Valor Econômico
18/02/15
À primeira vista, as lavouras de café de Altinópolis, no tradicional polo da Alta Mogiana Paulista, parecem saudáveis. Com as chuvas recentes, estão bem verdes e bonitas. Olhando mais de perto, contudo, é possível ver que as plantas, por mais resistentes que sejam, acusam os efeitos da seca de 2014 e de janeiro. Os ramos estão pequenos e as folhas, queimadas. A produtividade será mais baixa nesta safra, e o potencial da próxima colheita, no ano que vem, já está comprometido. Ainda que chova nas próximas semanas, já não é mais possível evitar o legado deixado pela falta de água e pelo forte calor.
Em maior ou menor escala, cafezais de outras regiões produtoras de São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo enfrentam o mesmo tipo de problema. E, como observa o engenheiro agrônomo Marcelo Laurenti, da Cooperativa Regional dos Cafeicultores em São Sebastião do Paraíso (Cooparaiso) – cuja área de atuação compreende o sul e o sudoeste de Minas e a Alta Mogiana Paulista -, o cenário pode piorar. Se faltar chuva até o mês que vem, a maturação dos grãos para a colheita deste ano será ainda mais prejudicada, e menos gemas se transformarão em flores e frutos para o ciclo 2016/17.
Para a próxima temporada, estima- se perdas por conta do menor crescimento das plantas e de distúrbios fisiológicos, como o aparecimento de flores fora de época e ramos laterais. Em períodos inadequados, as flores não se transformam em grãos, explica Laurenti. E os ramos na haste principal do pé de café acabam competindo com outros ramos produtivos, puxando mais energia da planta, mas sem produzir. Isso sem contar os ramos secos.
Também engenheiro agrônomo, Emerson Tinoco, coordenador do departamento técnico da Cooparaiso, afirma que, em 2014, a seca em São Sebastião do Paraíso, no sudoeste mineiro, não foi tão intensa quanto no sul do Estado, por exemplo. As chuvas deste mês estão mais volumosas que em fevereiro do ano passado, mas em janeiro as precipitações foram baixas. Segundo dados coletados pelas estações meteorológicas da Cooparaiso, em janeiro a média das precipitações em sua área de atuação foi de 79 milímetros, ante os pífios 58,6 mm do mesmo mês de 2014 e os 348,1 mm de janeiro de 2013. Desde 1973, a média anual das precipitações para o período alcança 296,9 milímetros.
Mas o problema maior são a saltas temperaturas, observa Tinoco. Acima de 32 graus Celsius, o metabolismo da planta é afetado. Em15deoutubro de 2014, por exemplo, a temperatura chegou a 35,4 graus, o que já foi um problema, enquanto a mínima foi de 20,6 graus. Para lavouras novas, a combinação entre frio noturno e seca gera 65% de desfolha.
Como as chuvas foram escassas em setembro e outubro do ano passado, época das floradas, já foram perdidos três meses do período em que a planta desenvolve os ramos para a produção do ano seguinte (de setembro a março). Neste momento, nas plantações de São Sebastião e Altinópolis, as plantas têm menos ramos que o desejado, como nesta mesma época de 2014. O ideal é que fossem encontrados de oito a 12 internódios (gemas de crescimento do caule dos cafeeiros para a formação dos grãos), mas, em geral, há entre quatro e oito.
Grãos chochos também podem ser encontrados nos cafezais, mas, nesse caso, a situação não é tão grave como era em 2014. A planta não apresenta deficiência nutricional, mas não cresce.Os pés de café deveriam formar um paredão, com os ramos crescendo e encostando na planta vizinha. Mas os paredões não estão homogêneos. “Se tudo correr bem, teremos uma lavoura bonita em 2017 para produzir bem em 2018”, afirma Tinoco.
Não bastasse esse triste roteiro, a seca também favoreceu a ocorrência de pragas. Há tempos o bicho mineiro, uma larva que mata as folhas das plantas, não se divertia tanto na região. Tinoco estima que a safra a ser colhida neste ano (2015/16) na região de atuação da Cooparaiso deverá ser entre 10% e 15% menor que o volume previsto em dezembro – 2,6 milhões de sacas, ante 3,1 milhões em 2014/15.
Mesmo em lavouras irrigadas, como a do produtor Daniel de Figueiredo Felippe, em Altinópolis, o forte calor causou a escaldadura (queimadura) das folhas.E observando os cafeeiros, uma linha plantada está mais afetada que outra. “Mesmo molhada, a planta não aguenta”, diz.
Felippe, que tem áreas próprias e arrendadas na região de Altinópolis, enfrentou menor disponibilidade de água para irrigar.Ele tem outorga para usar a água de nascentes localizadas em suas propriedades e que alimentam uma represa. Há dois anos, no fim de janeiro o produtor contava com uma vazão de 30 mil litros por hora, mas hoje tem que se contentar com entre 4 mil e 5 mil litros. No auge da seca, ficou com mil litros. “Imaginei que fosse secar. Não consegui irrigar direito”. Na média, Felippe diz que jogou nas lavouras 40% menos água do que o ideal.
Nos últimos anos, a produtividade média dos cafezais de Felippe ficou em torno de 35 sacas por hectare – acima da média no município entre 25 e 28 sacas, graças à irrigação. De 190 hectares totais, o produtor irriga 80, com sistema de gotejamento. No mês passado, ele precisou irrigar as lavouras por cerca de 15 dias. Uma situação atípica, já que em janeiro normalmente chove o suficiente.
Felippe acredita que, em virtude da atual crise hídrica, haverá restrições para novos financiamentos para irrigação e maior dificuldade para a obtenção de outorga para o uso da água. Ele conta que começou a irrigar seus cafezais para aumentar a produtividade, pois nunca havia registrado problema sério de falta de água para as lavouras. Nos últimos anos, investiu cerca de R$ 400 mil em irrigação e mais R$ 400 mil na aquisição de uma colhedora e de um trator. Se o mercado permitir, tem planos para continuar renovando suas plantações.