06/01/2013
Costa Rica tenta ser país neutro em carbono até 2021
Apesar de responder por apenas 0,02% das emissões globais de gases-estufa, país se compromete com a meta mais ambiciosa
Giovana Girardi
O pequeno país latino-americano da Costa Rica chegou à 18.ª Conferência do Clima da ONU, realizada em Doha (Catar) no fim do ano passado, com umbule de café em uma das mãos e uma ambição de combate às mudanças climáticas inversamente proporcional às suas emissões de gases de efeito estufa na outra.
Responsável por 0,02% das emissões globais desses gases, o país defendeupara as outraspartes seu modelo de desenvolvimento, que tem como meta neutralidade de carbono até 2021.O cafezinho servido no evento árabe foi o primeiro produto do país a alcançar esse certificado.
Em meio a um evento já notório pela falta de ambição–no ano passado, por exemplo, não se viu novas metas de redução das emissões –, os costa-riquenhos reafirmaram seu compromisso de reduzir suas emissões e de compensar com o plantio de florestas aquelas que não puderem ser reduzidas.
O plano não significa zerar as emissões. “Neutro não é livre”, explica Mónica Araya, assessora da divisão de mudanças climáticas do Ministério do Meio Ambiente. O objetivo é chegar a 2021 sem aumento de emissões na comparação com valores atuais.
Se nada fosse feito, a expectativa era de que as emissões no país saltariam de 12 milhões de toneladas de CO2 equivalente, em 2005, para 21 milhões de toneladas em 2021. Só para comparação, a emissão brasileira atual é de 2,2 bilhões de toneladas.
A intenção é evitar que isso ocorra. Para tanto, só nos dois principais setores alvo de reduções – transporte e agricultura – o desafio é reduzir suas emissões em 4 milhões de toneladas neste período.
Bicentenário. O anúncio, feito em 2009 – último ano de mandato do então presidente Oscar Arias –, teve um quê também de nacionalismo. Em 2021 são comemorados os 200 anos de independência do país em relação à Espanha. “A ideia foi aproveitaro marco para alcançarmos outro tipo de independência –- a dos combustíveis fósseis”, conta Mónica.
Por trás do idealismo, porém, havia uma motivação bem mais prosaica. Nos anos anteriores ao anúncio já havia uma percepção incômoda de que a maior parte das divisas obtidas com turismo estava sendo gasta com a compra de combustíveis. Uma contradição visto que o próprio crescimento do turismo havia se dado por um avanço da compreensão no país de que valia a pena investir nas riquezas naturais do país para atrair visitantes.
Quando boa parte do mundo ainda nem pensava em aquecimento global, a Costa Rica nos anos 1970 começou a investir em seus parques nacionais. Na sequência, uma série de outras ações na área ambiental, como o pagamentopor serviços ambientais para evitar o desmatamento, foram moldando o comportamento do país (mais informações nesta página).
“Ao contrário do típico debate que vemos muito nas negociações internacionais, de países em desenvolvimento falando que as questões climáticas são um obstáculo e são vistas como algo injusto, que vai barrar o desenvolvimento, na Costa Rica as pessoas passaram a encarar a questão como uma oportunidade de diferenciação. Ter uma marcaverde se tornou estratégico”, afirma Mónica.
Esses antecedentes e uma série de discussões que começaram em 2006 a fim de promover uma mudança estrutural no país levaram ao anúncio da meta em 2009, às vésperas da Conferência do Clima da ONU, da qual se e sperava um acordo global de redução de emissões. Foi tudo mui to rápido e só depois se percebeu que na prática ser carbono neutro era um pouco mais complicado do que se imaginava.
Levou cerca de um ano, por exemplo, o trâmite para a criação da norma costa-riquense que dá as regras a serem seguidas por quem quer ter produtos agrícolas que possam ser chamados de carbono neutro. Hoje,porém, esse é o setor que tem mais possibilidade de acelerar a agenda de carbono neutro.
Para a COP em Doha, o Ministério da Agricultura apresentou várias ações que estão sendo feitas por produtores de café, cana de açúcar, banana, leite e carne São alterações diversas no modo de produção, que vão desde reduzir o uso de fertilizantes e mudar a dieta do gado a fim de emitir menos metano até a implementação de sistemas agroflorestais.
Nas fazendas de café, por exemplo, começou a ser adotado o plantio dos pés à sombra de árvores nativas, com a colocação de até 100 árvores por hectare, o que aumenta o potencial de compensação das emissões.
Abalou o país a divulgação do Informe do Estado da Nação, de 2010, que trouxe previsões de redução de 50% no nível de chuvas na região do Pacífico Norte para o período de 2071 a 2100.
“Pela primeira vez na história da Costa Rica, as mudanças climáticas deixaram de ser só um tema do Ministério do Meio Ambiente”, conta Mónica.
Gargalo. A maior dificuldade está sendo mudar o setor de transporte,justamente o maiorprodutor de gases-estufa do país, responsável por 69% das emissões nacionais.
Está sendo desenhado um conjunto de soluções, como melhorar a eficiência dos ônibus e aumentara oferta de transporte público, criar um controle mais estrito para a regulação das emissões, temporariamente substituir petróleo por gás natural e, para longo prazo, a ambição maior– eletrificara frota, inclusive os táxis.
Algumas companhias, porém, aindaestão oferecendo resistência às mudanças, o que já levantou a suspeita no país de que o carbono neutro possa não ser alcançado até 2021. Talvez não seja até o bicentenário, como queria Arias, mas a Costa Rica tem feito sua lição de casa.
Cobertura florestal aumentou 79% no país
Investimento em pagamento por serviços ambientais fez vegetação pular de 29%, em 1985, para 52% em 2012
As duas principais ações da Costa Rica para diminuir suas emissõe s vêm de antes até da meta de carbono neutro. O investimento em parques naturais e no pagamento por serviços ambientais, que remunera os produtores rurais por manterem a vegetação natural em suas propriedades e até recuperarem áreas desmatadas promoveu um aumento de 79% na cobertura vegetal do país. Ela passou de 29% do território em meados dos anos 1980 para 52% em 2012.
As políticas pegaram principalmente porque acabaram beneficiando o setorprivado. O investimento que se fez nos parques nacionais nos anos 1970 e 1980 tevebenefícios concretos para em presários que ganharam com o aumento do ecoturismo nos anos 1990.
E o investimento em pagamento por serviços ambientais foi em sua maior parte para os pecuaristas, que detêm a maior fatiadasterras dopaís. Essasfazendas são as que têm a maior quantidade de florestas privadas cres-
cendo no país. Eles aderiram ao ver que ganhariam mais em não cortar do que ao cortar.
Desde 1996, quando foi criada a política de pagamento foram in vestidos US$ 400 milhões. Parte desse dinheirovemdeumimposto pelo uso da gasolina, que alimenta um fundo ambie ntal. A outra parte foi obtida com dois empréstimos do Banco Mundial.
O gasto anual é de cerca de US$ 35 milhões por ano, concedido principalmente para os pecuaristas. “Observou-se que com as taxas de crescimento das árvores nesta região do mundo, é possível compensar a emissão de metano pelafermentação entérica dos ruminantes com o plantio de uma árvore por animal por ano, em um ciclo de 13 a15 anos”, explica Sergio Abarca, especialista em mudanças climáticas do Ministério da Agricultura.
O princípio adotado há 16 anos na Costa Rica é o mesmo que é defendido nas negociações internacionais de se remunerar, por exemplo pormeio de umfundo internacional ou um mercado, os países que conseguirem evitar as emissões por perda de florestas. É o famoso Reed (redução das emissões por desmatamento e degradação). O tema, porém, continua aberto para as próximas reuniões. / G.G.
Decisão de não ter Exército liberou verba para ensino
Uma decisão tomada em 1949 pelo então presidente José Figueres pode ter plantado a semente que levaria ao desenvolvimento de uma postura mais pró-ambiente na Costa Rica. Naquele ano, ele decidiu acabar com o exército, o que teve um impacto no orçamento, sobrando mais dinheiro para investimentos em educação e saúde nos anos 1950 e 1960.
“A infraestrutura social avançou e acredito que isso tudo criou condições favoráveis para que a sociedade dos anos 1970 fosse talvez mais justa. Não era um mar de rosas, mas era mais equilibrada”, diz Mónica Araya. “Foi quando se começou a investir nos parques nacionais, o que era impensável em outros países da América Latina. Quando há fome é muito mais difícil falar em assuntos ambientais.” / G.G.