Marcus Finco
é economista, mestre em Desenvolvimento Rural (UFRGS) e professor da UFT
finco@uft.edu.br
A agricultura foi, durante o século XIX e início do século XX, a principal atividade econômica, a qual fazia a manutenção da renda doméstica brasileira. Através das exportações de café, as divisas obtidas eram responsáveis pela multiplicação do fluxo monetário que perpetuava as elites e corrompia o poder de compra da maior parte da população no Brasil.
Após a diversificação da pauta exportadora brasileira e o início do processo de industrialização do Brasil, a partir da década de 30 do século passado, a agricultura de exportação (ainda sendo o café o principal produto da pauta exportadora) era taxada e os recursos obtidos com tal taxação eram realocados, visando a industrialização do País e redefinindo, dessa maneira, a mudança e a passagem de uma elite, até então, agrária para uma elite urbana.
Contudo, a agricultura (lato sensu, ou seja, agricultura e pecuária) continua sendo de extrema importância para o Brasil. Já há alguns anos, a balança comercial tem sido fundamental no equilíbrio do balanço de pagamentos do País, com a relação positiva das exportações/importações. Nesse sentido, a agricultura exerce um papel ímpar, já que proporciona ao Brasil que sua balança comercial apresente sucessivos recordes superavitários através do chamado agronegócio. Com base nesse contexto, o agronegócio é essencial para o desenvolvimento do Brasil, seja pela responsabilidade de utilizar aproximadamente 35% de toda a mão de obra empregada no País, seja pela responsabilidade em manter o saldo positivo na conta corrente brasileira e o conseqüente superávit primário no balanço de pagamentos.
No entanto, uma questão relevante surge quando o assunto é agronegócio: agricultura familiar versus agricultura de escala. É usual encontrar atualmente, seja na Academia ou fora dela, a idéia disseminada de que agricultura familiar é sinônimo de agricultura de subsistência, e de que agronegócio, por sua vez, é sinônimo de agricultura de larga escala, ou seja, grandes propriedades. Ora, sabe-se que isso não é verdade! Hoje, o micro e o pequeno agricultor (os quais, muitas vezes, não possuem ganhos de escala) fazem agronegócio, ou seja, negócio oriundo de atividades agrícolas. Esses agricultores, possuindo uma pequena área de terra onde haja produção agrícola para o auto-consumo e um excedente que possa ser vendido, e que tenha a família como gestora da atividade, estão adotando e participando do agronegócio.
Com isso, os mais de quatro milhões de agricultores familiares brasileiros não adotam a subsistência como atividade de sobrevivência, mas sim o agronegócio. Isto não quer dizer que não existam agricultores de subsistência no País – os quais necessitam de políticas “ganha-ganha” específicas a fim de serem empoderados e superarem tal condição -, mas que a discussão de que somente a agricultura de larga escala participa do agronegócio é equivocada. Como exemplo deste engano, basta um olhar sobre a agricultura familiar dos três estados do Sul do País, onde a pequena e a média agricultura familiar são as principais geradoras de excedentes da pauta exportadora agrícola, bem como geradoras de renda e empregos (sim, a agricultura familiar gera empregos!).
Na verdade, o debate sobre as diferenças entre agricultura familiar e agricultura de larga escala, antes da discussão de quem, afinal, gera e adota o agronegócio, deveria ir na direção de discutir linhas de financiamento e apoio à esses agricultores. Já é sabido que a agricultura de escala possui um giro e uma capacidade de obtenção de crédito muito superior à pequena agricultura familiar, porém pouco se faz no sentido de reverter essa situação. Aí sim, tenho que concordar que, ao continuar esse quadro, a agricultura familiar vai definhar via descapitalização dos pequenos agricultores vi-à-vis o avanço de agricultura de larga escala no Brasil, como foi o caso da agricultura na Europa, sobretudo na França, e nos Estados Unidos.
Cabe lembrar, no entanto, que além da expressiva participação no PIB (Produto Interno Bruto) agrícola – através do agronegócio -, a agricultura familiar começa a gerar renda através da chamada pluriatividade e multifuncionalidade do meio rural, ou seja, atividades não-agrícolas que empregam e geram um efeito multiplicador importante para o setor rural, seja na desaceleração do êxodo rural, seja na diminuição da pressão sobre os recursos naturais, ou ainda na promoção de alternativas sustentáveis de renda.
A pluriatividade, aqui, é entendida como uma característica típica dos processos de desenvolvimento em que a integração dos agricultores familiares à divisão social do trabalho passa a ocorrer não mais exclusivamente através de sua inserção nos circuitos mercantis via processos de produção agropecuários ou em atividades exclusivamente agrícolas. A pluriatividade tende a se desenvolver como uma característica ou uma estratégia de reprodução das famílias de agricultores que residem em áreas rurais situadas em contextos onde sua articulação com o mercado se dá através de atividades não-agrícolas. Nesse sentido, políticas que visem o desenvolvimento rural de qualquer região devem, ex ante, rever o papel da agricultura familiar, seja como participante do agronegócio estadual, seja como atividade multifuncional, pluriativa e geradora de emprego e renda, a fim de não adotar o equívoco de que a grande propriedade (latifúndio) é a solução para as mazelas locais.