São Paulo, 3 de Março de 2009 – Um estudo encomendado pela senadora Kátia Abreu (DEM/TO), presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), em dezembro do ano passado, propõe mudanças significativas na relação entre as cadeias produtivas do agronegócio, o governo federal e fornecedores. O estudo é conduzido pelo economista e ex-secretário de política agrícola do Ministério da Agricultura (Mapa), Guilherme Dias e conta também com a participação de técnicos do Banco do Brasil (BB), instituição que passaria a figurar como centralizadora da dívida rural, cujo montante é alvo de controvérsias.
O valor total da dívida pode até ser desconhecido, mas o custo da próxima safra agropecuária foi estimado pela CNA em R$ 155 bilhões – R$ 78 bilhões só para produção de grãos. O que também não se sabe é de onde vai sair recurso suficiente para financiar esse montante. “O tamanho da dívida do produtor rural inviabiliza novos financiamentos, oficiais ou não, e consequentemente o cultivo da safra 2009/10. Qualquer proposta de alongamento de dívida é falha, pois não se sabe a profundidade real do rombo”, decreta a presidente da CNA.
A restruturação do crédito rural necessária à cobertura desse rombo se daria através da implantação de uma nova estrutura de financiamento e na conversão do produtor rural de pessoa física em jurídica. Os 99% dos agricultores que se mantém na margem informal do agronegócio seriam atraídos pelo Simples Rural, que estreitaria a cadeia tributária entre alíquotas de 4,5% e 12,11%, conforme a renda bruta colhida na fazenda-empresa. “Toda informalidade tem seu custo, e ele é o mais alto possível”, argumenta Kátia Abreu.
A lei complementar 123 que determina as variações tarifárias do “Simples urbano”, se estendida ao campo enquadraria cerca de 80% dos estabelecimentos rurais, calcula Guilherme Dias. De acordo com ele, a atual estrutura institucional da política agrícola brasileira reflete uma tributação elevada que incide indiretamente sobre os produtores rurais. “Esse novo sistema integrado permite aos credores o conhecimento total da dívida do produtor e viabiliza assim uma taxa de juros menor”, garante o economista.
A implantação de um Simples Rural substituiria os diversos impostos pagos pelo produtor simplificando a cadeia tributária. A transformação das propriedades rurais em empresas implica, contudo, na necessidade de desoneração da carga tributária cobrada sobre os alimentos, que no Brasil é de 16,9%, segundo Kátia Abreu. “Na média mundial essa carga tributária não chega nem a 5%”, afirma.
“O produtor faz um recolhimento único por uma série de tributos automaticamente distribuídos para diferentes destinos. A alíquota média é razoável, entre 7% e 8%, coincide com o tamanho do juro oficial oferecido pelo governo”, defende Guilherme Dias.
A dívida de um banco só
A CNA defende que o financiamento integrado e centralizado por uma única instituição pode ser um mecanismo de alavancagem das carteiras de crédito além de garantir mais subsídios ao produtor, ao seguro rural de renda e ainda uma isonomia entre o capital próprio e os de fontes não-oficiais. “A idéia é criar um instrumento que dê mais transparência fiscal e flexibilidade ao produtor na hora de tomar o financiamento para sua atividade. Hoje o atual modelo se restringe ao plano de safra”, reflete a senadora.
As sucessivas renegociações de dívidas feitas nos últimos anos, elevou o grau de risco de inadimplência do produtor rural, argumenta Kátia Abreu. Na carteira de agronegócio do Banco do Brasil, por exemplo, o percentual de contratos de risco aumentou de 3% para 14,9% em cinco anos.
Pelo sistema atual, as operações de financiamento são individualizadas, um mesmo produtor rural pode pegar financiamento oficial do governo, emitir uma Cédula de Produto Rural (CPR) e ainda comprar insumos em revendas do interior usando como garantia a safra colhida.
A nova política agrícola, segundo a CNA, minimizaria ainda a “discrepância da cesta de juros” paga pelos produtores rurais nas diferentes regiões brasileiras. “No Centro-Oeste, que fica distante dos portos e não dispõe de eclusas nas hidrovias, a média de juros chega a 21%, enquanto no Sul, mais próximo dos portos, é de 14%”, calcula o BB e alardeia a senadora.
A esse risco limitador da contração de novos financiamentos, se soma o recuo de 50% do volume de recursos disponilizados pelas tradings, atualmente responsável pelo custeio de um terço da safra agrícola brasileira. “As tradings já se afastaram nessa safra e devem recuar ainda mais na próxima”, projeta Kátia Abreu.
O agronegócio responde por US$ 329,5 bilhões do Produto Interno Bruto (PIB), que em 2008 chegou a US$ 1,312 trilhão. O setor é responsável ainda por cerca de 30% das exportações brasileiras.
Declaração sob medida
A formalização contábil e a transparência patrimonial do produtor aparece no referente estudo aliada à uma desoneração e ao imposto de renda plurianual. A declaração continuaria sendo feita todos os anos, o que mudaria seria o pagamento. O estudo da CNA sugere a criação de uma espécie de conta de débito e crédito para cada produtor – que no novo modelo configuraria como pessoa jurídica. A “empresa rural” teria um período maior para recolhimento e os anos de “vacas magras” seriam compensados pelos de colheita farta.