Por Hélio Casale
Engenheiro Agrônomo
Já na antiguidade, o filósofo grego Aristóteles afirmava que as plantas são seres vivos que têm a boca invertida, pois comiam pelas raízes escondidas no solo. Partindo-se desta premissa, qual seja, sendo as raízes a boca das plantas, quanto maior seu número, maior será o aproveitamento da água e dos minerais exigidos para o seu respectivo crescimento, desenvolvimento e produção, sejam eles provenientes do próprio solo, ou fornecidos por adubações rotineiras.
Uma das tarefas dos profissionais de agronomia é promover a maior e melhor relação possível entre o sistema radicular e a planta como um todo, visando otimizar o aproveitamento dos fertilizantes e corretivos e dar às plantas um “estado” de vigor tal, que iniba o desenvolvimento de organismos indesejáveis, deformadores das plantas, sendo certo que, para controlá-los, é sabido que os custos dos defensivos e da aplicação dos mesmos são elevados e nem sempre se consegue os benefícios desejados.
Com efeito, para alimentar qualquer planta cítrica, não basta escolher o melhor fertilizante, o melhor corretivo. Impõe-se, sobretudo, criar condições para que, quando aplicados, passem à solução do solo e, então, via raízes, às plantas, em quantidades suficientes e adequadas, através de um processo onde as perdas sejam as menores possíveis. Como as perdas mais comuns dos nutrientes ocorrem por erosão, lixiviação, fixação e volatilização, há necessidade de monitoramento constante tanto do solo, como da planta, fazendo-se os devidos ajustes nas adubações, de tal sorte que os produtos aplicados levem às maiores colheitas, refletindo estas os menores desequilíbrios e perdas. Uma tarefa e tanto.
Aumentar a eficácia dos fertilizantes, reduzir perdas por qualquer causa, aumentar colheita, minimizar gastos, traduzem tarefas afeitas aos profissionais da área de agronomia que, por ofício, estão aptos a circunstanciar todas as etapas do desenvolvimento da cultura. Venho reiterando este argumento e praticando nesse sentido há mais de trinta anos, dado ter definido a seguinte regra de vida para o meu próprio trabalho e o de meus assistidos – “medir, medir, medir, para produzir economicamente sem poluir, sem destruir”. A eficácia dessa máxima, aparentemente singela, não é nada fácil, porém possível, desde que se leve a sério, por certo, o trabalho do dia-a-dia. Os bons resultados se multiplicam, bem como a satisfações agronômica e econômica dos envolvidos.
Focando ao título, “Como fazer raízes, mais raízes”, alguns pontos principais devem ser levados em conta, tais como: a matéria orgânica no solo, o teor de cálcio e magnésio, o teor de fósforo e o teor de boro.
MATÉRIA ORGÂNICA (MO)- todos sabem o quanto é importante, mas, poucos citricultores “ainda” estão se preocupando com o nível de matéria orgânica dos seus pomares, o que pode ser comprovado pelo grande número de pomares gradeados, com o solo totalmente exposto aos efeitos do sol e das chuvas, um verdadeiro crime contra a natureza.
Desta feita, importante ressaltar o papel da Matéria Orgânica no solo, suas vantagens e desvantagens, destacando-se como principais vantagens:
1 . Aumenta a produção;
2 . Reduz o custeio anual;
3 . Eleva a capacidade de retenção do potássio, cálcio e magnésio;
4 . Facilita a liberação lenta do nitrogênio, fósforo, enxofre, boro e da água para as plantas;
5 . Melhora a disponibilidade de micronutrientes, pela formação de quelados;
6 . Aumenta a capacidade de retenção de água no solo;
7 . Ameniza as variações de temperatura do solo, facilitando o desenvolvimento do sistema radicular;
8 . Favorece o desenvolvimento da vida microbiana do solo;
9 . Limita, pela liberação de ácidos graxos por ocasião de sua decomposição, a multiplicação de nematóides indesejáveis;
10 . Eleva a capacidade tampão do solo;
11 . Permite reduzir a acidez do solo e conseqüentemente as doses anuais de calcário;
12 . Contribui para diminuir as doses anuais de herbicidas;
13 . Facilita a decomposição mais rápida dos defensivos que atingiram o solo;
14 . Controla eficazmente a erosão, viabilizando o conceito de “solo parado”, ou seja, erosão mínima;
15 . Forma um colchão, uma verdadeira almofada, de maneira a reduzir a compactação superficial do solo provocada pelo trânsito de máquinas e equipamentos;
16 . Aumenta o sistema radicular, maximizando a eficácia dos fertilizantes em cerca de 20 a 25%.
Enumeradas as principais vantagens, estas se mostram suficientes para demonstrar a indispensabilidade de se trabalhar sempre pela elevação do teor de MO no solo, adubando e manejando matos, a ponto de deixar o solo sempre coberto, de forma a se obter os benefícios elencados acima. Em síntese, gerar MO no próprio pomar, sem necessidade de se trazer qualquer material externo para tanto, cujo custo seria muito mais elevado e, por vezes, impraticável.
As desvantagens também devem ser consideradas, pois podem causar prejuízos incalculáveis, se não bem manejadas, nos seus pontos fracos principais, que são:
1 . Aumento do risco de fogo, tanto na seca como nas águas, sendo importante o estabelecimento de corta fogo em pontos estratégicos, mantendo-os vivos o tempo todo;
2 . Aumento do efeito de geadas ocasionais. Para evitar essa desvantagem é importante identificar os pontos mais geentos da propriedade e desativar o colchão no período crítico.
Por sua vez, para a elucidação do ponto constante no item l1, acima, no sentido de que “a MO permite reduzir a acidez do solo e, conseqüentemente, as doses anuais de calcário”, oportuno se faz destacar matéria de autoria do Prof. E. Malavolta, da ESALQ-USP, o qual assim coloca a questão:
“Como a matéria Orgânica pode reduzir a acidez do solo.
Isso não é novidade, já se sabe há muitos anos. No Brasil foram feitos vários trabalhos e o que mostram é o seguinte: a matéria orgânica, quando se decompõe, libera ácidos orgânicos do mesmo modo que as raízes das plantas ao fazer exsudação de diversos ácidos orgânicos. Esses ácidos complexam o alumínio. Quando complexado o alumínio, que era tóxico, deixa de ser tóxico. Não se pode esquecer que é da hidrólise desse alumínio que aparecem os íons H que são os responsáveis pelo abaixamento do pH. Com isso, uma das causas da acidez fica controlada.
Além disso, os ácidos orgânicos se combinam com o cálcio, dando sais de cálcio solúveis, parecidos com aquilo que acontece quando se aplica o gesso. O gesso, CaSO4, tem carga zero e parte dele pode desce no perfil do solo. Esses sais de ácidos orgânicos com cálcio também têm carga zero e podem descer. Então, a matéria orgânica vai fazer o papel parecido com o do gesso.
Em profundidade, esses sais de cálcio vão se dissociar devido à presença de água, ficando de um lado o ácido orgânico e do outro o cálcio e esse cálcio vai fazer parte da CTC, onde predominam cargas negativas, visto que o cálcio tem carga positiva.
Em resumo, isso é o que se chama calagem sem calcário.
Assim, mais matéria orgânica no solo, significa, em princípio, menor necessidade de calcário. Isso, desde que, essa matéria orgânica forneça os ácidos orgânicos que são capazes de complexar o alumínio e o cálcio. Conforme o resto de cultura ou, o tipo de mato a manejar, pode-se formar maiores ou menores quantidades desses ácidos orgânicos. Não é qualquer ácido orgânico que vai complexar o alumínio e o cálcio. De um modo geral esse fenômeno ocorre e, dependendo do resto vegetal, o efeito vai ser maior ou, menor, mas sempre existirá.
Poderá haver a confusão seguinte: ácidos orgânicos por dissociação vão produzir H, e esses H vão contribuir para que o V% diminua. Então, aqueles que não sabem disso, poderão se preocupar com o V% baixo provocado pelos H (acidez inócua). Mas, V% baixo provocado por H é muito menos prejudicial, em relação ao V% provocado pelo Al (acidez nociva). Isso deve ser levado em conta quando se faz o cálculo da calagem onde se fixa um determinado V% de 50, 60, 70, como desejado na fórmula para o cálculo da calagem.
É preciso experiência do técnico para saber até onde se deve usar a calagem.”
Além da MO, outro dado importante para aumentar o sistema radicular é ter no solo um nível adequado de cálcio, fósforo e boro.
O cálcio pode ser fornecido pela calagem ou pela gessagem. Esta última prática, a gessagem, é uma das melhores opções que o citricultor tem para colocar o cálcio do calcário em profundidade, pois, não é demais lembrar que calcário superficial não é calagem A dosagem do gesso agrícola é questão controversa, porém os resultados práticos são inquestionáveis. Nem pouco, nem muito, apenas o suficiente. Aí entra um pouco de prática, um pouco de química e a grande vontade de acertar.
No cálculo da gessagem, deve-se levar em conta os resultados de análise de solo no horizonte de 20 a 40 cm, assim como a análise de folhas, pois, mais importante que a quantidade que se colocou de gesso no solo, é o quanto de cálcio e enxofre foi efetivamente foi absorvido pelas plantas.
Quanto ao fósforo é indispensável sua presença na solução do solo para o bom desenvolvimento do sistema radicular. Comumente, para avaliá-lo, analisa-se o solo no horizonte de 0 a 20 cm. Todavia, na prática, essa profundidade tem revelado resultados pouco coerentes, ocorrendo situações de pouco fósforo no solo e fósforo adequado nas folhas. Pergunta-se: de onde vem esse fósforo? Ora, como o fósforo é um nutriente praticamente imóvel no solo, ele é estático, as raízes é que são dinâmicas o mais indicado seria amostrar apenas 0 a 10 cm, pois, em pomares adultos, como não se enterra o fósforo, ele está bem próximo da superfície. É nessa região que as raízes vão achá-lo, se houver boas condições de manejo na sub copa. Muitos de nossos pomares já tem fósforo em excesso o que não é conveniente nem pelo lado técnico nem pelo econômico.
E o boro? Ah, o boro!!! É sabido que o boro, um micronutriente essencial, se movimenta, e bem, no perfil do solo, e como nossos solos vêm sendo trabalhados desde muitos anos, o empobrecimento em boro é natural. Deve-se lembrar, ainda, que o boro é absorvido pela coifa, ponta das raízes, e quando o teor está abaixo do adequado, as raízes têm o crescimento reduzido e em alguns casos, até paralisado. Assim, a necessidade de boro disponível no solo é uma evidência: tem boro, tem raízes; não tem boro, poucas raízes, e nessas situações é comum se falar em seca para justificar o fraco desenvolvimento das plantas, queda de folhas, pequena produção.
Como fonte de boro para as adubações de solo, destaca-se a Ulexita, um mineral natural que contém cerca de 10% de B, sendo 7,5% solúvel em água. No mercado, para facilitar a aplicação direta,ou a mistura nos fertilizantes NK ou NPK, ela é apresentada na forma granulada, usando-se o ácido sulfúrico como agente solubilizador e granulador.
Em síntese: para se ter um pomar com mais raízes sadias e conseqüentemente mais produção, deve-se atentar para os seguintes pontos principais:
1 . A partir do 4° ano de idade das plantas, adubar em área total, ou seja, acabar com a adubação localizada, racista, através da qual alimenta-se apenas as raízes que estão próximas ou debaixo das saias. Adubar os matos é estimular o crescimento de massa verde que, depois de manejada adequadamente, transforma-se em massa seca, que, ao se decompor, fornece lentamente nutrientes às plantas além de melhorar as propriedades físicas e hídricas do solo;
2 . Manter o solo sempre coberto de matos mortos, semimortos ou roçado, lembrando que os citros são plantas de “ cabeça quente e pé gelado” ;
3 . Monitorar as adubações com análises de solo e de folhas, periodicamente;
4 . Fazer calagem com calcário calcítico, magnesiano ou dolomítico para atender a necessidade do solo e da planta, sempre baseado em análises de solo e de folhas;
4. Balancear os nutrientes no solo e na planta, de maneira a respeitar as relações entre nutrientes, para reduzir os riscos de invasão de patógenos de qualquer espécie;
5 . Mais análises e menos “ acho que”.