ESPAÇO ABERTO
11/03/2008
Xico Graziano
Como era a agricultura do Brasil em 1808? Há 200 anos, quando aqui aportou a família real, capengava a mineração. A economia colonial deslocava seu eixo dinâmico do Nordeste para o Centro-Sul. Um processo de renascimento agrícola.
Assim o denominou Caio Prado Júnior, economista e grande historiador. As primeiras descobertas de ouro em Minas Gerais se fizeram em 1696. Até então, predominara a economia açucareira do Nordeste. A fulgurante ascensão das minas, cujo auge ocorreu em 1750, amorteceu o latifúndio canavieiro.
Gigantesco foi o deslocamento da população rumo aos veios de Ouro Preto. Em poucas décadas, um quinto da população brasileira – 600 mil pessoas – povoava novo território. Junto migrava a mão-de-obra escrava. Nesse contexto, em 1763, a capital se transferiu de Salvador para o Rio de Janeiro.
Mas o ciclo da mineração exigia comida e isso despertou a produção local de alimentos. Começava, assim, a se formar a pequena agricultura, destinada ao mercado interno, espalhada do Sudeste ao Sul. Arroz, feijão, milho brotavam nos campos mais próximos. Dos pampas gaúchos chegava a carne charqueada. Animais de trabalho – cavalos, asininos e muares – se criavam para garantir o sucesso no transporte das jazidas.
Passado o apogeu, a crise de instalou no último quartel do século 18. Nesse mesmo período, a Revolução Industrial avançava na Europa. Entre tantas novidades, uma descoberta foi decisiva naquele momento da economia rural brasileira: a invenção, em 1787, do tear mecânico. A tecelagem da Inglaterra começava a demandar algodão. Sorte do Brasil.
Enfraquecido o mercado local, devido à decadência mineradora, surgiu excelente alternativa externa. Em pouco tempo, a cotonicultura se espalhou, ocupando terras e braços desde o Maranhão até Porto Alegre. O boom do algodão, todavia, foi curto. Quando Napoleão avançou sobre a Península Ibérica, o mercado mundial já havia declinado, influenciado pela volumosa produção norte-americana.
Em resumo, na virada do século 18 o Brasil enfraquecera o coronel do sertão. Por sua vez, restavam esfaceladas as Intendências das Minas Gerais, ávidas por arrecadar a ‘quinta’ do ouro. As ‘derramas’, que forçosamente arrecadavam tributos sobre a mineração, atritaram súditos com a Coroa. Tiradentes acabou enforcado em 1792.
Ao adentrar o novo século, a Colônia contava 3 milhões de habitantes, um terço dos quais constituído de escravos. Sem pólo econômico dominante, espalharam-se as atividades produtivas. A velha economia colonial cedia às novas forças do desenvolvimento. Nesse momento, dom João VI atracou no Rio de Janeiro, abrindo as cortinas da nova época.
Veja-se o caso da pecuária. Num primeiro momento, a criação tradicional, instalada no sertão nordestino durante o ciclo do açúcar, avançou para o Vale do São Francisco. Assentou-se na Bahia e, depois, ultrapassou o grande rio para ocupar o Piauí, transpôs o Parnaíba e invadiu o Maranhão. Mais tarde, porém, com a mineração, a pecuária se fortaleceria na Capitania do Rio Grande. Caio Prado informa que, em 1793, as estâncias gaúchas venderam 13 mil arrobas de charque. Uma década após, o volume alcançaria 600 mil arrobas. Um salto notável.
Essa fase de renascimento da agropecuária brasileira começou a questionar a escravidão. Do mundo exterior faiscava um estímulo aos abolicionistas. A Inglaterra, em 1807, encerrou o tráfico negreiro de suas colônias. Na diplomacia e nos mares, fortemente, os ingleses combatiam o vil comércio de braços. Uma luz contra a escuridão.
Iria demorar, no Brasil, até chegar à abolição. Mas, isso é importante, nas entranhas da nova economia que surgia, longe da antiga dominação nordestina, nascia, espalhado nas múltiplas atividades agropastoris, o germe da independência e da liberdade. Aqui entrou o café.
A economia cafeeira seria a grande sensação do século 18. Se quisesse, a família real poderia tomar um cafezinho logo ao chegar. Afinal, a cultura que, dentro em pouco, iria comandar a economia nacional havia sido introduzida no País em 1727. Porém, embora cultivada alhures, não assumira valor comercial. A riqueza do café adormecia, latente, como que aguardando a decadência da mineração. A ruína do ouro liberou a energia do café.
Em 1796, do Porto do Rio de Janeiro se exportaram, via Portugal, 8.495 arrobas da apreciada bebida. Tal quantidade subiria para 82.245 arrobas em 1806. Daí para a frente o crescimento foi extraordinário. Nas circunvizinhanças do Rio de Janeiro os cafeeiros encontraram boa situação de cultivo. Barões do café substituíam coronéis do açúcar.
Em 1815, quando o duque de Wellington derrotou Napoleão na famosa Batalha de Waterloo, as matas nativas da Tijuca estavam dizimadas. Esgotados os morros cariocas, pelo Vale do Paraíba os cafezais seguiram sua marcha vitoriosa. Em 1822, no Grito da Independência, a Província de São Paulo já liderava a produção. Crescia a nova burguesia paulista, associada aos negócios do café.
Era, todavia, apenas o começo de um grande ciclo econômico, bem testemunhado por dom Pedro II. O príncipe regente cresceu acompanhando a ‘onda verde’, que do Paraíba seguiu para Campinas, desbravou as terras roxas e rumou para Ribeirão Preto, capital mundial do ‘ouro verde’ no final do século 19. Cafezais na frente, ferrovia atrás. Com o Porto de Santos, São Paulo assumia a locomotiva do País.
A História, vista à distância, parece fácil. A família real, certamente, não tinha idéia desses acontecimentos. Nunca ninguém relatou, sequer, se apreciava café.
Xico Graziano, agrônomo, é secretário do Meio Ambiente
do Estado de São Paulo. E-mail: xico@xicograziano.com.br
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