Léo de Almeida Neves
Ex-deputado federal
O Mercosul se afirma como destino comum do Brasil e Argentina, e o Itamaraty está rigorosamente certo de valorizar as relações entre os dois países. Depois dos Estados Unidos nosso principal mercado, a Argentina comprou em 2005 produtos brasileiros (92% de manufaturados) no valor de US$ 9,9 bilhões, proporcionando-nos superávit comercial de US$ 3,7 bilhões, considerando que o Brasil importou US$ 6,2 bilhões. Lá, reclamam alguns setores industriais, principalmente dos ramos de calçados, eletrodomésticos e têxteis. Aqui, protestam os produtores de arroz, de vinho, de alho e de cebola. Agora, para dirimir controvérsias contamos com o instrumento disciplinador do MAC, Mecanismo de Adaptação Competitiva, instituído desde 01 de fevereiro de 2006 por Brasil e Argentina. Criticaram este Acordo uns poucos céticos do Mercosul e saudosistas da política exterior de ”alinhamento automático” com os Estados Unidos da América, tão bem definido pelo general Juracy Magalhães, embaixador em Washington no primeiro governo do regime militar (1964-1966), com a frase: ”Só é bom para o Brasil o que for bom para os Estados Unidos”. Os demais presidentes militares praticaram política externa independente, com destaque ao governo do general Ernesto Geisel, que denunciou e rompeu o Acordo Militar Brasil-Estados Unidos e nos colocou na vanguarda do reconhecimento diplomático da independência de Angola. De resto, celebrou o Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, que fracassou no cumprimento de suas etapas, mas nos deu a Nuclep, fundamental na construção de Plataformas Marítimas para a Petrobrás. Entrementes, no Centro Experimental de Aramar, em Iperó, SP, a Marinha de Guerra triunfou no enriquecimento do urânio e prossegue na concretização do primeiro submarino nuclear brasileiro. Antes do Acordo Brasil e Argentina, não havia embasamento jurídico para resolver discórdias entre companhias dos dois países, que por vezes assumiam características de conflito insanável, com ameaça de atos proibindo entrada de mercadorias brasileiras. Neste momento, as divergências de comércio, naturais em um expressivo intercâmbio comercial de US$ 16,1 bilhões (US$ 9,9 para lá e US$ 6,2 para cá) terão um rito definido de encaminhamento, após um dos lados formalizar reclamação. Os contendores disporão de prazo de 30 a 120 dias para negociarem e chegarem a um entendimento no âmbito estrito do setor privado. Se não houver acerto, adentra-se em outro estágio, o ”Mecanismo de Adaptação Competitiva da Integração Produtiva e Expansão Equilibrada e Dinâmica de Comércio”, pomposo nome abreviado para MAC, que terá duração de três anos, prorrogável por mais um. Os mecanismos estabelecidos para as negociações são similares aos da Organização Mundial do Comércio (OMC) e impedem o arbítrio de ações unilaterais, com certeza assegurando previsibilidade nos negócios, contribuindo para fortalecer vínculos harmoniosos de recíproco interesse. Este é o melhor caminho para arbitrar salvaguardas no comércio bilateral. Não havendo concordância entre as partes, avança-se para uma espécie de ”painel” da OMC, que é a análise técnica da questão por uma Comissão Mista de Monitoramento do Comércio Bilateral. Parecido com o ritual da OMC, haverá uma fase de consulta e de diálogo, que poderá resultar na fixação de quota anual do produto investigado. Persistindo o impasse, as autoridades investigadoras, integradas por representantes dos dois países, aprovarão uma quota de importação do produto envolvido na discussão, que pagará tarifa zero ou a intrabloco; se ultrapassar a quota, recolherá a Tarifa Externa Comum (TEC) dos países do Mercosul, com 10% da redução, isto é, 90% da TEC. Este procedimento é similar ao acordo celebrado entre a União Européia e o Brasil em 2000, que estabeleceu Quota de Exportação de café solúvel, a partir de 2001, livre de imposto; o que passasse da quota seria tributado. A União Européia cancelou as quotas, com início em janeiro/2006, e o café solúvel brasileiro está pagando novamente 9% de imposto para ser vendido à Europa. O Itamaraty com o apoio da Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel (ABICS) vai ingressar com consulta/painel na Organização Mundial do Comércio (OMC) contra essa taxação discriminatória, uma vez que exclui Colômbia, Equador e outros concorrentes. Em seguida ao anúncio da assinatura do MAC, alguns empresários brasileiros em atitude apressada, sem exame percuciente do que consistia exatamente a medida, fizeram críticas acerbas ao Itamaraty, como se este tivesse se curvado à exigências argentinas. Decorrido o ruído inicial, arrefeceram-se os ânimos e esses industriais alertaram-se em relação a fatos preocupantes: os surpreendentes índices de crescimento do PIB argentino, 8,7% em 2003; 9% em 2004 e 9,1% em 2005, mesmo com calote da dívida pública, mantendo a cotação do dólar acima de 3 pesos (enquanto o real alteia-se a R$ 2,1 por dólar), e praticando taxa de juros negativa (sem cobrir a inflação), em contraste com o Brasil, campeão mundial de juros reais (acima da inflação). Para finalizar, Alemanha e França sepultaram ódios seculares e constituíram o cimento do sucesso da Comunidade Econômica Européia. Nada afasta Brasil e Argentina, tudo une as duas nações para consolidarem o Mercosul, estendendo braço amigo ao Uruguai e Paraguai, e atraindo os povos irmãos da Venezuela, Bolívia e outros, até se formar a grande frente dos países da América do Sul. Léo de Almeida Neves, ex-diretor do Banco do Brasil, é autor dos livros “Destino do Brasil: Potência Mundial”, Editora Graal, RJ, 1995, e “Vivência de Fatos Históricos”, Editora Paz e Terra, SP, 2002. |