Código Florestal: sem acordo, votação fica para hoje

Depois de um dia de reuniões, governo e relator não superam impasse sobre recuperação de áreas desmatadas

Por: O Globo

O PAÍS
11/05/2011 
  
 
Catarina Alencastro, Isabel Braga e Chico de Góis

BRASÍLIA. Após mais um dia inteiro de negociações entre governo, líderes partidários e o relator do Código Florestal, deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), tenta votar hoje de manhã o polêmico projeto que determina as áreas de proteção ambiental e estabelece o que pode ser feito nas 5,2 milhões de propriedades rurais do país. O acordo ainda está emperrado nos mesmos dois pontos que impediram a votação na semana passada: a desobrigação de recuperação de desmatamentos em áreas de reserva legal e a definição de quais atividades poderão permanecer existindo em Áreas de Preservação Permanente (APPs), como margens de rios, encostas e topos de morros. As negociações entraram pela madrugada.


— O que se fechou é que haverá uma lista com as atividades permitidas nas APPs, mas o que vai constar na lista é assunto para a madrugada — disse Aldo.


Enquanto o governo não aceita ir além de permitir que apenas agricultores familiares e agricultores que são membros de cooperativas sejam liberados de recuperar desmatamentos em reserva legal, Aldo argumentava que os agricultores mais carentes de Norte, Nordeste e Centro-Oeste não seriam contemplados por esta medida.


As negociações foram cercadas de informações desencontradas. O líder do governo, Cândido Vaccarezza (PT-SP), chegou a anunciar à noite que havia acordo e que o texto seria votado hoje, mas negociadores do governo afirmaram que desconheciam os termos do acordo.


— Já há acordo em torno do conteúdo. Estamos botando no papel propostas de ambientalistas e agricultores, junto com o relator. A votação fica para amanhã (hoje). O acordo deve levar à aceitação por parte de todos da isenção da reserva legal nos quatro módulos rurais, e da manutenção das APPs nas margens dos rios com excepcionalidades, com casos específicos que o governo vai apresentar, com possibilidade de decreto estabelecendo novas excepcionalidades — disse Vaccarezza.


Os desencontros aconteceram durante o dia inteiro, marcado por reuniões a portas fechadas. O diretor do Departamento de Florestas do Ministério do Meio Ambiente passou o dia na Casa Civil com técnicos do setor jurídico do Planalto. Enquanto isso, líderes da base aliada se reuniam com o chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, que também recebeu líderes da oposição e ambientalistas, capitaneados pela ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva.


O presidente da Frente Parlamentar da Agricultura, Moreira Mendes (PPS-RO), e o próprio Vaccarezza anunciaram que as pendências haviam sido superadas no mesmo momento em que Palocci recebia negociadores e desmentia a versão dos deputados. Vaccarezza chegou a listar as culturas que seriam autorizadas em APPs: arroz, cana-de-açúcar, café, uva e maçã.


Mas Palocci avisou que o governo não aceitava votar o Código Florestal se não houvesse acordo nos pontos-chave que dificultam as negociações. Marina afirmou ser contra outro dispositivo do relatório de Aldo, o que permite que municípios tenham prerrogativa de autorizar desmatamentos. Marina sugeriu que o governo retire o texto do Congresso e envie outro projeto de lei, alegando que o Executivo tem a prerrogativa de tratar de matérias financeiras, como seria o caso do Código Florestal:


— O único que pode acabar com o impasse é o governo. O governo enfrenta desconforto político de ter deixado o tema unicamente nas mãos do relator — disse ela, reconhecendo, porém, que Palocci tem se esforçado para desfazer o impasse.


—Palocci deixou claro que está preocupado com o impacto internacional que a aprovação do código pode gerar. O governo está encostado na parede — disse Paulo Adário, coordenador do Greenpeace.


Servidores criticam concessões do governo
Funcionários da área ambiental lançaram carta
BRASÍLIA. Cresce na área ambiental do governo uma insatisfação com as concessões que o Ministério do Meio Ambiente tem feito nas negociações do Código Florestal. Técnicos dizem que o governo está cedendo demais, e que as consequências ambientais poderão ser “catastróficas”, porque, na prática, diminuem as áreas de preservação. Ainda que o governo expresse que não serão admitidos novos desmatamentos, quando aceita a recomposição de áreas menores está abrindo mão de florestas que deveriam estar no lugar de plantações.


A crítica é de servidores do alto escalão e abrange grande número de funcionários de carreira dos três órgãos federais ambientais (MMA, Ibama e Instituto Chico Mendes). Eles divulgaram ontem carta aberta repudiando o relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que o governo ainda tenta emendar antes que siga para o plenário.


“Os servidores alertam que a eventual aprovação do substitutivo (de Aldo) na forma atual certamente trará consequências catastróficas para a qualidade ambiental do país. Na atual versão do substitutivo, fica clara a intenção de ludibriar o leitor desatento”, diz o texto. “Na prática, significa que toda e qualquer atividade pode ser enquadrada em pelo menos um destes conceitos, tornando as APPs inteiramente inócuas, e as reservas legais, de pouquíssima efetividade”, diz a carta, entregue a Aldo.


Os técnicos reclamam ainda de uma das principais pendências da negociação entre governo e relator: a desobrigação de os pequenos proprietários recuperarem desmatamentos ilegais na reserva legal de suas fazendas. Para os servidores, a permissão abre brecha para que as dimensões dos módulos fiscais sejam alteradas futuramente, impactando no tamanho de áreas a serem preservadas. Isso porque, por meio de portaria, o Incra pode aumentar ou diminuir o tamanho de cada módulo fiscal.


Para o presidente do Instituto Chico Mendes, Rômulo Mello, o governo apresentou boas soluções, como a redução da responsabilidade dos proprietários privados de preservar suas reservas legais em municípios em que mais da metade do território é coberto por unidades de conservação. Sem querer polemizar com os servidores, Mello diz que o Executivo tentou fazer o melhor que pode:


— Nós chegamos no limite da negociação. Ninguém sai ganhando em tudo. (Catarina Alencastro) 
 
 

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