros retratam mulheres e seus filhos nas mais diversas situações cotidianas, consegue refletir todos os amores, alegrias e inseguranças femininas das matronas. www.madonadelbosque.blogspot.com
Saímos encantados e sedentos por mais, vamos direto ao Museu Nacional de Bellas Artes no Parque Florestal na avenida Santa Maria. Construção também do arquiteto Emile Jecquier. Contando com o prédio da Universidad Católica de Chile, que vimos de cima do Cerro Santa Lucia e com o Palácio los Tribunales de Justicia realizado em 1907, esta é a quinta edificação pública deste arquiteto.
O Museo Nacional de Bellas Artes de Santiago nasce a partir do Petit Palais de Paris como referência projetual, com estilo neoclássico e ornamentação Art Noveau e uma estrutura metálica trazida da Bélgica para sua cúpula, reina sozinho em meio ao trânsito, árvores e artistas de rua da avenida Santa Maria e mais uma vez, é impossível não entrar neste templo às artes inaugurado em setembro de 1910.
O museu conserva coleções de arte chilena desde a colônia até os nossos dias, possui mais de 5.000 peças estonteantes. No entanto uma chamada Chile Rugendas com inúmeras ilustrações de Rugendas me deixa especialmente comovida, pois Rugendas pintou também o período colonial brasileiro e em especial as diversas etnias escravas no Brasil. O lugar é estonteante, lindo, imenso. Há uma loja e uma cafeteria muito charmosa que serve pratos naturalistas no horário do almoço.
Deste ponto saímos pela rua lateral indo em direção ao Centro novamente, e eis que passamos por uma sala de exposições chamada Los Naranjos, é um espaço cultural e restaurante, mas nem entramos, estamos correndo para irmos ao Museu de Arte Precolombiano de Santiago, que é sem dúvida o mais importante do gênero de toda a América Latina. Está na rua Bandera com a rua Campaña na Plaza de Armas. Este museu possui horários diferenciados, distribuídos pelos quatro dias de funcionamento semanais, então não queremos arriscar de perder a visitação.
Foi construído em 1807 e hoje possui 1.500 artefatos precolombianos de diversas partes da América Latina. As esculturas, as montagens, as cerâmicas diaguitas, as peças mapuches, incas, aztecas, mayas, marajoara entre muitas outras culturas. Vitrines de ouro e prata, arquivo audiovisual com fotos que vimos em Ushuaia, máscaras, múmias chinchorro, do litoral de Arica. Confesso que fiquei um pouco impressionada, não é bonito de se ver.
Podemos perceber que neste museu há peças do México, Caribe, Brasil (Amazonas, Norte e Nordeste), Peru, Bolívia, Chile e Argentina.
A exposição “Gorros del Desierto” mostra cem peças, sendo que a grande maioria já era parte do museu, eles agruparam e juntaram com outras peças oriundas de colecionadores, muito bem montada e o melhor, todas as peças em ótimo estado de conservação.
Realmente, este é um museu imperdível, caso você vá a Santiago do Chile esta é uma passagem obrigatória.
Saímos atravessando o centro até o nosso hotel e de lá fomos ao Shopping Parque Arauco para jantarmos e fazermos compras, afinal nem só de cultura vive o homem.
Maira e Flávio têm o apoio da Lenovo, da TIM Roaming Internacional e da Virtual Track.
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