SYLVIA SAES
PAULA SCHNAIDER
ESPECIAL PARA A FOLHA DE sÃO PAULO
Pesquisas realizadas com consumidores de café apontam que, mais do que a qualidade do produto, a consistência da qualidade é um fator essencial na decisão de compra.
O consumidor quer adquirir um café que mantenha as mesmas características em compras recorrentes, o que explica a importância da marca.
Essa decisão ocorre em razão de o café ser um bem de experiência: ao comprar, é impossível avaliar as características intrínsecas do produto, o que ocorre apenas no ato de consumo.
Se a consistência é um fator importante, uma curiosidade é saber se as empresas processadoras mantêm seus \”blends\” (misturas) estáveis ou se elas priorizam a conjuntura da oferta de café verde, ou seja, o preço, na confecção de seu produto.
Essa indagação é pertinente quando se observa forte mudança na composição da oferta das três principais qualidades de café verde nos últimos anos: robusta, arábica suave e arábica natural.
A taxa de crescimento do café robusta supera a do arábica, especialmente na última década. Esse crescimento é impulsionado pela inserção do Vietnã, que se tornou o segundo maior produtor e exportador do produto, com 17% do mercado, ante participação insignificante no início da década de 1990. No que diz respeito ao arábica suave, a Colômbia, tradicionalmente o segundo maior produtor mundial, ocupa agora a terceira posição -11% do mercado-, apresentando taxas de crescimento praticamente constantes, segundo a Organização Mundial do Café (OIC). Será então que as processadoras se valem dessa nova organização do mercado para compor \”blends\” de seu produto com cafés de preços inferiores? Ou, refazendo a pergunta, será que as empresas, de uma forma geral, não são fiéis a seus \”blends\”? Para responder a essas indagações, realizou-se um estudo com dados mensais fornecidos pela OIC, relativos aos preços dos cafés arábica colombiano, arábica brasileiro e robusta, entre janeiro de 2002 e novembro de 2010.
Por meio de análises estatísticas, concluiu-se que as processadoras adotam estratégia de mudanças na composição do \”blend\” conforme as variações nos preços de cada espécie de café.
Isso significa que, apesar de os consumidores valorizarem a consistência do produto, as firmas adotam práticas destinadas à maximização do lucro, como o uso de matéria-prima de menor custo.
Desse modo, e considerando que as empresas não querem perder consumidores, um importante questionamento emerge: será que os fabricantes conseguem variar o \”blend\” sem que o consumidor perceba de forma sistemática essa variação? Ou, ainda, será que as novas técnicas de processamento (vaporização, aromatização) permitem o uso de distintas espécies de café sem alterar (ou alterando pouco) o aroma e o sabor do \”blend\” de forma perceptível ao consumidor?
Se tal lógica está correta, as estratégias que possibilitam aos produtores maior controle sobre o valor de seu produto contribuiriam para a manutenção do padrão de qualidade.
Aliadas às ações de aproximação com o consumidor, que permitem que este reconheça a importância dos atributos da matéria-prima, o desenvolvimento dessas estratégias evitaria que o produtor se tornasse refém do processo industrial, que muda conforme a oferta.
SYLVIA SAES é professora do Departamento de Administração da FEA-USP; PAULA SCHNAIDER é mestranda pela FEA-USP.