Com receita bruta de US$ 90 milhões em 2006 e cerca de 170 projetos por ano, a Ideo é uma das principais empresas de design do mundo. Seu gerente geral, o norte-americano Tom Kelley, estará em São Paulo nesta semana para participar do Fórum Mundial de Inovação promovido pela HSM. A Ideo edita livros best-sellers sobre seu setor e atende clientes como Airbus, BMW, Samsung, Nokia, Nasa e HP. De Pala Alto, na Califórnia (EUA), o executivo fala sobre como o design pode revolucionar um segmento de mercado.
ALISSON AVILA
Meio & Mensagem – Esta é sua primeira visita ao Brasil
Tom Kelley – Não, tenho amigos no Rio de Janeiro e fiz alguns contatos em São Paulo no passado. Vim conhecer o sistema de caixas eletrônicos do Banco Itaú muitos anos atrás e também estivemos com a Sid Informática para desenvolver um mouse que já havíamos criado para a Apple e a Microsoft. Participamos de um trabalho para a Visa que incluiu o Brasil, também. Neste exato momento, estamos desenvolvendo um projeto para a Natura do qual infelizmente não posso falar a respeito.
M&M – O que o senhor conhece sobre o mercado de design brasileiro
Kelley – Sei apenas que a marca Brasil gera uma percepção muito positiva no mundo todo, de energia, criatividade e diversão. Infelizmente, não conheço muito sobre empresas locais e seus projetos inovadores.
M&M – O que o público brasileiro pode esperar de sua apresentação
Kelley – Eu não sou designer, pertenço à área de marketing e negócios e lido com 500 designers no dia-a-dia, mas me interesso particularmente pela justaposição entre o design e os negócios. Por isso, o ponto básico é o poder do design, que é muito mais do que a união da beleza com a criação de algo. O design pode melhorar as coisas de modo que se reinvente uma empresa tornando-a mais lucrativa, além de fortalecer uma marca.
M&M – Com exceção da Apple, que exemplo o senhor daria nesse sentido
Kelley – A indústria suíça de relógios. Os digitais surgiram há 20 anos, e o Japão estava com tudo. Eles foram criados na Suíça, na verdade, mas lá as pessoas gostavam mesmo de comprar relógios analógicos e caros. Por isso os japoneses foram muito mais bem-sucedidos nesse negócio e geraram um grande problema para os suíços. A partir disso, a marca Swatch desenvolveu um novo modelo de negócio, indo além da idéia de que compramos um único relógio e usamos todos os dias. Através do de sign, a Swatch nos convenceu de que relógios são acessórios de moda e que podemos ter um para cada dia da semana, ou comprar um que se adapte ao seu humor naquele dia específico. Hoje eles são uma marca global e, possivelmente, são os maiores do setor no mundo.
M&M – O senhor poderia citar outros exemplos
Kelley – A Palm, nosso cliente, pioneira nos computadores de mão. A diferença de mais de US$ 150 entre o Palm Pilot, bastante usado por engenheiros, e o Palm Five, voltado aos que querem ser mais modernos, é o design: eles têm exatamente a mesma funcionalidade e ambos vendem muito bem. O Palm Five foi comprado por mais de 7 milhões de pessoas por causa do seu visual. O mesmo pode ser dito sobre telefones celulares. Os primeiros estágios de uma inovação em produtos ou serviços prescindem do design, porque o que interessa no princípio é sua funcionalidade. Quando o mercado começa a amadurecer, vem a comoditização e aí sim o design chega para causar diferenciação. E, especialmente, para gerar mais dinheiro.
M&M – Além de produtos propriamente, em que outros segmentos o design faz diferença
Kelley – O design voltado à experiência dos consumidores também é um grande exemplo de reinvenção de mercados. Pense na Starbucks: seu café não é necessariamente melhor que o de outras cafeterias, mas possivelmente é a marca de varejo que cresce mais rapidamente no mundo em número de lojas. O motivo é a ambientação: pode parecer estranho, mas nos Estados Unidos a Starbucks é, segundo pesquisas, o melhor lugar para um primeiro encontro com um provável novo namorado. A marca e seu espaço interno ficaram tão populares na Inglaterra que as pessoas chegaram a mudar o hábito de tomar chá – tudo isso porque se sentem confortáveis lá dentro. Mesmo os meus filhos: eles nem sequer tomam café, mas a Starbucks é, disparado, o lugar onde eles mais gostam de se encontrar com os amigos, simplesmente porque lá é legal, bacana.
M&M – Qual é a empresa mais competitiva do mundo em design hoje
Kelley – A Apple, claro. A companhia se fez em cima disso. Mas, para não ser óbvio, eu citaria o Google. Eles abriram mão da idéia de cobrir cada pixel da tela com alguma coisa e seguir o que todos fazem para lançar aquelas home pages incrivelmente simples, que os usuários adoram justamente por causa dessa simplicidade. Este é, aliás, o segundo ponto da minha explanação no Brasil: a inovação, que, nesse caso do Google, tem tudo a ver com o “menos é mais”. Inovação não é agregar coisas a algo. Pode ser tornar a vida das pessoas mais simples, como o Google faz. É relaxante ver aquela tela branca no meio da informação do dia-a-dia.
M&M – Para uma empresa tão customizadora de projetos, como a Ideo, o senhor não acha que o negócio está ficando grande demais
Kelley – Nós não começamos grandes. Aliás, permanecemos pequenos por muito tempo: durante quase dez anos trabalhamos com 20 pessoas. Mas crescemos e não posso me sentir culpado por isso, porque nunca tivemos contatos comerciais ou fizemos propaganda. Ficamos grandes com o mercado ouvindo falar sobre nosso jeito de trabalhar e seguimos acreditando no “pensar grande, agir pequeno”, pois cremos que as pessoas precisam se sentir parte de uma família, inclusive em escritórios de designo É impossível ser íntimo de 500 pessoas. Cada divisão da Ideo é, para nós, como um ônibus escolar: no máximo 40 passageiros, todos indo ao mesmo lugar, que acabam se conhecendo bem. Caso contrário, você se perde dentro da máquina. Chegamos às 500 pessoas porque são muitas as equipes de trabalho – design aplicado a fatores humanos, empresariais, engenharia elétrica, meio ambiente, manufaturas, interação e mecânica, por exemplo.
M&M – Equipes de trabalho à parte, qual nicho de mercado é o mais importante hoje nos negócios da empresa
Kelley – Em termos gerais, eu diria que o maior segmento é o de consumer experience. Mas o que me interessa são projetos ligados à área da saúde, nos quais vejo potencial. Estou realmente interessado em usar o pensamento de design, sua lógica, para projetos de prevenção. Temos um sistema de saúde muito caro nos EUA, que pode ir à bancarrota se os custos não forem reduzidos e se não surgirem inovações.
M&M – Qual o projeto mais interessante lançado pela Ideo neste ano
Kelley – A Coastíng, uma nova bicicleta para a marca japonesa Shimano. Eles são conhecidos por vender componentes para outras marcas e perceberam que a indústria em que atuam começava a se encolher, especialmente entre os consumidores comuns, não os interessados em alta performance. Foram pesquisar por que as pessoas não queriam mais saber de bicicletas e perceberam que, ao mesmo tempo em que todos os entrevistados achavam os modelos atuais muito complicados, o tema sempre despertava um sorriso e uma lembrança agradável da infância. Isso gerou um projeto com o que há de mais moderno em materiais e componentes, mas que fosse totalmente simples, como andar de bicicleta quando se é criança. Um design a partir de uma idéia antropológica. Aqueles vendedores que só falam de tecnologia e inovações simplesmente afastavam das lojas os consumidores – que, talvez, só quisessem um banco largo, à moda antiga, ou um espacinho embutido para carregar algumas coisas. Até mesmo comprar uma “bike” se tornou algo complicado. A Shimano viu que poderia revitalizar o mercado com essa abordagem objetiva; e ela começa a dar certo: o produto acaba de ser lançado, eles estão muito otimistas.
M&M – E há algum lançamento que o senhor poderia antecipar
Kelley – Infelizmente não, mas posso lhe falar de outro produto interessante: o My Book, um disco rígido externo desenvolvido para a Western Digital. Basicamente, esse mercado de memórias externas para computadores era disputado por preço. A pedido deles, criamos um disco rígido cujo design remete a um livro clássico, de capa dura, no qual o “texto” – no caso, os programas e arquivos – estão dentro do “livro”. O projeto levou a marca à liderança do setor nos EUA apenas por causa do design.
M&M – A Ideo tem alguma empresa coligada no Brasil ou na América Latina
O senhor enxerga alguma oportunidade empresarial nesses mercados
Kelley – Bem, estamos muito interessados nesses mercados, o Brasil está no nosso short list, graças ao seu crescimento acelerado em vários segmentos e por ser integrante desse novo mercado ascendente composto também por Rússia, China e Índia. Nosso último escritório foi aberto há cerca de três anos na China e lançaremos uma nova unidade nos EUA em breve, não posso lhe dizer em qual cidade.
Ocorre que todos os nossos escritórios, até hoje, só foram abertos porque alguém que já trabalhava na Ideo se mudou para outra cidade ou país.
M&M – Como assim
A empresa nunca inaugurou uma nova sede visando oportunidades econômicas
Kelley – O Brasil é um mercado bastante atrativo, mas sempre funcionamos desse jeito. Se algum funcionário brasileiro bem estabelecido na Ideo disser que quer retornar ao seu país, as chances de abrirmos um escritório aí são bem razoáveis. Esse é o único modo. Somos uma família, queremos preservar nossa cultura e só confiaríamos uma nova operação a uma pessoa que conhecêssemos muito bem. A única exceção, embora envolvesse alguém que trabalhou conosco e posteriormente montou sua própria empresa, foi em Tóquio. Pode parecer sem sentido estrategicamente, ou na lógica do mundo dos negócios, mas é assim que trabalhamos há 30 anos. Não sei se o Brasil poderia ser uma outra exceção.
M&M – Permita-me mudar a pergunta, então: algum funcionário de origem brasileira já comunicou a vontade de voltar
Kelley – (risos) Bem, ninguém levantou a mão ainda…