Comércio Justo mostra seus frutos

Por: 02/05/2007 10:05:56 - Tierramerica

O comércio justo se afirma como opção para milhares de produtores pobres da Guatemala que fogem das distorções do mercado internacional.


GUATEMALA, 30 de abril (IPS/IFEJ).- As condições de vida e trabalho de milhares de pequenos produtores guatemaltecos melhoraram com o comércio justo, que estabelece novas regras de jogo e de mercado. “Antes, tínhamos muita necessidade. A Associação ajudou nosso povo a exportar produtos e em capacitação”, disse Francisco Ijón, auxiliar de Comercialização da Associação Chajulense, entidade que adotou os critérios do comércio justo para 1,8 mil cafeicultores das ocidentais regiões indígenas de Quiche e Huehuetenango, onde a pobreza reina.


Certificada pela Fairtrade Labelling Organizations International (FLO), a Associação exporta café para a Europa e os Estados Unidos e começou a diversificar sua produção com a oferta de mel e cardamomo. No ano passado, exportou 675 toneladas de café orgânico, cultivado sem produtos agroquímicos. Segundo dados oficiais, 56% dos 12,7 milhões de habitantes da Guatemala vivem na pobreza e oito em cada dez pobres estão em áreas rurais. Embora o setor agrícola gere 75% dos empregos, representa apenas 23% do produto interno bruto.


As regras do comércio justo são diferentes das que regem o intercâmbio internacional atual e das que proclamam os defensores do livre comércio. A FLO outorga o selo de comércio justo Fairtrade após fiscalizar, por parte das organizações de produtores, o cumprimento de uma série de critérios, como pagamento de salário digno e condições de trabalho saudáveis, respeito ao meio ambiente, erradicação do trabalho infantil, igualdade de gênero e reinvestimento no desenvolvimento das comunidades. Um de seus benefícios foi aproximar o transporte motorizado dos cafezais: o trabalho era duro até os anos 90, quando “os produtores que não tinham mulas carregavam o café nas próprias costas e tinham de caminhar muito. Agora, os veículos chegam até metade do caminho”, disse Ijón.


Vinte e três organizações da Guatemala exportam com o selo Fairtrade, a maioria pequenos produtores de café e, em menor medida, de mel. É assegurado um preço mínimo que cobre os custos de produção, aspecto primordial para a depreciada cafeicultura centro-americana: US$ 1,26 por libra (450 gramas) de café tradicional certificado e US$ 1,41 para as variedades orgânicas. A esse preço acrescenta-se um pagamento adicional (US$ 0,05 por libra para o café tradicional e US$ 0,10 para o orgânico) destinado ao desenvolvimento das organizações, seus membros e comunidades, explica Verônica Pérez, encarregada local de Comunicação da FLO, que falou ao Terramérica.


O salário mínimo mensal é de US$ 178 na atividade agrícola e US$ 183 em outros setores. Os produtores da Associação Chajulense cobram cerca de US$ 90 por quintal (43,3 quilos) e entregam entre dez e 25 a cada mês, disse Ijón. “O comércio justo abriu o mercado aos pequenos produtores, algo que não ocorre com o convencional”, destaca Baltazar Francisco Miguel, gerente-geral da Associação Barrillense de Agricultores, integrada por 580 cafeicultores orgânicos de Huehuetenango e Quiche, que exportam para Canadá, Europa, Japão e Estados Unidos.


Segundo Miguel, seus associados podem conseguir entre 25% e 100% mais renda do que no mercado convencional, e, além disso, recebem créditos dos compradores, algo muito difícil de obter nos bancos privados do país. “Os pequenos produtores querem uma compensação por seu trabalho. As pessoas são humildes, pobres e analfabetas, mas produzem algo que se chama café e querem ganhar para viver decentemente”, ressalta Gerardo Alberto de Leon, gerente da Federação de Cooperativas de café da Guatemala (Fedecocagua), com mais de 20 mil membros no país, 65% deles praticando o comércio justo. Esta Federação foi a primeira organização que, em 1973, exportou café na dinâmica do comércio justo, para Holanda e Alemanha. Na Guatemala, Belize, Costa Rica, El Salvador, Honduras, Nicarágua e Panamá já existem 90 organizações certificadas pelo FLO, que exportam café, mel, gergelim, açúcar, banana, cacau, fruta desidratada, amendoim e castanha de caju, informa Kieran Durnien, encarregado de ligação da FLO na América Central. Para Ron Van Meer, consultor empresarial para a América Latina da Fairtrade Original, organização que abastece a Holanda de produtos do mercado justo, o comércio convencional “distorce as relações entre produtores e consumidores”.


“Não se trata de otimizar os lucros, mas de um tipo de comércio que leve em conta fatores como o ser humano, o meio ambiente, o não-uso de trabalho infantil, isto é, um comércio com justiça, sustentável no tempo”, disse Van Meer ao Terramérica. As vendas neste tipo de mercado cresceram 32% entre 2004 e 2005, segundo estatísticas da FLO, que certificou 586 organizações de produtores em 50 países da África, Ásia e América Latina.


Na Guatemala, o comércio justo se desenvolveu mais na agricultura, mas também funciona no artesanato popular, onde é majoritária a presença feminina. A Mayan Hands (Mãos Maias) reúne cerca de 230 mulheres indígenas de 11 comunidades nas regiões de Xla, Sololá, Chimaltenango e Baja Verapaz, ao sul do país, que elaboram produtos têxteis para exportar para os Estados Unidos. A Mayan Hands tem vendas anuais de um milhão de quetzais, ou US$ 131.578. Foi criada em 1989, por iniciativa da antropóloga Brenda Rosenbaum.


“Pagamos, provavelmente, três vezes mais do que no mercado convencional”, destaca sua diretora, Deborah Chandler. A associação garante o trabalho, fornece os materiais e todo mês de janeiro entrega uma bolsa de material escolar para os filhos das artesãs, que ganham entre US$ 32 e US$ 197 mensais, de acordo com as horas trabalhadas e o tipo de trabalho. “As mulheres sempre dizem que mais importante ainda do que o dinheiro é saberem que vão ter trabalho todos os meses”, destaca Chadler.


A situação do setor artesanal é mais difícil do que a do agrícola, pois oferece produtos que não são de consumo diário e enfrenta a competição do barato e abundante artesanato asiático. A Mayan Hands integra a Federação de Comércio Justo, dos Estados Unidos, e seus produtos são vendidos em lojas solidárias, igrejas, associações de artesãos e grupos de paz e justiça.


“Necessitamos de mercados regidos por outros critérios. Não queremos limusines, mas preços justos. É preciso conscientizar os consumidores”, afirma a alemã Harrit Gotllob, na Casa do Amaranto, uma loja solidária que dirige no centro da Guatemala. Nas prateleiras são oferecidas coloridas geléias de manga e tangerina de Quiche, mel de Petén, amaranto moído por famílias do altiplano, café orgânico e sementes de chan, sabão vegetal, xampu e óleos essenciais de tomilho e pinho.
* Este artigo é parte de uma série sobre desenvolvimento sustentável produzida em conjunto pela IPS (Inter Press Service) e a IFEJ (Federação Internacional de Jornalistas Ambientais).

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