Depois foi a vez do café gourmet, e as máquinas de expressos invadiram as residências de classe média.
ECONOMIA & NEGÓCIOS
20/07/2008
Carnes com grife invadem as gôndolas
Criadores de gados especiais ampliam oferta de produtos
Marili Ribeiro
Primeiro vieram as garrafas azuis com vinho branco alemão. Era importado e ruim, mas abriu um mercado. Aos poucos, o gosto do brasileiro foi se sofisticando e hoje até restaurante de bairro tem um sommelier para ajudar na escolha. Depois foi a vez do café gourmet, e as máquinas de expressos invadiram as residências de classe média. Agora, chegou a hora de lapidar o gosto pela carne.
Há um movimento crescente, que já envolve criadores de bovinos, frigoríficos e varejistas. Todos em busca da qualificação do consumo. A proposta é vender carne com grife. O mercado ainda é pequeno, ninguém arrisca dimensionar o que poderia se classificar nessa categoria. O País detém um dos maiores rebanhos do mundo, cerca de 195 milhões de cabeças. Já o consumo de carne per capita gira em torno de 34 quilos por ano, abaixo dos americanos, cerca de 43 quilos, mas acima dos europeus, 19 quilos, segundo projeções da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).
Mas, para vender o bife de cada dia com apelo de marca, há um longo caminho a ser percorrido, entre outras razões, porque o rebanho nacional é predominantemente, cerca de 85%, de gado zebu e nelore. Raças que se adaptam melhor ao calor, mas resultam em uma carne mais dura e pouco saborosa para os paladares mais exigentes. Os bois de origem européia, em particular os taurinos ingleses, são responsáveis, por exemplo, pelo sucesso do bife ancho dos vizinhos de baixo.
É bem verdade que essa vantagem competitiva dos argentinos começa a desaparecer com o avanço do cultivo da soja, que rouba pastagens do gado, empurrando-o para o norte do país, onde o gado de origem européia perde produtividade por causa do clima menos temperado, como conta o criador Carlos Maluhy, dono da fazenda Madeiral Pecuária.
A empresa dele hoje se dedica a comercializar bois de origem certificada, caso do gado sul-africana Bonsmara. Uma espécie desenvolvida a partir da década de 40 para se adequar ao clima quente sem perder a qualidade da carne. No Brasil, existem 32 criadores da raça, e este ano foi criada a Companhia Bonsmara Beef, para distribuir o produto. Uma loja foi aberta em São Paulo, onde os maiores clientes dessa carne são restaurantes top, como Parigi, Dom e Adega Santiago.
“Para se obter animais de carne macia, o gado tem que ter no máximo 25% de sangue zebu”, explica Maluhy. “Essa certeza só se consegue com controle de origem e certificação genética. Algo que o mercado nacional ainda adota precariamente”, diz ele. Nos EUA, o padrão é similar para o consumo de carne angus, cujos animais não podem ter mais do que 25% de sangue zebu.
O problema no Brasil é que nos abatedouros não existem controles sobre as espécies. A escolha das peças de carne que vão para o consumo é feita de forma aleatória, na maioria das vezes pelo tamanho da carcaça. “Os frigoríficos se agigantaram e se preocupam com volumes, e não com qualidade”, diz Maluhy.
Para o desenvolvimento do segmento de carnes de origem comprovada – cujo quilo do contrafilé pode custar até quatro vezes o que hoje se comercializa no açougues -, é necessário criar um público consumidor não só disposto a pagar mais, como a exigir mais da qualidade da carne que consome.
A rede de supermercados Pão de Açúcar especula a respeito. Mobilizou um time de profissionais de sua equipe de desenvolvimento de marcas próprias para estudar tipos, origens e cortes de carne. A idéia é lançar uma linha de carne com grife, em conseqüência do que vem sendo detectado em pesquisas internas com o consumidor. Nelas há indicações de que crescem os compradores mais afeitos ao apelo gourmet. “Mas nenhum produto deve chegar ao mercado antes de um ano”, conta a diretora de marcas da rede, Alexandra Jakob Santos.
Menos preocupado com a origem do gado em si, mas sim com a qualidade dos cortes das carnes que podem resultar em negócios com melhor margem, um dos maiores frigoríficos do País, o Marfrig, já vem investindo na proposta de vender carnes de marca. Tanto que, em 2005, comprou a marca Bassi e também comercializa, desde 2002, a marca Montana.
“As carnes com grife são ainda um mercado muito pequeno no Brasil, que começou a se desenvolver há menos de dez anos”, diz o diretor de Marketing do frigorífico, Sérgio Mobaier. “O público que compra sabe o que esta procurando e está disposto a pagar por uma carne mais cara. Mas a maioria acha caro, já que carne de boi selecionado pode custar o dobro da carne comum.”
Além de formar platéia, as carnes especiais enfrentam problemas, como o da denúncia de falsificação de bife Kobe feita pela Associação de Criadores da Raça Wagyu, o boi japonês que resulta no famoso bife.