Desvalorização ajuda, baixa produtividade atrapalha

Por: Valor Econômico

24/03/15


A desvalorização cambial frequentemente serviu de compensação para fatores estruturais que tornam menos competitivas as exportações brasileiras. O real vem perdendo valor aceleradamente neste início de ano, mas o otimismo com essa correção deve ser temperado pelas circunstâncias menos favoráveis que as que existiam quando das depreciações anteriores. É sabido que seus efeitos plenos surgem dois anos depois, desde que a volatilidade seja contida, mas as condições em que a disparada do dólar se dá agora parecem indicar que grandes superávits, na casa de US$ 40 bilhões, como na década passada, não voltarão a ocorrer.


A China, ainda uma gigante compradora de commodities, reduziu seu apetite com o crescimento buscado por seu governo. De outro lado, possui enorme capacidade ociosa de produção de bens manufaturados e capacidade financeira excedente para financiar compradores, exportando alguma deflação e pressionando fortemente seus competidores, entre eles as indústrias brasileiras. Com apoio ou não de governos locais, as vendas de manufaturados chineses lentamente deslocam os congêneres brasileiros dos mercados da América Latina, a começar pela vizinha Argentina.


Só agora a rica zona do euro dá sinais de que poderá voltar à rota do crescimento, após o início de um programa de relaxamento monetário pelo Banco Central Europeu. É um fato auspicioso, que vem, porém, acompanhado de significativa desvalorização do euro. Como resultado, o real se valorizou em 12 meses encerrados em janeiro diante da moeda única europeia. Utilizando-se o índice de preços no atacado, o real se apreciou 10,6% em relação a janeiro de 2014. O mesmo fenômeno ocorre em relação à moeda do Japão, o terceiro maior mercado do mundo. Se a conta é feita com índices de preços ao consumidor, o real se valorizou 6,8% de janeiro a janeiro. Com índices de preços do atacado, a apreciação é um pouco maior, de 7,2%. Para termos de comparação, em dezembro de 2003, a desvalorização efetiva do real diante do euro era de 20% (1998 igual a 100); em janeiro de 2015 estava sobrevalorizado em mais de 30%.


Na contramão de uma recuperação rápida das exportações encontra-se também uma razoável deterioração dos termos de troca. A relação entre preços de exportação e importação no primeiro bimestre do ano foi a menor desde agosto de 2009, com uma redução de 20,4% em relação ao pico de setembro de 2011 (Valor, 21 de março).


Desde 2003, os governos petistas avançaram na distribuição de renda, promovendo aumentos reais expressivos do salário mínimo, enquanto mantiveram apreciação cambial importante até pelo menos o fim de 2012. O resultado é que o valor do salário mínimo em dólar mais do que triplicou nesse período (Valor, 21 de março). O custo unitário do trabalho medido em dólar naquele mês é 40% superior ao de junho de 1994. Em relação a 2003, quando os superávits comerciais encorparam, o custo unitário era em janeiro cerca de 70% maior.


Para a indústria como um todo e também para as exportadoras, o custo da mão de obra correu à frente da produtividade. Por mais que a depreciação cambial colabore para isso, a baixa produtividade é uma bola de ferro que o exportador brasileiro carrega na corrida comercial, singularmente acirrada após o advento da China. Impostos acima da média dos concorrentes e infraestrutura deficiente são desafios não vencidos contra o qual pouco podem variações cambiais. A menos que sejam mega desvalorizações, como a de 2002.


Não se pode, entretanto, descartar um “overshooting” ao longo do ano, inspirado pelos temores dos investidores em relação à crise política, ao desempenho do ajuste fiscal, à eventual mudança do rating soberano e, mais para o fim do ano, ao início da elevação dos juros nos EUA.


Melhoram as chances do setor externo a desimpedida correção dos preços relativos, deixando correr o câmbio, com o BC abdicando de freá-lo para ganhar alguns décimos de pontos na inflação. Parece haver entendimento de que é preciso desmontar lentamente as operações de swap, que já atingiram US$ 110 bilhões, ainda que as condições para isso não sejam as melhores. Isso exigirá mais juros, a menos que o tombo da economia seja forte o suficiente para deter o repasse da desvalorização do real aos preços – algo que de antemão não é possível garantir.

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