Controle de preços derruba saldo da balança comercial

3 de novembro de 2014 | Sem comentários Análise de Mercado Mercado

O Estado de S. Paulo
02/11/14


Estudo mostra que represamento de preços administrados e desonerações, como a redução do IPI, reduzem o saldo desde 2011


Nem a crise econômica na Argentina nem a queda nos preços das commodities: o grande vilão para a redução no saldo da balança comercial brasileira desde 2011 foi, na realidade, a política de controle de preços praticada pelo governo Dilma Rousseff, via represamento de preços administrados e desonerações tributárias, como redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para automóveis e produtos da linha branca, entre outros.


“A depreciação nominal do câmbio não chegou aos preços”, diz o economista e ex-presidente do Banco Central, Affonso Celso Pastore. Em agosto de 2011, o dólar encerrou o mês cotado a R$ 1,5872. Na sexta-feira, a moeda americana fechou em R$ 2,4720. Segundo ele, essa desvalorização nominal do câmbio não gerou uma mudança nos preços relativos, permitindo ganhos de competitividade.


Em estudo intitulado “Consequências de uma Distorção na Medida de Câmbio Real”, elaborado pela consultoria do economista e assinado em conjunto com os colegas Maria Cristina Pinotti e Marcelo Gazzano, Pastore aponta que desde agosto de 2011 o câmbio real registrou valorização, e não desvalorização.


Isso porque os economistas da consultoria A.C. Pastore & Associados não levaram em conta a medida convencional de câmbio real habitualmente usada pelo BC – câmbio nominal multiplicado por um índice de preços internacionais e dividido pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) -, mas sim os preços relativos de bens tradables (comercializáveis) e non-tradables (não comercializáveis), refletido no coeficiente entre esses dois tipos de bens no âmbito do IPCA.


Pela medida convencional de câmbio real (medido em relação a uma cesta de moedas), houve uma desvalorização superior a 25% desde agosto de 2011, enquanto que, pelo coeficiente entre os bens comercializáveis (como produtos agrícolas) e não comercializáveis (como serviços), o câmbio real registrou, na realidade, uma valorização de 7% no mesmo período.


Competitividade. “Quando o câmbio se desvaloriza, diz-se que a competitividade do exportador aumenta, mas isso acontece desde que essa desvalorização seja repassada para os preços dos produtos”, argumenta Pastore. Pelo mesmo raciocínio, a desvalorização cambial afeta os preços dos produtos importados, tornando-os mais caros e menos competitivos em relação aos fabricados pelos produtores nacionais.


O estudo mostra que, historicamente, tanto a medida convencional de câmbio real quanto o coeficiente entre os preços de bens comercializáveis e não comercializáveis no IPCA sempre convergiram e foram ambos um bom termômetro para projetar o desempenho das exportações, importações e, consequentemente, o saldo da balança comercial. Ou seja, costumava haver uma elevada correlação positiva entre esse coeficiente e a desvalorização real do câmbio, levando o preço de bens comercializáveis a subir mais do que o de não comercializáveis quando a moeda brasileira se desvalorizava.


“Mas, a partir de 2011, com a política de controles de preços, houve uma divergência entre o que a medida convencional de câmbio real passa a prever para a balança comercial e o desempenho previsto pela outra medida”, explica Pastore.


Assim, em vez de as exportações e as importações terem reagido na mesma magnitude da desvalorização observada pela medida convencional de câmbio real, elas se mantiveram estáveis ao redor de US$ 20 bilhões por mês desde agosto de 2011, enquanto os saldos comerciais flutuaram ao redor de zero.


Depreciação. “Quando chegou em 2011, tentou-se produzir uma depreciação do câmbio real para aumentar a competitividade, mas ao segurar, por exemplo, o preço da energia elétrica e o reajuste da gasolina, você acabou afetando também o preço do álcool e de vários outros produtos. Ainda, a redução do IPI de automóveis, linha branca e linha marrom reduz diretamente os preços dos bens duráveis de consumo”, diz Pastore. “Cada depreciação cambial, por causa do controle de preços, não chegou aos preços, tampouco à inflação, mas o tal ganho de competitividade não chegou à indústria.”


Se a política de controle de preços não estivesse em vigor desde 2011, com o repasse livre da desvalorização nominal da moeda brasileira aos preços, Pastore estima que o saldo da balança comercial poderia estar ao redor de US$ 40 bilhões ao mês pela projeção da medida convencional de câmbio real.


“A grande maioria dos economistas já havia concluído que o controle de preços não é uma forma eficaz de combater a inflação e que leva a distorções”, afirma Pastore. “Apenas não havia, ainda, atentado para uma dessas distorções, que é a sua repercussão sobre os saldos comerciais.”


O corolário desse raciocínio, segundo Pastore, é que o “pass-through” (nível de repasse da desvalorização do câmbio aos preços) não ficou menor porque caiu a absorção da economia brasileira – “haja vista o déficit de conta corrente superior a US$ 83 bilhões em 12 meses” -, mas porque aumentou o grau de microgerenciamento do governo sobre os preços.

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