Um dos vilões de nossa inflação, da inflação na China, na Índia, na Rússia, é a elevação do preço das commodities. Commodities são materiais básicos, como soja, trigo, milho, café, carne bovina, metais básicos, metais preciosos, minérios, petróleo, gás natural, celulose, etc. A razão disto é um desequilíbrio estrutural entre a demanda e a oferta de tais produtos, causado principalmente pelas elevadas taxas de crescimento das economias emergentes.
Quando um país emergente cresce, a demanda por tais materiais sobe bastante. As populações começam a mudar sua dieta e aumentam consumo de grãos e proteínas. As empresas e os governos começam a investir em infra-estrutura e construção civil, o que eleva consumo de metais e dos minérios utilizados em sua fabricação. Com mais indústrias, há um consumo maior de energia, o que eleva preços do petróleo e do gás. Com renda maior, as pessoas compram mais carros, o que eleva consumo de combustíveis fósseis.
As economias emergentes vêm crescendo a mais de 6% AA no seu conjunto. Isto tem elevado o consumo de commodities no planeta todo.
Com este desequilíbrio de oferta e demanda por commodities, os estoques comerciais e industriais de tais produtos se reduzem, o que expõe o mercado a altas agudas quando há qualquer chance de algum problema temporário de suprimento, seja por causa de fenômenos climáticos adversos ou por causa de uma crise geopolítica (como a que estamos assistindo no oriente médio). Para piorar, seja por questões ambientais, de dificuldade com logística e até mesmo por falta engenheiros, há uma alta no custo de produção de várias commodities como energia e minérios. Isto encarece ainda mais tais produtos básicos. Como já mencionei, questões climáticas como frio extremo, secas, inundações, têm cortado o suprimento de algumas destas commodities, o que, num mercado onde demanda não para de crescer, acaba levando a alta de preços.
As economias desenvolvidas não são tão intensivas no consumo de commodities, uma vez que sua população já atingiu um padrão de renda onde o consumo marginal é alocado para bens de consumo duráveis e, principalmente, serviços. Além disto, as indústrias nestes países usam mais sucata como matéria prima, pois há uma infra existente de coleta e distribuição de sucata, uma vez que há nestas economias um processo de renovação do parque industrial e não de formação de parque industrial, como nos países emergentes. A crise de 2008 afetou principalmente as economias mais desenvolvidas. A demanda por commodities naqueles países caiu, o que ajudou a equilibrar momentaneamente a oferta com a demanda. Contudo, tais economias começam a se recuperar, o que tende a elevar consumo destes produtos, em particular das commodities de energia.
Os juros globais baixos mantidos após crise de 2008 servem como estímulo para mais uma fonte de demanda de commodities: a especulação. Investidores globais com medo de uma aceleração da inflação em função dos juros baixos e dos enormes déficits fiscais dos países desenvolvidos, acreditam que seus investimentos em renda fixa possam perder seu valor real. Com isto, uma maneira de se proteger é aumentar alocação dos investimentos em commodities. Existem fundos listados nas principais bolsas do mundo onde é possível que investidores comuns comprem ações destes fundos que investem exclusivamente commodities, desde que elas sejam negociadas em bolsas de futuros. O fluxo de investimento em tais fundos tem subido bastante nos últimos anos pois eles servem como certa proteção ao investidor para o caso da inflação sair do controle. Porém há sim um certo caráter especulativo nestes investimentos por parte de Hedge Funds e de bancos internacionais. Seria esta a próxima bolha a expl odir? Um questão para guardar na cabeça….
O impacto da alta destes preços na inflação é indireto, pois tais itens são insumos básicos para vários produtos que consumimos. Seus preços são cotados em bolsas lá fora (em sua maioria) e com isto os industriais tendem a remarcar o custo de seus produtos sempre que o preço das commodities que lhes servem de insumo suba. Nas economias desenvolvidas, como a população tem padrões de consumo diferentes daqueles encontrados nas economias emergentes, o impacto nos preços é menor. Contudo, como o nível de alavancagem em tais economias desenvolvidas é maior, o principal impacto desta alta de preços das commodities se dá na demanda por outros produtos. Com a alta de preços das commodities, em particular do preço da energia, há uma perda de renda por parte da sociedade, pois as pessoas terão que gastar mais com gasolina, transporte e com o aquecimento de suas casas. Logo, sobra menos grana para se gastar em outros produtos e serviços, o que acaba servindo de freio a atividade econ ômica naqueles países, reduzindo assim o risco de contágio da alta do preço da energia nos outros preços na economia.
Já nos países em desenvolvimento, com elevadas taxas de crescimento e pouca capacidade ociosa como é nosso caso, o efeito mais preocupante num primeiro momento se dá na propagação desta alta de preços para outros serviços e produtos, não ligados ao consumo de commodities. Os empresários percebem na demanda crescente e na elevação das expectativas de inflação uma oportunidade para subir seus preços, mesmo daqueles produtos e serviços que não tenham commodities como insumo básico. O mesmo se aplica aos trabalhadores em suas negociações salariais. Com o desemprego em queda, há espaço para pedir aumentos salariais acima da inflação, como medida preventiva contra uma provável aceleração da inflação no futuro. Isto acaba elevando o custo de produção ainda mais. Este processo leva a um ciclo vicioso de alto de preços e salários, o que força uma ação mais firme do BC no combate a inflação. No caso brasileiro há ainda um efeito perverso, pois, como somos grandes produtores de commodities, a renda interna aumenta quando há elevação nos preços das commodities no mercado internacional. Não sofremos assim do efeito atenuador da demanda interna que existe nas economias desenvolvidas mencionado anteriormente. Lá a demanda interna cai quando commodities sobem de preço. Aqui acontece exatamente o oposto.
Há muito pouco o que fazer para reduzir o preço das commodities a não ser esperar que seus preços elevados aumentem a taxa de retorno dos empresários que investem no setor e assim aumentem sues investimento na produção destes produtos, aumentando a sua oferta. E nos casos onde o suprimento é limitado por questões naturais de escassez ou ambientais, teremos que conviver com preços elevados das commodities até que se encontrem produtos ou materiais substitutos.
Porém cabe ao BC evitar que tais preços contagiem os outros preços da economia, através de uma política monetária e creditícia mais restritiva, que sinalize a todos nós que inflação futura voltará para o centro da meta e que, portanto, não é preciso aumentar preços e salários de forma preventiva.