Carlos Henrique Jorge Brando
O histórico recente do mercado de café tem sido marcado pela elevada volatilidade das cotações na bolsa de Nova Iorque. Propomos lançar luz sobre os principais agentes causadores da volatilidade: os famigerados fundos que investem nos contratos de café da bolsa.
Há muitas críticas aos fundos sob o argumento de eles se posicionarem contra o produtor, de se descolarem dos fundamentos do mercado, fazendo as cotações despencarem ou de terem o poder de manipular o mercado.
Antes de qualquer coisa é preciso desmistificar os fundos como entidades impessoais, desumanas ou malévolas. Os fundos não passam de um conjunto organizado de investidores que depositam suas economias neste produto (fundo) e delegam a um gestor a operação e as decisões de investimento ou desinvestimento. Ou seja, os fundos não possuem vontade própria ou uma atuação descontrolada. As posições de mercado que eles assumem ora comprando contratos de café ora vendendo-os são fruto de decisões deliberadas de um gestor profissional. Uma pessoa física – um ser humano.
Dado que é um gestor que opera os fundos, ele deve tomar decisões racionais buscando a melhor rentabilidade para os investidores que depositaram dinheiro sob sua confiança. Portanto, um bom gestor sempre se posiciona no mercado pensando no melhor para seus clientes investidores. Neste processo de decisão de investimento, de fato, o gestor não pensa no cafeicultor. Mas vale perguntar: por acaso o cafeicultor tem alguma preocupação com a performance dos gestores de fundos quando ele decide parar de produzir, vender sua produção ou plantar mais café?
E da mesma forma que a decisão individual de um cafeicultor no interior de São Paulo não define o destino da safra global do café, as posições assumidas por um gestor de fundo não conseguem mover o mercado sozinhas. No mercado existem vários fundos e tão pouco eles conseguem se coordenar para manipular o mercado. O que muitas vezes acontece é eles assumirem posições semelhantes ao reagirem a alguma notícia ou fato novo. É o chamado efeito manada. Neste sentido, eles antecipam tendências do mercado ou intensificam as oscilações causadas por fundamentos ou previsões.
Mais importante que isso, deve-se ter em mente que as alternativas de investimento de um gestor de fundo que investe em café são diversas e não se restringem ao mercado de café apenas. Os fundos que investem em café geralmente são fundos de commodities agrícolas. Ou seja, o gestor tem a liberdade de alocar os recursos do fundo em qualquer contrato de commodity agrícola, seja soja, milho, açúcar, algodão ou outra.
Se houver a expectativa de uma posição no mercado de soja ser mais rentável do que uma posição em café, o gestor de um fundo reduzirá sua posição em café e aumentará em soja. Isto porque ele possui recursos limitados para alocar suas decisões de investimento. Caso seja essa a expectativa geral do mercado, não haverá compradores para essa venda de contratos de café e a cotação cairá. E algo semelhante pode ocorrer no mercado de soja fazendo a cotação subir. Existe algum mal nisso? Justifica-se um controle ou regulação na atuação dos fundos?
Os agentes do mercado físico de café, tais como, cafeicultores e traders, tendem a focar suas atenções nas oscilações e fundamentos do mercado de café somente. Estão certos nisso, mas ao analisarem ou criticarem a atuação de agentes que atuam em diversos mercados, tais como os fundos, eles devem levar em consideração as correlações e conjuntura dos demais mercados agrícolas.
Vale lembrar que os gestores de fundos de commodities também sofrem com a concorrência de outros mercados financeiros como os das commodities metálicas, ações, renda fixa etc. Caso os investidores do fundo agrícola queiram aumentar seus investimentos em renda fixa, eles deverão sacar os recursos de um fundo para colocar em outro. E isso acaba também afetando os mercados, pois os gestores terão que desfazer de algumas posições para devolver os recursos a seus investidores.
E por fim, uma vez desmistificada este modo de atuação dos fundos, vale destacar a função benéfica deles de prover liquidez ao mercado. Ou seja, a presença deles no mercado garante uma quantidade relevante de negociações, o que permite que o mercado sempre apresente um comprador ou vendedor disposto a fazer negócio. E garante que a formação do preço do produto seja fruto de várias operações (opiniões) distintas, o que tende a refletir melhor os fundamentos do negócio.
* Carlos Henrique Jorge Brando é Engenheiro civil pela Escola Politécnica da USP; pós-graduação e doutorado em economia e negócios no Massachusetts Institute of Technology (MIT), EUA; sócio da P&A Marketing Internacional, empresa de consultoria e marketing na área de café