AGROPECUÁRIO
09/11/2009
Dá para acreditar?
Em tempos de tecnologia avançada, os agricultores ainda apostam no o conhecimento popular para ter boa colheita. As fases da lua e o saber passado de pai para filho ditam as regras no campo, definindo o momento certo de plantar, podar, colher e até mesmo para reprodução dos animais. Mas o que ninguém imagina é que tudo isso tem um fundo de verdade: segundo especialistas em física, agronomia e astronomia, a lua, responsável pelas marés, também age sobre os lençóis freáticos. Daí, portanto, dependendo da fase, existe mais ou menos água no solo, o que explica o desenvolvimento mais eficaz das culturas. Crendice ou não, o homem do campo prefere “não pagar pra ver”.
Crença que faz a safra crescer
Calendário lunar e o saber popular ainda ditam as regras no campo. E há base científica nisso
Marinella Castro e Patrícia Rennó
A lua não move somente as marés e os apaixonados, mas também dita as regras na agricultura. A introdução de novas tecnologias na lavoura fez crescer a produtividade, mas não eliminou da agropecuária brasileira o conhecimento popular, tampouco o calendário lunar. O saber transmitido de pai para filhos continua influenciando as regras do campo, definindo o momento certo de plantar, colher e até mesmo o melhor período para a reprodução do rebanho. E, entre as crenças que atravessam gerações, a influência da lua se destaca. Há quem garanta que observar o astro é receita certa para melhorar os resultados da produção rural. Crendice ou não, o homem do campo prefere”.
O cafeicultor Homero Antônio Alves, de 81 anos, sempre olha para o céu antes de fazer o corte do café, no Sítio Chapada, na zona rural de Varginha, Sul de Minas. Ele acredita que fazer a poda na lua nova de agosto faz com que os pés brotem mais rápido e fiquem mais fortes. O agricultor aplica a técnica há muitos anos e diz que aprendeu com os parentes mais velhos. “Isso tem feito a diferença na lavoura.”
Em Sete Lagoas, na Região Central de Belo Horizonte, o presidente da Associação de Hortas Urbanas, Benedito Rafael da Costa já fez o teste e garante que o conhecimento popular tem efeito direto na produtividade da horta. Segundo ele, existe uma receita muito antiga que não costuma falhar: “As folhosas devem ser semeadas na lua nova, assim como tudo aquilo que nasce acima da terra. Já a minguante é a lua certa para plantar cenoura, beterraba, mandioca, tudo aquilo que nasce dentro da terra, que tem raiz”, resume. O experiente cafeicultor Homero Alves confirma. Ele não semeia milho ou arroz antes de conferir a lua nova, que, pela regra, favorece o crescimento das plantas que germinam fora da terra.
Mas afinal a lua tem ou não alguma influencia sobre as culturas? O professor de física e coordenador do Laboratório de Astronomia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Remato Las Casas, afirma que a observação popular tem fundamento. Segundo ele, o astro é responsável pelas marés, que consiste na força gravitacional da lua agindo sobre uma grande massa, que são os oceanos. Da mesma forma que a lua move as marés ela age também sobre os lençóis freáticos. “O horário (fases da lua) vai determinar se existe mais ou menos água no solo.” Segundo Las Casas, a maior absorção de água pelas raízes pode explicar o desenvolvimento mais eficaz das culturas, observado em fases como a minguante ou nova.
Há mais de 40 anos Paulino Gontijo Cançado é pecuarista na região de Bom Despacho, no Centro-Oeste de Minas. Neto e também filho de produtores de leite ele não abre mão dos conhecimentos que aprendeu desde criança. “Prefiro não pagar para ver”, alerta. Para fazer uma nova cerca Paulino só corta a madeira na lua minguante. “É quando os poros da planta estão fechados. Se cortar a madeira em outra fase da lua ela logo apodrece e a durabilidade é bem menor”, explica.
Las Casas conta uma história intrigante. Ele mesmo já fez o teste ao qual se refere Paulino Cançado e confirma, que, de novo, é a lua pressionando os lençóis freáticos. Ele lembra que há alguns anos fez dois balaios de taquara como experiência. Um deles utilizando a matéria-prima cortada na lua “correta” e o outro cortado uma semana depois. “A durabilidade de um dos cestos foi muito maior.” Segundo o físico, a questão está relacionada ao nível de água absorvida pela raiz, impulsionada exatamente pela força da lua sobre os lençóis no horário que corresponde a fase minguante.
Ideal é unir a técnica ao popular
Segundo agrônomos, a sabedoria do campo deve ser levada em conta, desde que não ofereça riscos
Patrícia Renó e Marinella Castro
Semear o alho na sexta-feira santa e não plantar o café em dezembro. O conhecimento popular que influencia a lavoura, muitas vezes encontra respaldo na ciência. Para a engenheira agrônoma e extensionista da Emater-MG Érika Carvalho, apesar de não ter comprovação científica, a sabedoria do campo deve ser levada em conta. “Procuro unir o que temos a oferecer de tecnologia com o conhecimento popular. Nunca deixo de lado o que o agricultor sabe ou intui, mas também alerto quando percebo que as crendices oferecem riscos à saúde”, comenta.
O agricultor Benedito Rafael não sabe explicar porque o alho deve ser cultivado na sexta-feira santa, mas diz que a regra é seguida com rigor por quem é adepto da cultura e quer ter uma colheita farta. Já Érika Carvalho diz que a época é mais que propícia. “O alho é uma cultura de inverno, precisa de horas de frio e o clima em abril começa a esfriar”, aponta.
No Sul de Minas, uma aposta dos cafeicultores para proteger a lavoura contra as chuvas fortes e o granizo, que chega a destruir plantações inteiras, é a fé. Muitos costumam usar a água benzida pelos padres da Igreja Católica para abençoar os cafezais. É o caso de Israel Reis Caldeira, 69 anos, que, desde pequeno, costumava ver o pai e o avô fazendo isso. Na Fazenda Capetinga, em Carmo da Cachoeira, o produtor e os dois filhos cuidam de perto dos 250 hectares de café.
Caldeira ainda usa outra simpatia para proteger a lavoura e espantar as chuvas fortes, as pedras de gelo e até a geada. Ele costuma guardar em baú as palhas de coqueiro benzidas durante a semana santa. As folhas secas são colocadas nos três cantos da fazenda e o quarto canto fica livre, para que chuva passe e não faça estragos. “Eu coloco a palha e minha esposa que é muito religiosa costuma rezar. Não temos sofrido com esses problemas há muito tempo. A chuva de pedra passa perto dos vizinhos e não chega na nossa propriedade. Devo isso à fé que temos em Deus”, disse.
A crença do velho cafeicultor pode até dar resultados, mas para os especialistas não há trabalhos científicos que comprovem a eficácia do costume sobre a plantação ou colheita da lavoura cafeeira. Apesar disso, a tradição de plantar o café em agosto, como e evitar dezembro, pode fazer algum sentido, segundo explica o engenheiro agrônomo da Emater-MG de Varginha Luiz Geraldo Marciano Rezende Reis. “Nessa época, acaba o período frio e a temperatura sobe. A mudança de estação ajuda os vegetais a crescerem mais, como no caso do café”, disse.
Em relação ao temido dezembro, há uma explicação. Nesse mês costuma chover muito e isso prejudica a planta. “O período apresenta poucos dias de sol, o que atrapalha a fotossíntese da planta e faz com que ela não cresça tanto”, comentou Luiz. O agrônomo ainda enfatiza que as simpatias tratam-se de crendices populares rurais usadas desde à época do descobrimento do Brasil trazidas pelos portugueses, mas que não têm nenhuma base científica.
SEXTA-FEIRA SANTA AJUDA A PECUÁRIA
Na cultura popular, a força da lua não está relacionada somente à agricultura, atinge também a pecuária. Pecuaristas que não abrem mão da tecnologia, mas seguem também o conhecimento que passa de pai para filho e preferem não arriscar. O veterinário Wilson José de Queiroz conta que muitos serviços como a castração de cavalos acontecem na lua nova de janeiro. “Não vejo nenhuma diferença no resultado do trabalho. Acho que o serviço é igual independentemente da lua, mas muitos ainda preferem seguir as tradições”, comenta.
O produtor de leite de Bom Despacho Paulino Cançado não sabe se o conhecimento popular tem algum fundamento científico, mas prefere seguir a regra. Segundo ele, quando os animais são castrados na lua minguante há uma retração no crescimento. Assim como as fases nova e cheia favorecem a fertilidade e os nascimentos. Além da lua, as datas religiosas também pesam na decisão do fazendeiro que tem uma produção de 2 mil litros de leite/dia. “A sexta-feira da paixão é a data certa para fazer a marcação do gado e para vacinação.”
O coordenador do grupo de astronomia da UFMG, Renato Las Casas, não descarta de todo a técnica. “Pode ter uma explicação antropológica.” Segundo ele, na época das cavernas, a mulher em período menstrual ficava menos suscetível aos predadores na lua cheia. “Nesta fase da lua, a luz permitia uma maior defesa. Além disso nosso ciclo hormonal é muito parecido com o ciclo lunar.”