CaféPoint – Piracicaba/SP – HOME – 06/03/2015 – 17:40:05
Por Orlando Monteiro da Silva e José Luis Rufino
Muito tem sido discutido sobre a crescente importação de café em cápsulas e sobre a proibição da importação de café verde (que não passa pelo processo de torrefação), de diferentes origens, para a mistura com o produto doméstico e a produção interna das cápsulas de café [1,2]. Usualmente, as cápsulas contém uma mistura (blend) de cafés de qualidade embalados em doses únicas, de plástico ou alumínio e, que, são extraídos sob alta pressão, em máquinas apropriadas. Sua conveniência e praticidade, aliada à diversidade de aromas e sabores, proporcionados pelas misturas, tem despertado o interesse dos consumidores e gerado um aumento significativo na demanda, mundo afora e no Brasil, que é o segundo maior mercado consumidor de cafés.
Atualmente, algumas empresas nacionais já produzem as cápsulas, mas utilizam somente a mistura dos cafés produzidos internamente, o que, segundo representantes da indústria, limita a diversidade de aromas e sabores. A proibição da importação restringe a produção e eleva os custos pela redução da escala, penalizando os consumidores brasileiros pela elevação dos preços e, as possíveis exportações, pela perda de competitividade com as empresas de outros países, que podem importar o café verde das diversas origens. Essa tem sido uma das razões alegadas para o crescimento das importações de cápsulas, que, apesar de ter uma tarifa de 10%, atingiu, no ano de 2014, aproximadamente 450 milhões de unidades [3].
O setor industrial pede a liberação das importações de café verde [2], o que possibilitaria uma ampliação na escala de produção com redução de custos. Pede, também, a manutenção da tarifa de importação sobre o produto industrializado (café torrado e moído e, cápsulas), que se constitui em uma proteção ao setor contra a competição externa.
Os produtores brasileiros de café têm defendido a proibição da importação do café verde [5]. Temem que sejam generalizadas as importações dos grãos, principalmente de robusta, de países onde não existem os custos das nossas legislações trabalhista e ambiental e onde os impostos e os juros são menores, o que reduziria os preços internos e a receita com a atividade. Alegam, também, a possibilidade da introdução de doenças e pragas, inexistentes no país, com a importação do café verde.
Procurando contribuir para essa discussão, o objetivo desse artigo é fazer uso dos instrumentos econômicos tradicionais de oferta e demanda, para mostrar possíveis custos e benefícios da adoção de políticas alternativas no setor.
Considere a figura abaixo, que mostra o relacionamento entre as quantidades oferecidas, demandadas e importadas de cápsulas de café, em função do preço de mercado.
A primeira melhor opção seria uma situação de livre comércio, com prevalência da eficiência produtiva, mais opções de escolha para os consumidores e menores preços. Esse seria o caso representado pela curva de oferta sem distorções XS1, pela curva de demanda XD e pela curva de demanda de importação I1, traçada como uma linha horizontal, considerando que o Brasil seja um tomador de preço no mercado internacional de cápsulas de café. Nessas condições, o preço para o consumidor seria P1, menor que o preço de equilíbrio doméstico, a quantidade consumida internamente seria dada pela distancia OQ5, a quantidade aqui produzida seria OQ2 e a quantidade importada Q2Q5. A produção OQ2 é dita socialmente ótima porque o custo marginal da importação iguala o custo marginal da produção doméstica (Q2A).
Figura 1 Preços e quantidades no mercado brasileiro de café em cápsulas
Contudo, a curva de oferta interna que prevalece é a curva XS2, com a distorção da proibição da importação de café verde, mais elevada, indicando custos maiores para a produção interna das mesmas quantidades. Nessas condições o país estaria produzindo a quantidade OQ1 e importando uma quantidade maior, equivalente a distancia Q1Q5. A distorção (proibição na importação do café verde) faz com que a produção seja menor do que a ótima e o custo dessa distorção pode ser medido pela área CBA, que representa o custo adicional de importar a quantidade Q1Q2 sobre o custo de produzi-la internamente.
É esse custo mais alto e as importações maiores que tem levado os empresários que produzem cápsulas no Brasil a questionarem a proibição na importação do café verde e pedido a manutenção da tarifa sobre a importação das cápsulas.
Os produtores de café, por sua vez, querem manter a proibição, pois alegam não ter garantias de que a indústria vai continuar comprando deles o café verde. Há, também, o temor de que a liberação possa servir para a importação de outros cafés de preços baixos, decorrentes das imperfeições de mercado e da legislação ambiental e trabalhista menos exigente em alguns países, o que penalizaria a produção brasileira.
São esses argumentos conflitantes que têm perpetuado as várias distorções no mercado interno de café, tais como proteções aduaneiras, subsídios, legislações diferentes, etc, e a introdução de mais uma distorção talvez possa melhorar o bem estar geral da sociedade.
Assim, uma segunda melhor opção seria adotar uma tarifa pequena sobre as cápsulas importadas, o que aumentaria o bem-estar nacional, aumentando a produção interna, sem sacrificar os consumidores. Uma tarifa de tamanho igual a P1P2, por exemplo, aumentaria a produção de OQ1 para OQ3, reduzindo o custo da distorção doméstica de CBA para FEA. Contudo, a adoção de uma tarifa grande (P1P3), por sua vez, aumentaria a produção para OQ4, com um custo marginal da produção interna (Q4J) que excederia o custo marginal da importação (Q4H). Nesse caso, o custo total da distorção (AJH) seria maior do que o custo alternativo da distorção interna.
A discussão passa a ser, então, se a tarifa cobrada pelo país, de 10%, nas importações de cápsulas de café, é pequena ou grande? Na hipótese de que ela seja grande (a vinda de empresas multinacionais para produzir cápsulas aqui pode ser um indicador), uma redução no seu valor, baixaria os preços para os consumidores, aumentando a quantidade demandada de cápsulas e, consequentemente, a demanda por todos os tipos de cafés. A competição seria maior e aí sim, a liberação das importações de café verde seria importante, pois ajudaria a reduzir custos, preços e importações de cápsulas, ao deslocar a oferta XS2 na direção de XS1.
Conclui-se que, o consumidor brasileiro será o principal beneficiário pela abertura de importação para café em cápsula. No entanto, a cafeicultura deverá ter uma parcela de benefícios, principalmente, pelo aumento da demanda dos cafés de qualidade superior. Os conflitos de interesse entre os agentes do setor podem ser amenizados com a exigência de certificado sanitário ou do tipo de produto a ser importado e pela adoção do sistema de drawback, dentre outras devem ser discutidas.
[1] ANDRADE, Lívia. Fábrica da Nestlé reacende polêmica sobre importação de café no Brasil. Globo Rural. 22/12/2014
[2] SATO, Takamitsu. Desoneração do imposto de importação para café em cápsulas. Revista do Café. Pag. 42-43, Junho de 2014.
[3] ZAFALON, Mauro. Apesar de fábrica, cápsulas de café ainda enfrentam barreiras. Vaivém das Commodities, Caderno Mercado. Folha de São Paulo. 18/12/2014
[4] SAES, Sylvia; VARELLA, Bruno. País precisa ampliar a exportação de café torrado e moído. Artigo da Folha de São Paulo, adaptado pela Equipe CaféPoint e postado em 21/06/2011.
[5] BUREAU DA INTELIGÊNCIA COMPETITIVA DO CAFÉ. Introdução ao Mercado de Café em Dose Única. 18 p. Lavras, MG. Agosto de 2012.
[6] BUREAU DA INTELIGÊNCIA COMPETITIVA DO CAFÉ. DELTA Cafés: Exemplo para a produção café em cápsulas no Brasil. 18 p. Lavras, MG. Setembro de 2012.