Contra volatilidade, Nestlé eleva compras diretas de agricultores

Por: Valor Ecpnômico

21/08/2012
 
Contra volatilidade, Nestlé eleva compras diretas de agricultores
 
 
Por Assis Moreira | De Vevey (Suíça)


A Nestlé, maior empresa do mundo do setor de alimentos, gastou US$ 22 bilhões em compras de matérias-primas agrícolas no ano passado. Sozinha, adquire 10% da produção global de café e 12% da produção de cacau, além de ser uma das maiores compradoras mundiais de leite, com uma fatia de cerca de 2%.


E essas compras agrícolas são crescentes. Hans Joehr, chefe global de agricultura da multinacional suíça, diz que o incremento tem sido de 5% a 6% por ano, enquanto a volatilidade de preços pode chegar a 40% ou 60% em determinados períodos.


Apesar da nova onda de alta de preços internacionais de commodities, impulsionada pela seca nos EUA, Joehr não parece inquieto. Para ele, a Nestlé pode atravessar melhor a flutuação graças às compras diretas que faz junto a 700 mil produtores em 52 países e a 165 mil companhias fornecedoras.


Alem disso, os lucros de Nestlé vêm cada vez mais de países emergentes, que estão em expansão. E 46% das fábricas do grupo estão localizadas nesses mercados, 74% das quais em zonas rurais e próximas dos produtores.


Outro detalhe importante diz respeito ao repasse de preços aos consumidores. De janeiro a junho, a Nestlé obteve lucro líquido global de 5,1 bilhões de francos (US$ 5,2 bilhões), 8,9% mais que no mesmo período de 2011. O crescimento orgânico, que ilustra o dinamismo real do grupo, aumentou 6,6%, dos quais 3.7 pontos foram resultado de alta de preços, com repasse do aumento do custo de matérias-primas ao consumidor. A empresa informou que a alta de custo de matérias-primas significou 50 pontos base a mais no custo dos produtos vendidos.


Segundo Joehr, a Nestlé procura eliminar intermediários e comprar cada vez mais diretamente do produtor, especialmente commodities como café, leite, verduras, cereais e frutas. Outra parte, como açúcar, carne, óleo e temperos, é adquirida sobretudo por meio de traders.


O plano de Nestlé é elevar de 12% para 20% suas compras diretas de café. O grupo se abastece muito no Brasil, maior produtor mundial, mas adquire bons volumes de café robusta no Vietnã. Joehr conta que a Nestlé introduziu a produção de café na China. A produção está em 40 mil toneladas, das quais o grupo adquire perto da metade.


No caso do cacau, são mais de 350 mil toneladas por ano, mas a maior parte das aquisições passa por traders, porque o grupo já compra produto pré-processado na forma de pó, manteiga ou licor. Isso se explica também porque o consumo de chocolate está basicamente fora das regiões produtoras.


No Brasil, a empresa adquire diretamente do produtor quase 100% do leite fresco que necessita. Em vários outros mercados, tem que importar o leite em pó. A China, depois da crise da melamina em 2007, passou a investir fortemente na produção e deverá reduzir o volume de suas importações.


O milho, que teve aumento de preço de até 65% nas últimas sete semanas por causa da severa estiagem nos EUA, é outro produto que a Nestlé compra bastante, para usar especialmente em rações para animais de companhia.


Na África, mais de 85% de todos os ingredientes dos produtos finais são comprados localmente ou pelo menos no próprio continente africano.


“Trabalhamos sempre com o produtor na melhora da produtividade, em inovação e na qualidade”, afirma o executivo. “Isso tem uma influência muito grande para mitigar o efeito da volatilidade de preços e temos vantagem também de reduzir os custo de transação”.


“Podemos pegar no radar o que está acontecendo no mercado e imediatamente agir no volume de compras”, acrescenta Joehr. “O preço é variável, mas sabemos o custo do produtor. A especulação pode ser abafada no mercado interno, onde a estrutura de preço é completamente diferente da cotação de commodities negociadas nas bolsas de Londres, Chicago ou Nova York”.


Para o executivo, a questão central não é o preço, mas a margem que o produtor recebe. “É isso que o pessoal do ‘fair trade’ das ONGs não entende. O importante é garantir uma margem ao produtor, mesmo nos tempos ruins para ele”.


Ele lembra do caso do leite em 2007-2008. A tonelada passou de US$ 3 mil para US$ 5,2 mil, e a fatura aumentou para US$ 7 bilhões num ano. Para Joehr, o custo poderia ter sido maior em algumas centenas de milhões de dólares se o grupo não tivesse a estratégia de ligação direta com os produtores.


“Mas quando o preço do leite junto ao produtor ficou abaixo do preço no mercado e não era interessante para nós, continuamos oferecendo uma margem para ele permanecer no negócio e continuar sendo nosso fornecedor no longo prazo”, acrescenta. “Na China, agricultores que não eram fornecedores da Nestlé venderam as vacas para os açougues e isso resultou numa alta muito grande no mercado por falta de leite”.


Nesse contexto, a Nestlé informa que investe milhões de dólares por ano em treinamento de agricultores. No ano passado, 200 mil foram treinados para melhorar a qualidade ou aumentar o rendimento de seus produtos.


Mais do que a volatilidade, é a redução do número de agricultores que assusta o chefe global de agricultura da Nestlé, ainda mais quando as projeções apontam um aumento de 2 bilhões de pessoas no mundo e, com isso, a necessidade de ampliar a produção agrícola mundial em 70% até 2050.


“Estamos muito inquietos sobre a próxima geração de agricultores no Brasil, Europa, Japão, EUA, porque não é mais atrativo estar na agricultura. Ninguém quer trabalhar na agricultura. A escassez de trabalhadores agrícolas é grande inclusive no Brasil, que quer ser o celeiro do mundo”.


A Nestlé diz que quer estimular um novo modelo de agricultura, um meio termo entre as grandes fazendas comerciais do Brasil e os pequenos agricultores, para atrair a futura geração de produtores com uma boa renda rural. “O que não dá é a miséria de produtores de cacau em alguns países. Não é sustentável”.


Existe um claro temor de que produtos como o cacau sejam escassos no futuro, na medida em que outros mercados passem a consumir mais chocolate, por exemplo. “Quando os chineses e os indianos começarem a comprar chocolate, onde vamos encontrar cacau, e de qualidade?”, indaga Joehr. Por isso, a Nestlé lançou um projeto de estimulo à produção, que inclui o Brasil e começa com a distribuição de mudas e garantia de compra.


O grupo suíço espera menos pressão dos custos de matérias-primas no segundo semestre.

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Contra volatilidade, Nestlé eleva compras diretas de agricultores


Por Assis Moreira | De Vevey (Suíça)

A Nestlé, maior empresa do  mundo do setor de alimentos, gastou US$ 22 bilhões em compras de matérias-primas agrícolas no ano passado. Sozinha, adquire 10% da produção global de café e 12% da produção de cacau, além de ser uma das maiores compradoras mundiais de leite, com uma fatia de cerca de 2%.

E essas compras agrícolas são crescentes. Hans Joehr, chefe global de agricultura da multinacional suíça, diz que o incremento tem sido de 5% a 6% por ano, enquanto a volatilidade de preços pode chegar a 40% ou 60% em determinados períodos.

Apesar da nova onda de alta de preços internacionais de commodities, impulsionada pela seca nos EUA, Joehr não parece inquieto. Para ele, a Nestlé pode atravessar melhor a flutuação graças às compras diretas que faz junto a 700 mil produtores em 52 países e a 165 mil companhias fornecedoras.Alem disso, os lucros de Nestlé vêm cada vez mais de países emergentes, que estão em expansão. E 46% das fábricas do grupo estão localizadas nesses
mercados, 74% das quais em zonas rurais e próximas dos produtores.

Outro detalhe importante diz respeito ao repasse de preços aos consumidores. De janeiro a junho, a Nestlé obteve lucro líquido global de 5,1 bilhões de francos (US$ 5,2 bilhões), 8,9% mais que no mesmo período de 2011. O crescimento orgânico, que ilustra o dinamismo real do grupo, aumentou 6,6%, dos quais 3.7 pontos foram resultado de alta de preços, com repasse do aumento do custo de matérias-primas ao consumidor. A empresa informou que a alta de custo de matérias-primas significou 50 pontos base a mais no custo dos produtos
vendidos.

Segundo Joehr, a Nestlé procura eliminar intermediários e comprar cada vez mais diretamente do produtor, especialmente commodities como café, leite, verduras, cereais e frutas. Outra parte, como açúcar, carne, óleo e temperos, é adquirida sobretudo por meio de traders.

O plano de Nestlé é elevar de 12% para 20% suas compras diretas de café. O grupo se abastece muito no Brasil, maior produtor mundial, mas adquire bons volumes de café robusta no Vietnã. Joehr conta que a Nestlé introduziu a produção de café na China. A produção está em 40 mil toneladas, das quais o grupo adquire perto da metade.

No caso do cacau, são mais de 350 mil toneladas por ano, mas a maior parte das aquisições passa por traders, porque o grupo já compra produto pré-processado na forma de pó, manteiga ou licor. Isso se explica também porque o consumo de chocolate está basicamente fora das regiões produtoras.

No Brasil, a empresa adquire diretamente do produtor quase 100% do leite fresco que necessita. Em vários outros mercados, tem que importar o leite em pó. A China, depois da crise da melamina em 2007, passou a investir fortemente na produção e deverá reduzir o volume de suas importações.

O milho, que teve aumento de preço de até 65% nas últimas sete semanas por causa da severa estiagem nos EUA, é outro produto que a Nestlé compra bastante, para usar especialmente em rações para animais de companhia.

Na África, mais de 85% de todos os ingredientes dos produtos finais são comprados localmente ou pelo menos no próprio continente africano.

“Trabalhamos sempre com o produtor na melhora da produtividade, em inovação e na qualidade”, afirma o executivo. “Isso tem uma influência muito grande para mitigar o efeito da volatilidade de preços e temos vantagem também de reduzir os custo de transação”.

“Podemos pegar no radar o que está acontecendo no mercado e imediatamente agir no volume de compras”, acrescenta Joehr. “O preço é variável, mas sabemos o custo do produtor. A especulação pode ser abafada no mercado interno, onde a estrutura de preço é completamente diferente da cotação de commodities negociadas nas bolsas de Londres, Chicago ou Nova York”. Para o executivo, a questão central não é o preço, mas a margem que o produtor  recebe. “É isso que o pessoal do ‘fair trade’ das ONGs não entende. O importante é garantir uma margem ao produtor, mesmo nos tempos ruins para ele”.

Ele lembra do caso do leite em 2007-2008. A tonelada passou de US$ 3 mil para US$ 5,2 mil, e a fatura aumentou para US$ 7 bilhões num ano. Para Joehr, o custo poderia ter sido maior em algumas centenas de milhões de dólares se o grupo não tivesse a estratégia de ligação direta com os produtores.

“Mas quando o preço do leite junto ao produtor ficou abaixo do preço no mercado e não era interessante para nós, continuamos oferecendo uma margem para ele permanecer no negócio e continuar sendo nosso fornecedor no longo prazo”, acrescenta. “Na China, agricultores que não eram fornecedores da Nestlé venderam as vacas para os açougues e isso resultou numa alta muito grande no mercado por falta de leite”.

Nesse contexto, a Nestlé informa que investe milhões de dólares por ano em treinamento de agricultores. No ano passado, 200 mil foram treinados para melhorar a qualidade ou aumentar o rendimento de seus produtos.

Mais do que a volatilidade, é a redução do número de agricultores que assusta o chefe global de agricultura da Nestlé, ainda mais quando as projeções apontam um aumento de 2 bilhões de pessoas no mundo e, com isso, a necessidade de ampliar a produção agrícola mundial em 70% até 2050.

“Estamos muito inquietos sobre a próxima geração de agricultores no Brasil, Europa, Japão, EUA, porque não é mais atrativo estar na agricultura. Ninguém quer trabalhar na agricultura. A escassez de trabalhadores agrícolas é grande inclusive no Brasil, que quer ser o celeiro do mundo”.

A Nestlé diz que quer estimular um novo modelo de agricultura, um meio termo entre as grandes fazendas comerciais do Brasil e os pequenos agricultores, para atrair a futura geração de produtores com uma boa renda rural. “O que não dá é a miséria de produtores de cacau em alguns países. Não é sustentável”.

Existe um claro temor de que produtos como o cacau sejam escassos no futuro, na medida em que outros mercados passem a consumir mais chocolate,  por exemplo. “Quando os chineses e os indianos começarem a comprar chocolate, onde vamos encontrar cacau, e de qualidade?”, indaga Joehr. Por isso, a Nestlé lançou um projeto de estimulo à produção, que inclui o Brasil e começa com a distribuição de mudas e garantia de compra.

O grupo suíço espera menos pressão dos custos de matérias-primas no segundo semestre.

Fonte: Valor Econômico 21/08/12

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