Há alguns poucos anos atrás, a primeira impressão de muitos profissionais de ensino, pesquisa e extensão ao se depararem com o termo “café orgânico” era de pura ironia e perplexidade, que refletiam a grande carga de preconceito a respeito desse assunto. Porém, atualmente a produção de “café legitimamente orgânico”, vem crescendo em todo o Brasil, se firmando como uma tendência necessária, e irreversível!
28/04/06
[n]Vanessa Cristina de Almeida Theodoro [/n](Pesquisadora da Ufla)
Os fatores responsáveis por esse novo direcionamento, são a grande demanda dos mercados nacional e internacional por produtos orgânicos e a conscientização mundial da importância da preservação do meio ambiente associada à valorização social do trabalhador rural. O segmento de café orgânico vem apresentando um crescimento anual de 18% comparado com os 8% ou 9% para o restante do mercado de café especial, segundo o Environment Committee of the Specialty Coffee Association of America. (Gazeta Mercantil, 08/09/99).
O Brasil tem condições de oferecer quantidades expressivas de cafés de qualidade e com garantias de origem no mercado internacional, atendendo às exigências do consumidor final. O mercado interno também apresenta grande potencial para o consumo de cafés diferenciados, pois atualmente os valores são muito pequenos diante de um mercado consumidor de 12 milhões de sacas.
Algumas empresas brasileiras adotaram como principal estratégia concorrencial, a segmentação do mercado à procura do abastecimento com produto de qualidade peculiar. O hábito de consumo de café no Brasil vem apresentando modificações, refletindo a crescente preferência por cafés finos, tipo exportação. Os consumidores, aos poucos, estão descobrindo a qualidade do café especial gourmet. Chegou ao mercado o primeiro café orgânico brasileiro produzido pela empresa Cazzola Chierighini Alimentos sediada em Itu-SP A marca é “Greenpace Orgânico by Café Ituano”, o primeiro do mundo a ser licenciado pela ONG ambientalista Greenpeace. A indústria Bom Dia Café, localizada em Varginha/MG, também está investindo no mercado interno brasileiro com a linha “Bom Dia Gourmet” composta por cafés finos de grãos 100% arábica, entre eles o “Bom Dia Gourmet Orgânico”, possuindo o certificado ISO9002 de Controle de Qualidade Internacional e o selo da Associação de Agricultura Orgânica/SP.
O primeiro passo a ser dado pelo cafeicultor que quer produzir organicamente, é a filiação a uma instituição não-governamental reconhecida pelo Ministério da Agricultura e do Abastecimento, como a Associação de Agricultura Orgânica (A.A.O./SP) ou o Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento Rural (IBD/Botucatu/SP). A seguir, ele deverá solicitar uma visita de certificação, visando iniciar o processo de conversão para a agricultura orgânica. De acordo com a Instrução Normativa nº71 7/05/99, publicada no Diário Oficial nº 9419/05/99, (primeira norma que trata deste assunto no Brasil), o período mínimo para a conversão de culturas perenes, é de 18 meses, que será contado a partir da data da visita de certificação. O produtor passa a ter direito ao uso do selo de garantia, atendidas certas exigências, que incluem obviamente a obediência às normas de produção da instituição certificadora, vistorias, avaliações e contrato entre as partes.
Na agricultura orgânica o manejo do solo, utiliza multas práticas adotadas na agricultura convencional, apresentando uma grande diferença em relação a esta, devido à consciência de que se trabalha em condições tropicais de solo e clima, sendo aconselhado o uso preferencial de implementos escarificadores e subsoladores, práticas de cultivo mínimo e plantio direto. Torna-se imprescindível o manejo da cobertura do solo o maior tempo possível, evitando sua exposição à luz solar e chuvas fortes, retardando o processo de degradação do solo.
É recomendado ao cafeicultor o plantio de variedades resistentes à ferrugem, como o lcatu, Catucaí, Obatã e Tupi, visando diminuir a utilização de insumos para controle dessa doença. O espaçamento ideal para o cafeeiro orgânico é aquele que permita o crescimento de plantas espontâneas nas entrelinhas do cafeeiro, bem como o plantio de adubos verdes, espécies nativas, frutíferas, que estimulam a biodiversidade vegetal do agroecossistema cafeeiro. É possível que, a longo prazo, as normas de produção vegetal das certificadoras do Brasil, evoluam no sentido de se exigir um espaçamento mínimo para o plantio de café orgânico, que apresente viabilidade econômica e ambiental; bem como a arborização das lavouras.
O café orgânico é produzido sem a utilização de agrotóxicos e adubos químicos de alta solubilidade, que são substituídos por subprodutos da reciclagem da matéria orgânica vegetal e animal. Esses insumos possuem diferentes composições como biofertilizantes que funcionam como fertiprotetores, as caldas bordalesa e sulfocálcica como fitoprotetores, compostos orgânicos, rochas moídas e/ou parcialmente solubilizadas, cinzas, tortas e farinhas, sendo utilizados de formas diversas pelos produtores, incrementando as propriedades físicas, químicas e biológicas do solo. Vale ressaltar que, na agricultura orgânica, não existem fórmulas milagrosas, e sim tecnologias adaptadas à realidade edafoclimática de cada região produtora. Por isso, é interessante para o produtor iniciante visitar propriedades já certificadas, e que já comercializam o café orgânico, pois assim ele terá uma visão global do agronegócio.
Na cafeicultura orgânica, os materiais vegetais utilizados no processo de compostagem são aqueles de maior abundância na propriedade, destacando-se os capins (napiê, gordura, jaraguá, etc), a casca de café, as palhas (de milho, café, arroz, feijão, banana, etc) de relação C/N alta. Os materiais utilizados como inoculantes com uma baixa relação C/N, são os estercos principalmente os de galinha e de gado, sendo obrigatória sua compostagem quando adquiridos de propriedades convencionais, para posterior utilização na lavoura. A busca de alternativas de fontes de matéria orgânica eficientes no processo de compostagem é uma necessidade de estudo constante, bem como a eficiência de suas formas de aplicação ao solo associada ao custo operacional de cada prática.
Uma das principais fontes de K para lavouras orgânicas, é a casca de café e as cinzas vegetais, utilizadas “in natura” ou compostadas com estercos de galinha ou de vaca. É tolerada a aplicação esporádica de produtos de solubilidade e concentração médias, principalmente nos sistemas orgânicos em início de operação, como o sulfato de potássio e o superfosfato simples, desde que seja comprovada a sua necessidade por análise de solo. A aplicação desses produtos deve ser solicitada previamente à certificadora e aprovada antes da sua utilização, sendo obrigatória a sua mistura à matéria orgânica.
Propriedades agrícolas e empresas para serem reconhecidas como “legitimamente orgânicas”, devem ter como meta os aspectos sociais e os princípios da dignidade humana. Todos os funcionários e suas famílias devem ter acesso à água potável, alimento, educação, transporte e serviços sanitários. O salário deve ser, pelo menos, o mínimo estipulado pelo governo e as garantias sociais e a seguridade social devem ser plenas, de acordo com legislação vigente no país. Os pequenos produtores devem ter garantia, de participar da negociação e da venda de seus produtos.
A opção pelo café orgânico deve ser bem pensada e estudada com cautela, para não haver decepção. O cafeicultor deverá incorporar uma série de princípios para ser considerado um produtor orgânico. O objetivo é a integração dá produção vegetal e animal, recursos naturais e o homem, aplicando-se o conceito de organismo agrícola. Para o Brasil, é uma ótima oportunidade para melhorar sua imagem no mercado internacional e para que, em algumas regiões, o café volte a ocupar parte da área de terras nobres, incentivando a agricultura familiar.