Commodities internacionais e o emprego na agricultura

6 de março de 2006 | Sem comentários Mais Café Opinião
Por: Valor








Setor rural empregou mais, mas não de forma homogênea
Por José Graziano da Silva e Otavio Valentim Balsadi
Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2004, recentemente divulgados, mostraram que no período 2001-2004 foram criados cerca de 450 mil novos empregos na agricultura brasileira, um crescimento de mais de 10%. Também melhorou o grau de formalidade do emprego: em 2001, 28% dos empregados tinham carteira assinada, valor que subiu para 32%, em 2004. Ou seja, aproximadamente um em cada três empregados agrícolas tem hoje carteira assinada. Isso representou um aumento de 320 mil empregos formais (ou 27%).

O crescimento do número de empregados ocorreu em todas as regiões, sendo os maiores aumentos relativos nas regiões Sul e Nordeste (13%). Quanto ao grau de formalidade, os maiores aumentos ocorreram nas regiões Norte (102%) e Nordeste (37%). A maior participação de empregados com carteira assinada, em 2004, era na região Sudeste, com 46%, seguida pelo Centro-Oeste, com 39%.

Outro dado positivo é o ganho real verificado no rendimento médio mensal de todas as categorias dos empregados no período: 6% para os permanentes urbanos; 4% para os permanentes rurais; 12% para os temporários urbanos; e 12% para os temporários rurais, que apesar desse ganho ainda recebem menos da metade do que recebem os permanentes urbanos. Também melhorou o nível educacional dos empregados na agricultura nacional, especialmente com a maior participação dos alfabetizados e daqueles com oito anos ou mais de estudo. Em 2004, entre os empregados permanentes com residência urbana, 78% eram alfabetizados e 13% tinham oito anos ou mais de estudo.

Esses importantes avanços observados no mundo do trabalho da agricultura brasileira não foram homogêneos para todas as categorias de empregados e culturas. No período 2001-2004, as principais commodities internacionais propiciaram melhores condições de trabalho, especialmente para os seus empregados permanentes. Como exemplos ilustrativos desse forte contraste na qualidade do emprego na agricultura, podem ser citados alguns dados para as culturas da soja e da mandioca.

Entre 2001 e 2004, houve aumento real de 41% no rendimento médio mensal dos empregados permanentes urbanos ocupados na cultura da soja, cujo valor era R$ 735 (preços reais de setembro de 2005). Ainda no tocante ao rendimento, em 2004, 91% desses empregados recebiam mais de um salário mínimo por mês. No nível educacional, os destaques positivos foram o grande aumento da participação dos empregados alfabetizados (de 75%, em 2001, para 93%, em 2004) e o crescimento dos empregados com oito ou mais anos de estudo (de 5%, em 2001, para 15%, em 2004). Quanto ao grau de formalidade, houve aumento de 59%, em 2001, para 63%, em 2004, na participação dos empregados com registro em carteira e contribuição para a Previdência.

No outro extremo, os empregados temporários rurais ocupados na cultura da mandioca, apesar do ganho real de 17% no período, registraram, em 2004, um valor de apenas R$ 150 (valores reais de setembro de 2005) no rendimento médio mensal. Apenas 3% deles recebiam mais de um salário mínimo por mês. Nesse ano, a PNAD não captou nenhum empregado temporário rural com registro em carteira na cultura da mandioca. Quanto ao nível educacional, 55% desses trabalhadores eram alfabetizados e apenas 1% tinham oito anos ou mais de estudo.

No grau de formalidade do emprego, também como exemplo dos contrastes na agricultura brasileira, chama a atenção o elevadíssimo percentual de empregados com carteira assinada e com contribuição previdenciária na cultura da cana-de-açúcar, sendo essa atividade uma das com maior nível de formalidade do emprego, em todas as categorias de empregados (permanentes e temporários, urbanos e rurais). Segundo dados da PNAD, cerca de um terço dos empregados na agricultura brasileira tinham carteira assinada em 2004. Para os empregados permanentes urbanos ocupados na cultura da cana-de-açúcar, esse valor foi de 93%. Para os permanentes rurais, temporários urbanos e temporários rurais, os valores foram, respectivamente: 65%, 67% e 40%. Ou seja, os temporários rurais ocupados na cana-de-açúcar têm um nível de formalidade maior do que a média da agricultura nacional. Nos auxílios recebidos, merece destaque a importância do auxílio saúde (19%, em 2004), outro diferenciador da cana-de-açúcar em relação às demais culturas.

Para finalizar, vale a pena citar que, entre os empregados temporários com melhor qualidade do emprego, o destaque fica para aqueles ocupados nas culturas do café e da cana-de-açúcar, para os quais são muito relevantes os avanços obtidos nas lutas dos trabalhadores por contratos de trabalho mais dignos.

Na cultura do café, ocorreu aumento dos empregados temporários com carteira assinada e com contribuição previdenciária. Entre os urbanos, os valores para esses indicadores passaram de 14%, em 2001, para 33%, em 2004. Já para os rurais, os valores foram de 4%, em 2001, e 13%, em 2004. Com relação aos rendimentos, houve tanto aumento da participação dos empregados que recebiam mais de um salário mínimo por mês como ganho real nos rendimentos médios mensais: 13% para os temporários urbanos e 15% para os temporários rurais.

Na cultura da cana-de-açúcar, os empregados temporários com residência urbana têm indicadores das condições de emprego muito próximos (e alguns até melhores) dos empregados permanentes rurais. Em 2004, 67% dos temporários urbanos tinham registro em carteira, 53% deles recebiam mais de um salário mínimo por mês, 76% eram alfabetizados, e o rendimento médio mensal dessa categoria era de R$ 394 (valores reais de setembro de 2005), bem acima do valor registrado para os empregados temporários ocupados em outras culturas.

Em função dos contrastes expostos, há um grande desafio para a melhoria nas condições de emprego dos empregados temporários agrícolas, especialmente aqueles residentes em áreas rurais. Os mercados de trabalho mais estruturados e a organização e lutas dos trabalhadores por contratos mais adequados são fatores fundamentais para a melhoria dos indicadores da qualidade do emprego verificados em duas das nossas principais commodities internacionais, a cana e o café.

José Graziano da Silva é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp e assessor especial da Presidência da República.

Otavio Valentim Balsadi é pesquisador da Embrapa e doutorando em Economia Aplicada no Instituto de Economia da Unicamp.

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