Por Anuradha Raghu
Para os amantes de café, a bebida tem se tornado mais amarga e cara, à medida que as mudanças climáticas deixam as principais regiões produtoras do mundo cada vez mais secas. O clima errático tem colocado em risco as safras.
Variedades mais resistentes pode se sair melhor, como o café robusta, mais forte e terroso. Mas no Vietnã, um dos maiores produtores desses grãos ao lado do Brasil, a produção tem visto sinais de alerta.
“É preciso cavar mais fundo para conseguir água”, disse Tran Thi Lien, 46 anos, em sua fazenda de um hectare na província de Dak Lak, nas Terras Altas Centrais do país. “Em alguns anos, não temos água suficiente para irrigação. E em alguns anos, há muita chuva.
Condições de cultivo mais difíceis levaram os agricultores vietnamitas a questionar o valor do café como cultura lucrativa. Alguns arrancaram suas árvores para plantar pimenta-do-reino e durião, uma fruta popular no sudeste asiático e entre os consumidores chineses.
A redução na oferta já elevou o preço do robusta este ano para o nível mais alto desde pelo menos 2008 — e ainda assim, o aumento das temperaturas significa que a produção futura ficará aquém.
O café é uma indústria de cerca de US$ 200 bilhões que se estende desde pequenas fazendas no Brasil ou na Indonésia até torrefadoras e fabricantes de produtos finais, como a Nestlé. Tradicionalmente, vendedores como a rede Starbucks preferem a variedade mais suave e aromática do café arábica, enquanto o robusta é usado para café instantâneo.
Mas os consumidores terão que se acostumar a um gosto diferente. Um estudo de 2022 sobre culturas tropicais que incluiu arábica, além de abacate e castanha de caju, constatou que o grão é o mais vulnerável às mudanças climáticas. Isso ocorre porque as regiões adequadas para sua produção tendem a diminuir globalmente devido ao aumento do calor. Os pesquisadores descobriram que seria necessário se adaptar, inclusive substituindo o arábica pelo mais resistente robusta.
A Nestlé, fabricante suíça da Nespresso e Nescafé, está entre aquelas que lidam com a mudança.
“As estimativas mostram que daqui a 30 anos, basicamente 50% das terras de café como as conhecemos hoje não serão mais viáveis para a produção de café” se as mudanças climáticas não forem enfrentadas, disse Philipp Navratil, chefe global da unidade estratégica de café da Nestlé, durante uma entrevista em uma visita a algumas das fazendas vietnamitas que fornecem à gigante do café.
A Nestlé é uma grande consumidora de robusta — em todo o mundo, os consumidores bebem mais de 6.000 xícaras de Nescafé a cada segundo. A empresa gasta US$ 700 milhões por ano para comprar cerca de um quarto da produção de café do Vietnã.
No ano passado, a empresa anunciou que investiria mais de um bilhão de francos suíços (US$ 1,2 bilhão) até 2030 para incentivar os produtores que abastecem sua marca Nescafé a usarem métodos de cultivo mais sustentáveis, à medida que o clima extremo ameaça as safras, e a se adaptarem. Isso inclui a substituição de árvores existentes por variedades que possam lidar melhor com as mudanças climáticas.
Mesmo os grãos mais resistentes serão testados, no entanto, à medida que as temperaturas aumentam.
“O robusta não é uma bala de prata para as mudanças climáticas”, disse Jennifer Vern Long, CEO da World Coffee Research, uma organização formada pela indústria global do café em 2012 para impulsionar a inovação. “Ele é mais tolerante ao calor e a algumas doenças e pragas, mas ainda estamos aprendendo os limites do robusta.”
Em um relatório de outubro, a World Coffee Research disse que o mundo pode enfrentar escassez de robusta em 2040 de até 35 milhões de sacas, levando em conta as tendências crescentes de consumo e o impacto das mudanças climáticas na produção. (O mundo produz atualmente quase 80 milhões de sacas de robusta por ano.)
Long disse que padrões climáticos em mudança poderiam levar a rendimentos dramaticamente menores, o que, por sua vez, deixaria milhões de pequenos produtores — que produzem 60% do café do mundo — vulneráveis à insegurança econômica e alimentar. A indústria do Vietnã é composta por uma variedade de produtores que cultivam áreas de um a dois hectares.
Períodos prolongados de seca no Vietnã e a falta de água para irrigação nos últimos anos já afetaram severamente a produtividade das fazendas de café robusta nas Terras Altas Centrais, segundo um estudo publicado em 2021 por autores de organizações, incluindo a Universidade Nacional do Vietnã. O país também está se preparando para o impacto do El Niño nos próximos meses.
Sob pressão do calor e da escassez de água, Lien está vendo os benefícios de práticas agrícolas mais sustentáveis, incluindo aquelas apoiadas pela Nestlé. Ela e seus vizinhos reduziram o uso de fertilizantes químicos e forneceram sombra para os arbustos de café para que fiquem menos expostos ao sol escaldante. Ela também plantou pimenta-do-reino e noz de betel para diversificar.
“Quando aplicam isso, temos mais renda e podemos economizar muito trabalho”, disse Lien, que começou a plantar café quase trinta anos atrás. “Agora vejo meu café se desenvolvendo melhor, com melhores rendimentos.”