Luiz Antonio G. Rodrigues de Souza
Agricultura é uma atividade de baixa rentabilidade. Não quer dizer que não possa ser um bom negócio, mas para se tocar uma safra se emprega muito mais recursos do que normalmente o agricultor tem disponível e com liquidez. O segredo está na escala. Neste contexto o modelo de modernização adotado no Brasil, responsável pelo sucesso na produção e exportação, é um grande demandante de crédito seja na forma de custeio seja na forma de apoio aos investimentos de longo prazo. Ou seja, crédito rural é um tema chave para o desenvolvimento agropecuário do Brasil. Neste momento estamos no meio para o final de uma longa transição.
O sistema que está em transformação teve seu início junto com o governo militar pós-64. Foi um dos temas tratados pelas reformas econômicas de Roberto Campos e Octávio Bulhões. Embora aqueles economistas tivessem grande simpatia por regimes amigáveis ao capital privado e defendessem idéiais liberais, como tecnocratas responsáveis sabiam a conjuntura que enfretavam: poucos recursos oriundos de capitalistas que se dispunham a emprestar para agricultores. O governo não intervir seria incompatível com o projeto de Brasil que os militares iriam desenvolver, especialmente após a decisão de transformar o país em “potência” e aumentar sua autonomia. E como sabemos nos anos 70 a ordem era alavancar a modernização e o avanço das fronteiras agrícolas.
Embora tenha apresentado resultados vistosos como a conquista do cerrado e a multiplicação da produção, o sistema demandava muitos recursos. Já no início dos anos 80, com o prenúncio da crise fiscal que se avizinhava, o Estado passou a ter problemas em encontrar fundos para a manutenção deste modelo. Ademais, um arcabouço tão centrado no Estado deu espaço a demandas clientelistas e a disseminação de fraudes sistêmicas, numa corrida para a apropriação dos recursos federais, levando a escândalos como o caso da mandioca e as falcatruas contra o seguro do Proagro. O modelo agonizava junto com a débaclê do Estado brasileiro dos anos 80.
No bojo das reformas neoliberais dos anos 90 havia uma clara decisão de que o governo não seria mais capaz de financiar a agricultura como fora outrora. Numa conjuntura de abertura econômica e competição, se desejava maior participação de capitais privados no crédito rural. Não foi o enterro do modelo anterior, mas sobre suas bases começava uma mudança significativa, e a principal estrela que nascia era a CPR (Cédula do Produto Rural), cujo fundamento era a segurança jurídica para o emprestador. Iniciou-se o debate para enterrar o seguro estatal Proagro e se criar um novo modelo, com apoio governamental, mas com responsabilidades para as seguradoras privadas. O Banco do Brasil continou sendo o principal agente na ponta do sistema, mas agora além do custeio tradicional oferecia emissão de CPR como forma de complementar no mercado de capitais o restante dos recursos necessários ao produtor.
Os anos 90 foram verdadeiramente complexos. Aâncora verde, ou seja, o repasse de ganhos de produtividade dos agricultores para os consumidores no ambiente do plano real, e a disparidade de reajustes das dívidas por conta dos planos heterodoxos dos anos 80, somada a alta de juros levada a cabo pelas equipes econômicas conservadoras levou a uma explosão no acumulo de dívidas. Se o governo da época era cioso de se livrar de “esqueletos” acabou criando um dos maiores que já existiu: a dívida do crédito rural. Ao mesmo tempo, começava a se estruturar um modelo alternativo voltado aos pequenos agricultores que tinham dificuldades em conseguir recursos nos bancos: o PRONAF.
O cenário atual é o de avanço das reformas, inclusive do sistema de armazenagem de grãos e custódia, para que haja garantias jurídicas aos emprestadores. O seguro ruralcomeça a deslanchar com subsídios direcionados, o que dá garantias ao crédito. A participação de capitais vai crescendo, e o governo começa a ensaiar diminuir o percentual dos depósitos a vista que os bancos são obrigados a direcionar ao crédito rural. Os programas de ressecuritização de dívidas, mesmo com amargor dos produtores, vai solucionando a questão das dívidas impagáveis. O PRONAF se consolidou como política pública de Estado, não havendo questionamento de seu papel. Os investimentos privados fluem para financiar a agropecuária brasileira, e participar dos lucros. A transição vai se complentando, de forma lenta, gradual e segura – principalmente segura. Em breve precisaremos de um reforma das leis e decretos já desgastados. O modelo já é outro, o arcabouço ainda não.
Luiz Antonio G. Rodrigues de Souza
Engenheiro Agrônomo – Especialista em Políticas Públicas
http://perfildaagricultura.blogspot.com/