China põe o Brasil na defensiva

Experiência brasileira mostra que embarcar no crescimento chinês não é um rumo óbvio a ser seguido

6 de outubro de 2005 | Sem comentários Comércio
Por: Por William Pesek Jr.

Para um dirigente que procura aquecer a economia e reduzir a dependência de seu país com relação aos Estados Unidos, este parecia o caminho óbvio a seguir: ligar seu destino ao da China. Foi exatamente o que fez o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva. Em novembro passado, quando o presidente da China, Hu Jintao, visitou a maior economia da América do Sul, Lula concordou em reconhecer a China como “economia de mercado” segundo as normas da Organização Mundial de Comércio (OMC).

O objetivo dessa iniciativa, que diverge da posição da maioria dos outros principais países do mundo, era claro. Lula e Hu disseram que previam duplicar o comércio bilateral para US$ 20 bilhões no período de três anos. Para o Brasil, esses negócios representariam uma dádiva dos céus. Para a China, ser qualificada como uma economia de mercado representa pagar menores tarifas para exportar seus produtos.

Agora, Lula deve explicações ao enorme contingente de pessoas que se perguntam se ele não teria cedido demais, e com excessiva rapidez. Nos cafés, bares e salas de reunião dos conselhos administrativos das empresas de São Paulo o que se escuta é como o Brasil desguarneceu seus flancos para uma superpotência em ascensão pouco disposta a fazer o mesmo.

“A abertura da economia brasileira não pode repousar apenas em franquear o ingresso das importações de todos os países sem obter nada em troca”, diz Josué Gomes da Silva, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit). “Corremos o risco de ser inundados com produtos importados, num momento em que nós, na posição de produtores, não estamos preparados para concorrer com os artigos de baixo custo provenientes de países como a China.”

Há um certo exagero nessa opinião. Mesmo que a China não esteja investindo nas ferrovias, portos e usinas siderúrgicas brasileiras com a rapidez esperada, ela é um consumidor em expansão. As necessidades da China por recursos naturais e bens manufaturados serão uma bênção para um país dado a surtos de crescimento seguidos por depressões. Além disso, a história demonstra que um país não empobrece necessariamente devido ao enriquecimento de outro.

Para os governos ávidos em lucrar com o surto de crescimento da China, o caso do Brasil poderá servir como um alerta. O teste será verificar se o padrão de vida brasileiro é capaz de se manter após o fechamento de um acordo que pode levar o país a dar mais do que a parcela que terá a receber. Na Ásia, há uma corrida para assinar acordos de livre comércio com a China, uma das principais economias do mundo e a que mais cresce na atualidade. Aqui vai algo para se ter em mente: as posições de negociação desses governos são mais rígidas do que a China gostaria. Motivo: a China quer desesperadamente convencer o mundo de que ela é confiável como país de livre comércio – uma coisa que os negociadores podem usar em favor de seus interesses.

Caso contrário, os governos podem acabar ficando de mãos tão amarradas quanto o Brasil. Lula pensou que sua aliança com a China era uma ofensiva econômica que poderia ajudar os muitos brasileiros que vivem na pobreza. Mas o Brasil está agora na defensiva.

O ministro de Comércio e Indústria do Brasil, Luiz Fernando Furlan, fez na semana passada uma viagem de três dias a Pequim a fim de pedir que as remessas de sapatos, produtos têxteis e brinquedos chineses fossem limitadas para evitar fechamentos de fábricas em seu país. Sem sucesso. A 13 de setembro, o Brasil anunciou planos de limitar as importações de produtos têxteis e de calçados chineses, depois que o volume dessas compras ficou quase seis vezes maior este ano. Esse pode ser apenas o começo de muitas dessas iniciativas de defesa.

“Os produtos têxteis e sapatos são os setores mais prejudicados pelos chineses”, diz Dilma Rousseff, a secretária de governo de Lula. “Precisamos agir com cautela em vista das características das relações entre o Brasil e a China e da importância desse país na sustentação da dinâmica da economia mundial.”

O Brasil reconheceu rápido demais a China como economia de mercado, o que dificultou a imposição de sanções antidumping a seus produtos

Este último ponto é delicado. Como o Brasil poderá se beneficiar com a taxa de crescimento da China, de mais de 9%, sem ser esmagado por ela? A voraz demanda da China por todos os produtos, de minério de ferro a soja, permite supor que Lula não pode ignorar a segunda maior economia da Ásia. Mas o excesso de dependência com relação à China, um país com limitado histórico de estabilidade econômica, pode se revelar tão arriscado quanto isso.

Nunca uma economia tão subdesenvolvida como a chinesa, com uma população tão grande e uma expansão recorde tão temerária, ingressou na comunidade mundial com tanto entusiasmo e prontidão. A compleição do comércio e dos sistemas financeiros internacionais nunca mais será a mesma. Se economistas como John Maynard Keynes pensaram que a ascensão dos Estados Unidos no século passado foi um assombro, é bom esperar para assistir à da China neste século.

Isso explica por que os dirigentes empresariais e consumidores de São Paulo encaram a China com um misto de empolgação e apreensão.

Existe uma crescente noção, neste país de 184 milhões de habitantes, de que a China está garantindo o abastecimento de matérias-primas baratas e exportando produtos de consumo com pouca reciprocidade. Também existe a frustração pelo fato de Lula não ter conduzido uma negociação mais rígida com a China.

Talvez o mais grave sejam as barreiras invisíveis ao fluxo de produtos para a China, que ainda não aderiu ao livre comércio, ao capitalismo ou aos direitos de propriedade intelectual da forma com que os países mais desenvolvidos do mundo os definem.

Nada disso se destina a afirmar que os negociadores comerciais da China sejam traiçoeiros – eles apenas são bons negociadores. Em nome dos interesses da China, eles vêm percorrendo a África, a Ásia, a América Latina, a Rússia e os antigos países-membros da União Soviética, garantindo acesso aos instrumentos necessários para manter o rápido crescimento de sua economia.

O Brasil foi possivelmente rápido demais em qualificar a China como uma economia de mercado, uma iniciativa que dificulta a imposição de sanções antidumping contra seus produtos. Agora o Brasil está agindo em modo de “controle de perigo”.

Para Lula, o comércio do Brasil com a China é um problema de relações públicas que não está próximo de se desfazer. O que se ouve nas ruas brasileiras é que negociar com a China é uma iniciativa fadada a trazer mais desvantagens do que vantagens.

Como argumentaria Lula, ignorar ou combater a China não é uma opção possível no mundo de hoje. A experiência do Brasil, no entanto, sugere que outros países devem pensar muito antes de pressupor que embarcar no surto de crescimento da China é um caminho óbvio a ser seguido.

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