CIÊNCIA
11/12/2009
País anunciou que vai ceder tecnologia de combate ao desmatamento. A ação tem apoio das Nações Unidas, que ontem fizeram um alerta sobre a influência das mudanças climáticas no aumento da fome
Cristiana Andrade
Enviada especial
COP-15
AGENDA DO MEIO AMBIENTE
CÚPULA DE PAÍSES TENTA SUPERAR IMPASSES PARA CUMPRIMENTO DE METAS CONTRA O AQUECIMENTO GLOBAL, DE 7 A 18 DE DEZEMBRO, EM COPENHAGUE
Copenhague — Um acordo fechado ontem entre o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) para monitoramento de florestas na Bacia do Congo (composta por 20 países equatoriais) coloca o Brasil numa posição privilegiada diante das negociações que ocorrem em Copenhague, na Dinamarca, durante a 15ª Conferência das Partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (COP-15). O país não vai cobrar por esse serviço, mas compartilhar a tecnologia com outras nações, um dos mecanismos de cooperação previstos no acordo que todos esperam assinar na próxima semana.
“Ao se oferecer para disponibilizar sua tecnologia, o país sai à frente, numa atitude totalmente proativa”, comentou o diretor-geral do Inpe, Gilberto Câmara. Para ele, a situação dos Estados Unidos ficou mais complicada, já que, por ser uma economia em desenvolvimento, o Brasil não tem obrigação de compartilhar tecnologia, ao contrário das nações ricas, que devem se comprometer com isso. “Foi uma atitude corajosa do Brasil”, elogiou.
O acordo entre o Brasil e a FAO ocorreu no mesmo dia em que a organização apresentou quatro modelos para garantir a segurança alimentar às populações famintas. Atualmente, cerca de 1 bilhão de pessoas no mundo vivem em situação de fome crônica, mas o tema está praticamente escondido nos debates, e não parece sensibilizar os negociadores mundiais que buscam um acordo sobre as mudanças climáticas e o corte de emissões dos gases de efeito estufa no planeta.
No cenário com alta segurança alimentar e alto sequestro do carbono, a proposta da FAO é recuperar áreas degradadas, expandir a irrigação que usa baixa energia, adotar opções agroflorestais para incrementar a produção de alimentos, incentivar o manejo de nutrientes no solo e fazer uma melhor administração dos resíduos, para aproveitá-los na própria lavoura. Além disso, a autora do estudo, a economista norte-americana Leslie Lipper, cita a rotação de culturas, como fundamental para o manejo adequado das terras.
“Num cenário de potencial baixo para a segurança alimentar, mas com altas chances de sequestrar o carbono, podemos trabalhar com o reflorestamento, a recuperação de solo degradado, a expansão da produção de biocombustíveis, opções agroflorestais para fomentarmos os benefícios de produção de alimentos no campo e uma série de outras ações. Há um projeto apoiado pelo Banco Mundial no Quênia, que está melhorando a produção de café, já afetada pela seca causada pelas mudanças climáticas. Ainda assim, há poucos projetos voltados para a agricultura, sob o ponto de vista da fome mundial”, diz a economista.
O terceiro cenário da FAO, que tem como modelo segurança alimentar alta, mas baixo sequestro de carbono, os países expandiriam a lavoura para áreas marginais, aumentariam a irrigação em larga escala e fariam crescer os sistemas mecanizados que usam intensa energia. No cenário em que ambos os itens são baixos, haveria poucas opções de rotatividade das lavouras, mantendo o cultivo de uma cultura única e aumento de área para pastagem.
A estimativa da FAO é que existam 9,1 bilhões de pessoas no mundo em 2050, e o percentual de famintos será proporcional ao crescimento da população. Recentemente, a organização fez um cálculo de que a agricultura em países em desenvolvimento precisará de investimentos da ordem de US$ 200 bilhões por ano para alimentar todo o mundo em 40 anos. O cálculo assume 11% de diminuição calórica per capita e a ameaça de insegurança alimentar de no mínimo a 4% das pessoas de todo o mundo. De acordo com o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU, o preço global usado hoje de US$ 20 por tonelada de carbono e gases equivalentes e a implantação de ações de mitigação na agricultura poderiam gerar anualmente negócios de US$ 30 bilhões.
A culpa é do boi
Um estudo divulgado ontem, e que será apresentado no próximo dia 12 em Copenhague, mostrou que a atividade é responsável por 50% das emissões brasileiras de gases de efeito estufa. A pesquisa, coordenada pela Universidade de Brasília, pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e pela organização Amigos da Terra, mostrou que, entre 2003 e 2008, a pecuária lançou na atmosfera entre 813 milhões de toneladas (valor do ano passado) e 1,090 gigatoneladas (o maior registrado, em 2004), nos biomas da Amazônia e do Cerrado.
Processo acelerado
O embaixador Luiz Alberto Figueiredo informou que hoje deve estar pronto o texto do grupo que negocia as chamadas Long terms actions (ações de longo prazo), previsto no Mapa de Bali, encontro ocorrido há dois anos na cidade indonésia. Nessas ações, estão importantes mecanismos de incentivo à redução nas emissões de gases causadores do efeito estufa para os países em desenvolvimento. Entre eles, o programa de redução de emissões por desmatamento e degradação (Redd), as ações de mitigação e adaptação e a criação dos fundos de investimentos.
“O texto sobre Redd está quase pronto, mas só ele não é suficiente. O que temos é a questão das florestas que estão sendo replantadas como forma de entrar no mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL). Estamos no fim da primeira semana de debates com muitos temas pendentes, mas todos os grupos estão em processo acelerado de produção de material, para que no fim da semana que vem a gente tenha algo concreto. Todas as nações desenvolvidas estão com dificuldade em falar desses investimentos”, disse.
Questionado se haveria uma discussão entre os grupos de negociadores para alterar o Protocolo de Kyoto ou fazer um novo documento, o embaixador foi categórico: “Kyoto é o único documento normativo que garante a estrutura de que países industrializados têm a obrigação de reduzir suas emissões de gases. Como os EUA não assinaram o protocolo, várias nações industrializadas querem abandonar Kyoto. Acho que seria um tiro no escuro e levaria mais tempo para novas discussões”. (CA)