Jornal O Globo
PAULO SMITH / THE NEW YORK TIMES
CACHIPAY, Colômbia – Dos seis hectares que Nelson Guanchá tem na província de Nariño, na Colômbia, três estão com pés de cafés plantados. A preocupação deste homem humilde não é pragas nem chuvas, mas, sim, os homens: aqueles que vestem roupas caras, graças ao narcotráfico, e os que vestem verde oliva por serem militares ou guerrilheiros lutando em uma guerra que não é sua. Mais de uma vez, Guanchá teve que deixar suas terras por imposição do narcotráfico e da guerrilha. E o medo continua.
– Já tive que deixar minhas terras porque o conflito e a cocaína não me deixaram seguir. Mas cultivar café é mais seguro. Estou mais tranquilo. O dinheiro não é muito, mas não há conflito algum e trabalho legalmente com meus filhos – disse Guanchá, que admitiu ser uma exceção na região em que vive, cuja maioria dos jovens já partiram.
A Colômbia é um tradicional polo produtor de café, que compete diretamente com o Brasil e com os países da América Central, e luta por permanecer na lista dos maiores produtores do café. No entanto, muitos colombianos temem que o país perca essa posição de destaque a médio prazo. A queda nos preços, as pragas, os fatores climáticos adversos, a ameaça da guerrilha e do narcotráfico, a falta de políticas públicas de largo prazo e o desinteresse da juventude compõem um conjunto de ameaças que, se não forem combatidas, podem levar o país a uma posição secundária no setor cafeeiro.
Jairo Barrera é um dos raros cafeicultores que ainda vivem próximos à capital da Colômbia e continuam cultivando o grão, sem se importar se os filhos vão seguir a tradição da família. Diante das condições adversas nos cafezais, os jovens preferem se mudar para Bogotá em busca de um futuro melhor. No entanto, muitas vezes acabam lidando com a incerteza e a pobreza na suposta “terra das oportunidades” deixando de lado as plantas que tanto deram a seus antepassados e a seu país.
– O trabalho nas plantações não é rentável. Vejo meu pai sofrendo quando vai ao mercado. O dinheiro que ganha na produção não é suficiente. Não vou mais plantar café – confessou Barrera, que espera que seus filhos e netos mantenham a tradição da família.
– Os jovens passam por uma situação difícil, tendo que lidar com os traficantes, a guerrilha, o exército. Muitos optaram por deixar o campo. São os pais e avôs que permaneceram – disse Carlos Saldías, maior proprietário entre os integrantes da Federação Nacional de Cafeeicultores da Colômbia.
O café ainda é o meio de vida de 563 mil famílias colombianas. Destas, 95% são pequenos produtores cujas propriedades têm menos de cinco hectares. Alguns reclamam que o governo investe pouco em melhorias no setor, como na capacitação dos produtores e em campanhas que incentivem os jovens a trabalhar no campo. O presidente Juan Manuel Santos lançou, recentemente, o Acordo para a Prosperidade Cafeeira. No entanto, os que reclamam afirmam que o governo sugere boas medidas, mas não as aplica de fato.
– É preciso incentivar a mecanização para que os jovens não se sintam fazendo um trabalho meramente manual – disse o colunista Juan Carlos Acevedo.
As pragas e os fatores climáticos como obstáculo à produtividade – Mario Navarro, dono de cinco hectares plantados na zona central de La Mesa, pensa em cortar os pés de café e, no lugar, abrir pastos para gado. Navarro reclama de ter que enfrentar a “ferrugem”, fungo que se transformou em verdadeira catástrofe nos últimos anos para os produtores colombianos. Além do fungo, há a broca, pequeno porém destruidor inseto que, ao picar os grãos, apodrece milhares de hectares.
Neste ano, outro inimigo foram as incessantes chuvas trazidas pelo fenômeno climático conhecido como “La Niña“. Agora, os produtores rezam para que o já anunciado e previsto “El Niño” não traga uma seca muito severa.
– O inverno acabou com toda a floração. Se não já floração, não há fruto. A produção foi mínima e não foi o bastante para compensar os gastos, que subiram terrivelmente – disse Navarro.
Na década de 1980, a Colômbia se orgulhava de ser o segundo produtor mundial de café, atrás do Brasil. O setor era fundamental para a economia. O mercado vivia um momento de ascensão tecnológica e de aumento de preços. No entanto, a situação mudou a partir da primeira década do novo milênio. A famosa mudança climática global aprontou contra os cafezais, com secas prolongadas e fortes chuvas. Além disso, um pequeno inseto e um fungo provocaram tamanha destruição que a Colômbia deixou de ser um dos maiores produtores do mundo. Atualmente, o país está em quarto lugar, atrás de Brasil, Vietnã e Indonésia.
Fatores incontroláveis como pragas e o clima jogam contra as lavouras. Se, em 1965, o café colombiano correspondia a 16% do total produzido, hoje corresponde a somente 6%. Segundo um estudo do Banco Central, de maio de 2012, as exportações de café representaram 50% da soma de toda a produção compreendida no período de 1970 a 1986. Hoje, correspondem a somente 5% deste montante. Em 1980, 3% do PIB do país vinha da produção de café. Hoje, o setor é responsável somente por 0,6%.
No que diz respeito à guerrilha, uma nova esperança surge com as negociações de paz que começam nesta semana entre o governo e as Farc. No entanto, a pacificação destas regiões está longe: ainda é preciso combater o narcotráfico, que continuará sendo uma ameaça presente enquanto a cocaína for um produto largamente comercializado.
Nelson Guanchá sabe disso. Por isso, preferiu a segurança trazida pelo café, como seu colega Jairo Barrera. Mas enquanto houver zonas de conflito, tiros, mortes e refugiados, a temida narcoguerrilha continuará à espreita. E os jovens continuarão migrando. E os campos ficarão cada vez mais abandonados.