Andrew Downie
Em Varginha, Minas Gerais
O agricultor Rafael de Paiva, de Varginha, Minas Gerais, estava cético, inicialmente. Se desejasse conquistar um certificado de ¿fair trade¿ para sua safra de café, o agricultor brasileiro teria de aderir a uma longa lista de regras sobre pesticidas, técnicas agrícolas, reciclagem e outros assuntos. Teria até mesmo de provar que seus filhos estão matriculados na escola. “Fair Trade” (comércio justo ou comércio solidário) é um sistema que possibilita a pequenos produtores rurais de países em desenvolvimento vender seus produtos, por meio de cooperativas, no mercado internacional.
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“Eu pensei que aquilo tudo seria difícil”, relembra o humilde agricultor. Mas o ágio de 20% que ele recebeu recentemente por sua primeira safra de café “fair trade” fez com que o esforço valesse a pena, disse Paiva, acrescentando que “isso nos ajudou a criar uma vida decente”.
Mais fazendeiros devem receber ofertas como essa, à medida em que importadores e grupos de varejo correm para atender à crescente demanda dos consumidores e ativistas para aderir a padrões sociais e ambientais estritos.
Este mês, o café de Paiva será usado na preparação da mistura vendida com a marca das lojas Sam’s Club, uma cadeia subsidiária da Wal-Mart. Grupos como o Dunkin’ Donuts, McDonald’s e Starbucks já vendem algumas variedades de café “fair trade”.
“Nós estamos vendo ímpeto real no mercado, agora, com grandes empresas e instituições aderindo ao ‘fair trade'”, disse Paul Rice, presidente da TransFair USA, a única organização independente de certificação de “fair trade” nos Estados Unidos.
A International Fair Trade Association, que congrega 70 organizações instaladas em mais de 70 países, define “fair trade” como o conjunto de práticas comerciais que reflete “preocupação pelo bem-estar social, econômico e ambiental dos pequenos produtores” e que não “procura maximizar lucros à custa deles”.
De acordo com a Fairtrade Labelling Organizations International, uma associação que reúne associações de certificação de “fair trade” de todo o mundo, os consumidores gastaram US$ 2 bilhões na compra de produtos certificados em 2006, elevação de 42% ante o ano anterior, e isso beneficiou mais de sete milhões de pessoas nos países em desenvolvimento.
Da mesma maneira que a conscientização das pessoas quanto a produtos orgânicos, uma década atrás, a conscientização quanto ao “fair trade” está em ascensão. No ano passado, 27% dos norte-americanos se diziam cientes da certificação, ante 12% em 2004, de acordo com um estudo da Associação Nacional de Café, sediada em Nova York.
Os produtos classificados como “fair trade” que registraram a maior elevação incluem café, cacau e algodão, de acordo com a Fairtrade Labelling Organizations.
Não existem padrões governamentais para a concessão de certificados de “fair trade”, como era o caso com produtos orgânicos até alguns anos atrás.
Grandes empresas
Grandes cadeias de varejo começaram a vender café “fair trade”. O café expresso servido nas 5,4 mil lojas da rede Dunkin’ Donuts dos Estados Unidos, por exemplo, é certificado como “fair trade”. As unidades do McDonald’s na Nova Inglaterra seguem a mesma norma. E a rede Starbucks comprou 50% mais café “fair trade” no ano passado do que em 2005.
A proporção do café “fair trade” no comércio mundial da commodity continua minúscula, mas está em alta. Apenas 3,3% do café vendido nos Estados em 2006 tinha certificado, mas isso representa avanço de mais de 800% com relação à situação de 2001, de acordo com a TransFair USA.
Michael Ellgass, diretor de marcas internas da rede Sam’s Club, disse que a empresa era capaz de pagar o ágio envolvido na compra de café “fair trade” e preservar o baixo preço que caracteriza suas marcas próprias porque havia reduzido o número de intermediários.
O café em geral passa por torrefadoras, embaladores, negociantes, transportadoras e empresas de armazenagem, no caminho entre o agricultor e as lojas, mas a Sam’s Club comprará o produto pronto para venda direto da Café Bom Dia, uma torrefadora instalada nas ricas terras cafeeiras brasileiras.
“Reduzimos o número de etapas do processo e trabalhamos diretamente com os agricultores”, disse Ellgass.
Alguns críticos do sistema de “fair trade” alegam que trabalhar com milhares de pequenos agricultores torna difícil aderir às normas.
Outros argumentam que o sistema é tão exploratório quanto o comércio convencional, especialmente nos países que produzem café da melhor qualidade -Colômbia, Etiópia ou Guatemala. Os agricultores que praticam “fair trade” lá são pagos pouco mais do que seus colegas brasileiros, ainda que suas safras sejam usadas para cafés mais sofisticados e caros, disse Geoff Watts, da Intelligentsia Coffee & Tea, uma importadora de Chicago.
Mas, no Brasil, país onde não há muito café de primeira linha, a parceria entre pequenos produtores e grandes grupos de varejo prevê melhor mistura, segundo ele.
No Brasil, o café “fair trade” é adquirido por pelo menos US$ 2,83 por quilo, ante cerca de US$ 2,30 para o café comum, disse Sidney Marques de Paiva, presidente da Café Bom Dia.
Como a maioria dos agricultores de sua cooperativa, Rafael de Paiva cultiva menos de 10 hectares de terra. Produz cerca de 200 sacas de 60 quilos de café para a cooperativa, e 70% do total é arrematado pela Café Bom Dia.
A empresa afirma que compraria mais se o mercado de café “fair trade” fosse maior.
A safra de café “fair trade” arrecadou R$ 258 (U$ 139) por saca para Paiva, ante os R$ 230 que ele obteria pelo café comum. Isso representou renda anual adicional de R$ 3,92 mil, uma soma imensa nas empobrecidas montanhas de Minas.
“Para nós foi ótimo”, disse Paiva, com um largo e desdentado sorriso. “Considero o pessoal da cooperativa como minha família, agora”.
Ellgass diz que a sua empresa espera expandir o comércio de produtos “fair trade”. Os agricultores brasileiros compartilham dessa esperança. Conceição Peres da Costa, uma das cafeicultoras da cooperativa de Paiva, diz que “Todos estão fazendo o que podem para cumprir os padrões e vender café ‘fair trade’. Todo mundo quer faturar o máximo que puder”.
Tradução: Paulo Eduardo Migliacci ME