Chefe da máfia do jogo investe pelo menos R$ 58,4 milhões em fazendas de gado e café Alexandre Arruda e Aluízio Freire Foragido da Justiça e suspeito de comandar a máfia do jogo ilegal na Zona Oeste, Fernando de Miranda Iggnácio — ex-genro do bicheiro Castor de Andrade, morto em 1997 — encontrou no campo uma maneira de multiplicar sua fortuna. Documentos obtidos por O DIA revelam que ele investiu pelo menos R$ 58,4 milhões em agronegócio nos últimos três anos. Fazendas de gado e centenas de hectares de cafezais na Bahia e Minas Gerais mostram o poder financeiro do contraventor, que trava uma guerra com o sobrinho de Castor, Rogério Andrade, pelo controle dos pontos de caça-níqueis na Zona Oeste. O lucro de Iggnácio pode ser medido por um cálculo feito por ele mesmo. Em uma “projeção de lucro” apreendida em seu escritório pela polícia, a estimativa de rendimento é de 335% em 54 meses. Para um investimento de R$ 320 mil em mil bezerros, o bicheiro tem retorno de R$ 1,39 milhão, considerando-se o aumento progressivo do rebanho. As aplicações podem ser divididas da seguinte maneira: em Barra do Choça, concentram-se cinco fazendas cafeeiras e, em Almenara, uma de café e outra de criação de gado, cujo investimento começa com 400 bezerros. A previsão, porém, é de ampliar para 1.200 cabeças em 1.393 hectares da propriedade, que tem, ao todo, mais de um milhão de hectares. O investimento em gado custou ao “parceiro capitalista” Iggnácio R$ 390 mil. Os acordos são feitos nos mínimos detalhes. Os sócios registram até a projeção de retorno do investimento. No contrato mais recente, de agosto, estipulado em 120 meses, ficou acertado que o fazendeiro receberá, “a título de rateio da participação, 2,50% por saco de café produzido”. Fernando ainda se compromete a pagar adiantado percentual equivalente à metade da produção da safra 2005/2006, estimada em 16 mil sacas. Ao todo, os negócios de Iggnácio entre Minas e Bahia se espalham por 1.702 hectares. Os cafezais do clã Iggnácio Não é só Fernando, o chefe do clã Iggnácio, que decidiu investir no agronegócio. Sua mulher, Carmem Lúcia de Andrade Iggnácio, também se aventurou pelos campos irrigados de cafezais da Bahia e investiu em 21 hectares numa fazenda. Comparada aos milhões do marido, porém, a aplicação é até modesta: R$ 500 mil, em parceria com um sócio de Iggnácio. O contrato foi firmado em janeiro de 2004 e previa “parceria” de 36 meses, “podendo ser renovada indefinidamente até decisão em contrário tomada pelas partes”. Além de Carmem Lúcia, a empresa da família também entrou no ramo. A CWA Empreendimentos e Participações — cujos sócios são, além do casal, seus filhos, Bruno e Fernando, e a viúva de Castor de Andrade, Wilma Andrade — aplicou dinheiro na propriedade. Foram R$ 150 mil em 12 hectares de terra cultivada. A CWA foi criada em setembro de 2002 e seu primeiro endereço foi na sala 414, do bloco 1, no número 4.200 da Avenida das Américas, na Barra. Como O DIA mostrou mês passado, o local pertencia à offshore uruguaia Rhondda S/A, controladora da Ivegê Indústria de Vídeo Games, proprietária das máquinas caça-níqueis da Zona Oeste mais conhecida por seu nome fantasia, Adult Fifty Games. Barra do Choça, a cidade-café A pequena Barra do Choça, a 27 quilômetros de Vitória da Conquista e a 527 quilômetros de Salvador, é o principal local de investimentos de Fernando Iggnácio. A cidade, com 45 mil habitantes, segundo o último censo do IBGE, tem 83% do seu Produto Interno Bruto de R$ 89,7 milhões provenientes da cultura cafeeira. Apesar de pequeno, o município se orgulha do seu desempenho econômico e do crescimento gerado por cafeicultores, que ali se instalaram na década de 70 e transformaram a região. A importância do produto está presente até no calendário da cidade. Há 15 dias, aconteceu a 9ª Semana do Café de Barra do Choça, com a presença de autoridades, além de debates e palestras. Uma delas intitulada ‘Como ganhar dinheiro com a agricultura familiar’. Desde o início dos investimentos cafeeiros, forte processo migratório provocou crescimento demográfico de 410%. Um verdadeiro salto populacional, principalmente se comparado ao da vizinha Vitória da Conquista, cujo desempenho foi de 114% no mesmo período. Poder de Fernando Iggnácio se espalha por 25 bairros do Rio No Rio, o latifúndio de Fernando Iggnácio se espalha por pelo menos 25 bairros das zonas Norte e Oeste. Para proteger esse território, fertilizado pelas lucrativas máquinas caça-níqueis, ele conta com um exército de 60 homens, que se revezam em escalas de trabalho até nos fins de semana. Uma planilha, apreendida pela polícia em uma operação num endereço da Avenida Cônego de Vasconcelos, em Bangu, mostra que o esquema do contraventor funciona de forma organizada e cautelosa. Nos plantões, os integrantes das equipes, a maioria policiais, são identificados por apelidos para preservar seus verdadeiros nomes. Os homens se dividem nos horários diurno e noturno para fazer a segurança dos galpões da Avenida Cônego Vasconcelos e ruas Fonseca e Agrícola, em Bangu. Na lista dos escalados, num domingo, estavam Cérebro, Tchuck, Português, Caçula, Magrão, Múmia, Sam, Teteu, Camundongo, Raposa, Tuchê, Furacão e Cabeção. No depósito de manutenção das máquinas da empresa Adult Fifty Games, na Cônego de Vasconcelos, a segurança ainda é reforçada com portões de ferro, muros altos com cacos de vidro e cerca de arame farpado. O local já foi alvo de três atentados. De acordo com as investigações da polícia, os ataques são atribuídos aos homens ligados a Rogério Andrade, da Oeste Rio Games, que controla as principais bancas de jogos de bicho na região. Os seguranças armados de Rogério também estão por toda parte. Os pontos mais vigiados são os bairros de Realengo, Anchieta, Padre Miguel, Vila Valqueire, Deodoro e Bangu. Policial civil aposentado assassinado Os gerentes de jogos de bicho de Rogério Andrade, na Zona Oeste, chegam a arrecadar até R$ 5 mil por dia. Os homens de confiança do contraventor controlam até cinco bancas. Cada uma fatura entre R$ 300 (as menores) e R$ 1 mil diariamente. Experiente e respeitado por Rogério e seus comandados, o policial civil aposentado Clair de Oliveira, 61 anos, executado na tarde de quinta-feira com 13 tiros de fuzil, gerenciava 10 pontos de bicho em Realengo, bairro onde foi assassinado. Clair já havia ocupado o cargo de chefe de segurança dos jogos, mas resolveu se afastar para se dedicar à família. Convidado recentemente por Rogério, aceitou a indicação para ser gerente e atuar apenas no controle dos negócios naquela área. Na semana passada, Clair levou à cúpula do bicho a denúncia de que seus pontos estavam sendo assaltados e os apontadores, espancados por homens ligados a Fernando Iggnácio. Sua morte teria sido uma vingança da quadrilha rival. Riqueza sob investigação Os homens de confiança de Fernando Iggnácio e Rogério Andrade, beneficiados pelos lucros milionários dos dois contraventores, também estão na linha de investigação da polícia por enriquecimento ilícito. Um deles é o cabo da PM Luciano Barros Novaes, dono de um Escort ano 1985, um Palio EDX 1997 e um BMW 1994. O que mais chamou a atenção da polícia, no entanto, foi que, em uma filmagem entregue à PM, em junho, ele aparece num Ecosport prata registrado no nome do irmão do ex-agente da Polícia Federal Paulo César Ferreira, o Padilha, então braço-direito dos Andrade.
Se no Rio os negócios de Iggnácio são considerados de altíssimo risco, nos outros estados ele optou por uma forma segura de investimento, já que não precisa comprar fazendas, cadastrar-se na Receita Federal nem se registrar nas juntas comerciais. Tudo é feito através de “parcerias”, que são registradas no cartório local. Nos documentos obtidos pela reportagem, há registros em Almenara (MG) e Barra do Choça (BA). Nos contratos, Iggnácio aparece sempre como o “parceiro capitalista” ou “financiador” do negócio e o proprietário da terra, como “administrador”. Em apenas um desses documentos, o investimento foi de R$ 50 milhões.