Consumo da classe média está polarizado

22 de maio de 2006 | Sem comentários Cafeteria Consumo
Por: Valor Econômico



The Economist
22/05/2006



“Mais do bom. Por menos.” É o que proclama a nova campanha publicitária da Whole Foods Market, um grupo varejista de produtos orgânicos de muito sucesso, que até agora não havia mostrado nenhum interesse em ser visto como uma proposta mais em conta.

De fato, a empresa recebeu o apelido de “Whole Paycheck Market” (“Mercado do Salário Inteiro”, em uma tradução livre). Mas os novos anúncios, lançados em Nova York, chamam cuidadosamente a atenção para uma produção própria com uma marca que soa frugal: “365 Everyday Value” (algo como “preços bons o ano inteiro”).

No mês passado, a Mars uma grande companhia do setor de alimentos – dona das marcas premium de rações para animais de estimação Whiskas e Pedigree -, concordou em comprar a Doane Pet Care Enterprises, a maior fornecedora de rações para animais de estimação de marca própria da gigante Wal-Mart. Dias antes, a Martha Stewart Living Omnimedia anunciou um acordo para a venda de uma nova “Coleção Martha Stewart” exclusivamente para a rede varejista K-Mart, que opera junto a um público mais popular.

Cada uma dessas companhias está tentando lucrar com o que no momento são, indiscutivelmente, as duas mais notáveis tendências entre as crescentes fileiras de consumidores de classe média de todas as partes do mundo – tendências que, à primeira vista, parecem entrar em choque uma com a outra. Estas são as tendências dos consumidores de se mostrarem mais atentos aos custos; mas ao mesmo tempo desejosos de gastar dinheiro com itens de luxo.

De um modo geral, até a década de 1990, as escolhas de compra tendiam a refletir o poder de compra. Os ricos compravam itens caros e respondiam pela maior parte das vendas dos artigos de luxo. Os pobres tendiam a comprar coisas baratas e de baixa qualidade. E a classe média ficava no chamado mid-market (mercado intermediário).

Hoje, porém, os consumidores de classe média de todas as partes do mundo não se contentam mais em ficar restritos à mediocridade. Ao invés disso, esses consumidores, que ganham entre US$ 50 mil e US$ 150 mil por ano, estão “comprando para cima e para baixo”, ao mesmo tempo. Esta mudança é descrita com muitos detalhes em “Treasure Hunt: Inside de Mind of the New Consumer”, o novo livro de Michael Silverstein e John Butman.

No livro anterior, “Trading Up”, Silvestein havia explorado um lado da mudança: o fenômeno da classe média ocasionalmente se regalar com luxos que outrora ela tinha como inatingíveis. “Treasure Hunt” trata do outro lado dessa mesma moeda, a popularidade do que os americanos chamam de “trade down” – comprar bens básicos por preços baixos para, no mínimo, gerar economias que poderão ser usadas na compra ocasional de um artigo de luxo.

As vendas no topo e na base do mercado de consumo estão crescendo rapidamente, enquanto as vendas estão sendo duramente espremidas na faixa intermediária do mercado, embora esta ainda seja o seu maior segmento nos países ricos.

As chamadas vendas “trade up” – aqueles em que o consumidor de classe média paga um ágio de 50% a 200% sobre alternativas de preços intermediários – ficaram em cerca de US$ 300 bilhões nos Estados Unidos em 2002, e estão hoje ao redor de US$ 500 bilhões (de um total de gastos do consumidor de US$ 3,7 trilhões).

Isso é parecido na Europa, onde o “trade up” também está na moda. O mercado de “trade down”, no qual a classe média paga menos do que no mercado intermediário, é muito maior, ao redor de US$ 1 trilhão nos EUA segundo cálculos de Silverstein, em comparação a US$ 700 bilhões três anos atrás. Essa tendência também é forte no Japão e Europa, especialmente na Alemanha.




Os consumidores estão mais atentos aos custos; mas ao mesmo tempo querem gastar dinheiro com itens de luxo




Mas o “trade down” é na verdade um termo enganoso. Um dos motivos pela qual esta mudança está ocorrendo é que os grupos varejistas de descontos melhoraram a qualidade dos seus produtos. Um segundo acontecimento é o rápido aumento da transparência nos mercados consumidores, graças à internet, segundo observa Don Tapscott, autor de “The Naked Corporation”.

Quando as comparações de preços no Froogle estão a apenas um clic, isso se torna um sinal de sofisticação para se obter o melhor preço. Fazer uma compra proporciona status.

Mas nem todo mundo acha que isso é uma coisa boa. Os americanos em particular “se tornaram viciados em pechinchas, o que os está levando a fazer coisas irracionais”, afirma Kate Newlin, autora de um outro livro recém-lançado, “Shopportunity! How to be a Retail Revolutionary”.

Uma das conseqüências é que as pessoas compram muitas coisas das quais não precisam – um pacote com 600 bolachas, um vidro enorme de pickles – principalmente porque elas aparentam ser uma barganha. Com tantas coisas indesejadas, sempre compradas no cartão de crédito, não surpreende que a indústria de recipientes seja uma das que mais cresce hoje em dia, afirma Kate Newlin.

Para as empresas que vêm fazendo dinheiro fornecendo produtos para o mercado intermediário, os tempos estão ficando mais difíceis. Pelo menos um dos problemas da General Motors, um arquétipo de empresa que produz para esse segmento, deriva do fato de que entre 1994 e 2004 o segmento trading-up do mercado de automóveis cresceu 8 pontos percentuais, o segmento trading-down cresceu 4 pontos e essa faixa intermediário encolheu 12%.

Nesse mercado bifurcado, as empresas que estão no meio precisam mover-se para cima ou para baixo no mercado, afirma Silverstein. Ele lamenta que essas companhias normalmente optam pelos cortes de custos, ao invés de assumirem o risco de desenvolver novos produtos para o consumidor trade up. Com freqüência o corte de custos é ineficiente, uma vez que reduz também a qualidade, enquanto que entrar no segmento trade up pode criar oportunidades.

A Kraft, dona de várias marcas de queijos e outras marcas do mercado intermediário, como o café Maxwell House, é um bom exemplo de empresa que preferiu ficar no mercado intermediário. Poucos anos atrás, acreditando que o mercado de cafés estava em uma curva de queda de longo prazo, ela deixou passar a oportunidade de trade up, mais tarde aproveitada pela Starbucks – um dos surpreendentes praticantes da arte de tirar dinheiro de consumidores mal acostumados.

Algumas empresas arrojadas estão tentando atingir os dois mercados, de trade up e trade down, de uma só vez, o que seria impensável quando os consumidores nunca saíam da faixa de preços que suas rendas permitiam. É isso o que está por trás da entrada de Martha Stewart no mercado de luxo da Macy´s, e do esquema da Whole Foods Market de recorrer à faixa mais barata, avalia Silverstein.

Mas nenhuma das abordagens é direta. As opiniões diferem sobre o valor de se criar o “luxo disponível” da marca Martha Stewart em uma loja de departamentos. As negociações para o lançamento da coleção na Sears, uma rede de lojas de departamentos que divide um dono com a K-Mart, foram rompidas no começo de abril, aparentemente porque Eddie Lampert, o investidor de fundo de investimento que é o acionista controlador, não achou interessante a iniciativa de Martha Stewart.

Quanto à Whole Foods, seu novo foco no valor poderá ser uma resposta defensiva à decisão da Wal-Mart de parar de vender produtos orgânicos a preços apenas 10% acima de suas alternativas não-orgânicas. Talvez a Whole Foods possa ser atacada de baixo, como a Tesco atacou a Sainsbury – um grupo varejista britânico com um slogan muito parecido, “Good Food Costs Less” (algo como, “A Boa Comida Custa Menos”).

Companhias que ficam presas no mercado intermediário podem estar condenadas. Mas com as empresas que estão se movendo para o segmento trade up se chocando com as que estão se movendo para o segmento trade down, algumas delas também poderão ficar pelo caminho.


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