Comunidade rural mantém tradições japonesas em SP

Por: Folha de São Paulo

COTIDIANO – História do Café
21/10/2007 
 

61 japoneses abdicam de dinheiro, conforto e casa própria em nome do coletivo. Associação de Yuba produz quase 60% do que consome: frutas, verduras e até o shoyo, indispensável na milenar culinária japonesa
 
ROBERTO DE OLIVEIRA
DA REVISTA DA FOLHA
Existe um lugar onde o Brasil faz fronteira com o Japão, no interior de São Paulo. Uma placa na saída da rodovia Marechal Rondon avisa: “Associação Comunidade Yuba”. Cerca de 400 m de pista de terra e lá está ela. À primeira vista, parece uma simples fazenda nos arredores de Mirandópolis (cerca de 600 km da capital paulista).


Às vésperas do centenário da imigração japonesa no país, a comunidade preserva os costumes milenares e um jeito peculiar de tocar a vida no campo.


Às 18h, uma senhora sai da cozinha, solta palavras incompreensíveis e saca um berrante para avisar a todos do jantar. Os trabalhadores vão chegando da roça e sentam-se em longos bancos do refeitório. Lembra uma grande família. Um minuto de silêncio antes de comer. Agradecem a Deus, a Jesus, mas há espaço para Buda.


Ao lado dos talheres, hashis, aqueles pauzinhos. Não se ouve só uma palavra em português. A língua oficial é o japonês, como é visto no cardápio. Não há refrigerante, só chá gelado.


À noite, o refeitório, repleto de ideogramas, vira uma sala de coral e piano. A poucos passos dali, a música clássica embala aulas de balé. Na casa ao lado, um agricultor marcado pelo sol toca trompete, enquanto a vizinha, ainda cheirando a alho, pinta um quadro.


Na biblioteca, adolescentes se debruçam sobre os livros na aula de japonês. As crianças só são alfabetizadas em português após os seis anos -pegam ônibus até as escolas da região.


O português entra em cena quando a comunidade recebe brasileiros ou nos momentos de piada entre os mais jovens. “Fica mais engraçado. Em japonês, tira a graça. É uma língua séria demais”, acha Naeko Yuba, 42. De dia, ela colhe goiabas, à noite, solta o gogó no coral.


Yuba mantém os traços da herança oriental trazida pelo fundador, Isamu Yuba (1906-1976), em 1935. Nenhum de seus 61 moradores goza de regalias ou privilégios. Nem mesmo o presidente da associação.


É livre a escolha do trabalho. Os moradores exercem seus ofícios em rodízio para garantir que todos façam de tudo. Só contratam gente de fora na época mais intensa da colheita.


Detalhes curiosos: ninguém tem salário e não há transações locais com dinheiro. Se alguém precisa de um par novo de tênis para jogar beisebol, o esporte favorito da comunidade, leva o assunto à administração.


Shoyo feito em casa
Para manter a comunidade, há um gasto mensal, de R$ 10 mil a R$ 15 mil, para telefone, energia, comida e manutenção do maquinário. Compram-se produtos como arroz, feijão, óleo, sabonete e café.


Cerca de 60% do que se consome é feito lá: frutas, verduras e até mesmo o shoyo. Há um poço artesiano para abastecer a comunidade -e o ofurô.


Yuba é uma comunidade, mas, no papel, se transforma em uma associação, com diretoria eleita pelos moradores. O quadro administrativo surgiu para controlar a entrada de recursos, obtidos com a venda de frutas e legumes, e os gastos.


“Temos todo interesse no lucro e estamos lucrando. Só que o dinheiro ainda só dá para pagar contas”, diz o presidente da associação, Tsuneo Yuba, 53. Às vésperas da mudança, em 2003, Yuba, a fazenda, quase foi à segunda falência.


Os administradores alteraram a estratégia de venda. Antes, os alimentos passavam por atravessadores, agora, vão direto para os pontos-de-venda, como supermercados.


Se a dificuldade financeira está sendo superada, Yuba enfrenta outro obstáculo no caminho: o futuro. “Acho natural que a comunidade, um dia, acabe. Esse tipo de sociedade praticamente não existe mais num mundo capitalista como o de hoje”, acha Tsuneo.


Gaijin
A sobrevivência está nas mãos dos jovens. Mas há um empecilho na hora de gerar novas famílias: a maioria tem algum grau de parentesco entre si. Cerca de 30% são da família Yuba (em japonês, lugar do arco). E nem todos se vêem trocando alianças com um gaijin (estrangeiro). “Os rapazes da cidade são desinteressantes e infantis”, acha Mie Yuba, 19.


Seu irmão, Daigo, 23, diz não se importar se a garota for japonesa ou brasileira, mas faz questão de frisar: “Os japoneses ajudam uns aos outros e valorizam sua cultura. Para mim, isso é muito importante”.
 
 


 

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