04/01/2010
Maldição da lavoura
Desafio da década para o governo será reverter o alto custo de financiamento do agronegócio, hoje maior que o valor da própria safra
VICTOR MARTINS
O agronegócio, estratégico para o Brasil por representar 43,3% das exportações do país – o equivalente a U$$ 60 bilhões – e além da criação de mais de 100 mil empregos diretos, é também um forte determinante para a inflação dos alimentos. Os fatores que o afetam, como imprevisibilidades que prejudicam a produção, podem deixar a mesa do brasileiro mais cara. Consequentemente, a agenda do próximo presidente, segundo especialistas, é aumentar a produtividade sem ampliar os gastos públicos, deixando-o mais competitivo e com preços atraentes. O trabalho de quem assumir o Palácio do Planalto será corrigir, ou ao menos amenizar, a disparidade entre gastos e resultados obtidos.
Um levantamento do Correio (veja gráficos nesta página) mostra que, enquanto os custos tiveram um crescimento chinês nos últimos oito anos, o valor obtido com a safra e a produtividade dos agricultores se elevaram a taxas brasileiras. Para a safra 2009/2010, iniciada em julho deste ano, o custo para concluir a produção nacional será maior do que o valor que pode ser obtido com a venda dela. Os dados são do Sistema Financeiro Nacional e de bancos de dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
Com a expectativa de que o país amplie a oferta de crédito nos próximos anos, os produtores rurais se beneficiarão com mais de R$ 60 bilhões em financiamentos, a maioria oriunda de bancos oficiais federais e bancos privados. Esses recursos, somados ao orçamento do governo para incentivar a agropecuária, chegam a quase R$ 170 bilhões, valor que será gasto somente para produzir a safra. O montante é R$ 13,2 bilhões maior do que a receita que pode ser obtida com a venda de toda a produção nacional em 2010 – estimada em R$ 156,8 bilhões.
SPC
O deficit entre o que é gasto para produzir e o quanto a safra vale pode ser ainda maior, chegando a R$ 50 bilhões, se forem somados também empréstimos a produtores por trades e multinacionais, além de recursos próprios aplicados por pecuaristas e agricultores. “Produzir é algo difícil no Brasil. Se você quer saber se uma pessoa é agricultora, é só ver se o nome dele está sujo no SPC ou no Serasa”, brinca o produtor rural Clécio Klein. “Gasta-se demais e às vezes o resultado não cobre nem o custo de produção. Por isso é preciso que o governo melhore os incentivos”, emenda.
Enquanto o orçamento do crédito rural cresceu 335,2% entre 2002 e 2010, o valor bruto da produção – quanto vale a safra brasileira – expandiu-se apenas 7% em igual período. “O Brasil já avançou em muitos aspectos nos últimos anos, mas ainda há problemas e o mais negativo deles é o de eficiência dos governos”, afirma o professor de inovação e competitividade da Fundação Dom Cabral, Carlos Arruda.
O aumento do gasto também não se refletiu na taxa de produtividade da agricultura brasileira, que há alguns anos é a maior do mundo, com uma média anual de 3,66%. Na comparação entre custo e resultado, pode-se dizer que a produtividade caiu: se na safra 2002/2003 o Ministério da Agricultura aplicou R$ 24,7 bilhões para incentivar uma produção que valia R$ 146,5 bilhões, seis safras depois foi preciso um volume de dinheiro quase cinco vezes maior – R$ 107,5 bilhões – para incentivar uma produção que cresceu pouco e não atingiu os R$ 160 bilhões.
Para especialistas, o principal desafio para o agronegócio na segunda década do século será corrigir essas disparidades, fazer a produção e o valor dela crescerem ao menos na mesma proporção que os gastos públicos. “Acho que essa agenda deveria melhorar a eficiência da gestão pública. Isso é o mais urgente, porque impede o avanço de outros aspectos de competitividade. O próximo presidente precisa saber preservar as boas iniciativas do governo atual e dar continuidade a elas”, pondera o professor Arruda.
Recursos
Orçamento administrado pelo Ministério da Agricultura usado para incentivar e apoiar o desenvolvimento do agronegócio. Para a safra 2009/2010, os recursos previstos serão usados para investir em desenvolvimento tecnológico e científico, no apoio à comercialização para agricultores com dificuldades em conseguir preço e negociar seus produtos e para custear parte da safra.
Gigante com problema de pobre
O Brasil é uma potência agrícola, pois figura entre os maiores produtores do planeta e é tido como país com papel fundamental para atender a demanda mundial por alimentos. Mas, a despeito de se assemelhar aos gigantes neste aspecto, tem problemas de países subdesenvolvidos. Dificuldades que travam o desenvolvimento do agronegócio. Além de melhorar a eficiência do gasto público, o próximo governante também precisa acabar com esses gargalos. O seguro rural é atualmente um dos mais importantes instrumentos de política agrícola, mas ainda é insuficiente para atender plenamente as necessidades do homem do campo. Em oito anos, ele mais que dobrou e só não se desenvolveu mais porque as seguradoras ainda estão pouco confortáveis em oferecer o produto.
“Se você vende um seguro de carro, um veículo ou outro pode dar sinistro mesmo que seja uma frota grande. Os prejuízos às seguradora são pequenos. Mas, se você vende seguros para a safra de toda uma região e ocorre um problema climático, o prejuízo é de milhões e pode quebrar as empresas. Com isso, as regiões e os produtos mais sujeitos ao risco ficam limitadas, sem proteção”, explica o secretário de Políticas Agrícolas do Ministério da Agricultura, Edilson Guimarães. A solução foi criar o Fundo de Catástrofe, o que seria uma espécie de garantia para as seguradoras. A expectativa é de que ele seja aprovado pelo Congresso Nacional em 2010 e o próximo presidente tenha de implementá-lo quando tomar posse.
Supersafra
Outra amarra para a produção nacional é a de infraestrutura, que dificulta escoar a produção. “Deveremos ter supersafras nos próximos anos se o tempo ajudar. Acontecendo isso, teremos sérios problemas na estocagem e na escoagem da produção. Além da questão de estradas, existe a questão de portos. Todo o transporte dessa produção é muito complicado”, analisa o diretor de Transporte Rodoviário de Cargas da Confederação Nacional de Transportes (CNT), Luiz Anselmo Trombini.
A depender do estado das rodovias e do valor da carga, afirma o diretor da CNT, o frete é mais caro do que os itens transportados. “Quanto custa uma tonelada de soja nos EUA para mandá-la à China e quanto custa no Brasil?”, questiona Trombini. “É o dobro do preço, por causa da falta de infraestrutura. Os EUA têm 20 vezes mais rodovias que nós. Somadas a elas, têm também mais hidrovias e ferrovias”, compara. Segundo estimativa da confederação, seriam necessários R$ 32 bilhões somente para reconstruir e restaurar as estradas que já existem. (VM)