CERRADO
28/09/2007
Campo sofre com a estiagem
Em algumas regiões do DF são mais de 220 dias sem chuvas acima de 10 mm. Muitos agricultores perderam a safrinha e o gado sofre com a falta de pasto e até mesmo de água
Temporais, chuvas de granizo e enchentes na Região Sul e quase oito meses sem chuvas no Planalto Central. Apesar do clima do Cerrado ser marcado por duas estações distintas – as chuvas e a seca – que costumam durar seis meses cada uma, a situação está atípica. Algumas localidades do Distrito Federal, como Planaltina, já contabilizam mais de 220 dias sem chuvas acima de 10 milímetros. Isso representa mais de sete meses de estiagem agrícola, assim considerado o ciclo sem chuvas que reponham água no solo.
A seca prolongada já está causando prejuízo para os pecuaristas, pois as pastagens estão extremamente secas. Em alguns casos, a situação é ainda pior, pois o fogo levou o resto de massa seca que ainda restava nos pastos e muitas fontes de água já estão secando.
Na agricultura, mesmo com o período de entressafra, produtores e técnicos já se mostram preocupados com a estiagem. A previsão do Instituto Nacional de Meteorologia é que as estação das chuvas se fortaleça a partir da segunda quinzena de outubro.
Erosões
Entretanto, Fernando Mascena, pesquisador da Embrapa Cerrados na área de Agroclimatologia, alerta que essa previsão pode não se confirma, já que quando feita com muita antecedência não é precisa. “Aquelas feitas com 72 horas de antecedência são as que apresentam maior possibilidade de acerto”, revela. O pesquisador lembra que para a agricultura, a chuva tem de ser contínua (bem distribuída) e em níveis satisfatórios.
E, enquanto durar a seca, Fernando Mascena recomenda: “nada de trabalhar o solo seco”, alerta. Ele explica que a quebra pulveriza ainda mais o solo, facilitanto assim a erosão. “Esse é um manejo errado e criminoso”, avalia o pesquisador.
E explica que em solos pulverizados as chuvas têm muito maior poder erosivo, levando as camadas superficiais da terra, que são as mais ricas, com os nutrientes e adubos postos no solo. Com isso, haverá necessidade de maior números de adubações, o que aumentará o custo de produção. Além disso, as erosões provocam o assoreamento dos leitos d’água.
Perenes
Diante do atual quadro, Mascena avalia que os pecuaristas estão em pior situação que os agricultores, pois sem comida e bebida, o gado definha e, dependendo da deficiência, pode morrer. Para os rebanhos, ele diz que só mesmo uma suplementação urgente para salvá-los da falta de pastagens.
Os cultivos perenes também sofrem com a seca. Os cafezais que passaram pelo estresse hídrico – tecnologia que deixa as plantas sem água de 28 de junho a 4 de setembro e começam a ser irrigadas para que apresentem floradas abundantes e uniformes – também precisam ser irrigados semanalmente, (conforma o planejamento de irrigação disponível no www.cpac.embrapa.br) senão abortam a floração.
Além da estiagem, as temperaturas elevadas prejudicam as plantas em fase de florescimento, como limão, laranja, manga e outras frutíferas.
Agricultores acumulam perdas
“Em 20 anos que faço leitura pluviométrica aqui, nunca vi uma situação como a atual”, afirma o produtor Walmor Raimundo Tiggermann, proprietário da Fazenda Canaã, no Núcleo Rural Rio Preto. Este ano, segundo ele, janeiro choveu 183 mm, fevereiro 245 mm, março não choveu e em abril, apenas 34,5 mm, entre 8 e 11 de abril.
Criador de suínos e aves e produtor de soja, milho e feijão, Tiggermann conta que este ano perdeu entre 50% e 80% da safrinha. O prejuízo, segundo ele, foi equivalente a 26 sacas de milho por hectare, contabilizando apenas o custo direto com insumos.
Agora, ele espera chuvas entre 100 mm e 120 mm para plantar milho e feijão, que ele espera fazer até 20 de outubro. Ele adota o sistema de plantio direto e não terá de preparar a terra para semear. Além disso seu solo está protegido. “Ainda temos 26 t/ha de massa de braquiária no solo”, revela. O plantio da soja deverá ser feito em novembro.
E, para melhorar o desempenho da lavoura, Walmor Tiggermann aplica gesso no solo no intervalo entre os plantios, a cada dois ou três anos, em talhões diferentes. “O gesso aprofunda as raízes, melhorando a absorção de água”, explica.
Outro produtor que perdeu 75% da safrinha foi Bejamin Antônio Cappellesso, da Fazenda São José, também no Rio Preto. Dos 16 mil sacas de milho esperadas, colheu apenas 4 mil.
Ele cultiva 800 hectares com soja, milho e trigo irrigado. Espera que as chuvas não atrasem e cheguem em quantidade suficiente para que os plantios sejam feitos na hora certa.
cedoc/ANDRÉ LUÍS ABRAHÃO 20.09.00
Bezerros (foto) devem ter alimentação reforçada, de acordo com Alexandre Barcelos (outras imagens). Outro problema é a queima dos pastos secos
Rebanho bovino precisa receber suplementação
Josemar Gonçalves
O pecuarista que não planejou sua produção de forragem com uma sobra de pelo menos 20% já está com o rebanho pela hora da morte. Para aqueles cujo pasto já está rapado ou foi consumido pelo fogo, a saída é vender os animais ou se preparar para perdas.
Para quem ainda dispõe de um residual de pastagem, mesmo que de má qualidade, o pesquisador Alexandre de Oliveira Barcelos, da Embrapa Cerrados (Planaltina/DF), diz que a solução para aguentar até que o pasto melhore é suplementar com uma alimentação que tenha um fonte de proteína verdadeira, como farelo de soja ou de algodão, não apenas uréia.
Até que aumente o consumo de pasto, Barcelos recomenda oferecer 0,2% ao dia do peso vivo do animal de uma fonte de proteína verdadeira. Uma alternativa, segundo ele, é a oferta de multimistura para suplementar a alimentação do gado nesse período de estiagem prolongada.
Mais castigada
A categoria animal que mais sofre nessa época, com a deficiência de alimento, são os bezerros. O pesquisador alerta para que não se deixe esses animais muito debilitados. Caso isso ocorra, com a chegada das chuvas a situação pode se agravar ainda mais. “Como o animal estará faminto, vai comer os brotos novos do capim em grande quantidade. Por ser um alimento com muito pouca fibra, a taxa de passagem pelo intestino é rápida e provoca diarréia, conhecida popularmente como enchurrilho”, esclarece Barcelos.
Quando as chuvas chegarem, para que o pasto se recupere mais rapidamente, o pesquisador indica fazer uma adubação nitrogenada, com 40 kg a 60 kg de nitrogênio por hectare nos pastos com potencial de produção. Dessa forma, pode-se antecipar o uso da pastagem para os animais. Para evitar vender o gado, outra saída, para quem dispõe de pasto nativo, é colocar os animais ali.
E, para evitar sufoco semelhante no próximo ano, caso ocorre estiagem tão prolongada a atual, Alexandre Barcelos recomenda um bom planejamento da produção forragem. O ideal, segundo ele, é ter um residual de 20% de reserva de forrageiras. “Se tem pasto para 100 cabeças, coloca somente 80 cabeças”, explica. Desta forma, a pastagem fica menos comprometida no início da chuva.
Para fazer um bom planejamento, Barcelos recomenda o Comunicado Técnico 102 – Uso de Pastagens Diferidas no Cerrado– da Embrapa Cerrados.
Falta pasto e água
– Os pecuaristas também estão espantados com a estiagem prolongada. Virgílio César de Castro diz que em 23 anos que cria bovinos em Sobradinho, nunca viu seca tão intensa. Precavido, o pecuarista preparou silagem suficiente para as 300 cabeças que mantém em Sobradinho e Formosa (GO). Segundo ele, o estoque do volumoso ainda suporta trato por mais 60 dias.
– O mesmo não está ocorrendo com muitos dos vizinhos de Virgílio de Castro. Ele conta que a última chuva em sua fazenda foi no dia 29 de abril e que mais da metade dos pecuaristas conhecidos teve queimados os pastos secos. E, para quem não tem comida estocada para o gado, todos os suplementos alimentares subiram de preço.
– “De 1º de agosto pra cá, sal proteinado, milho, soja, tudo subiu. A saca de soja, que era comercializada por R$ 25, agora é vendida por R$ 40”, conta Virgílio. E, pasto para alugar, não se arruma por preço algum. para piorar ainda mais a situação, as contes de água que serve o gado está secando em muitas localidades.
– Se o volumoso disponível tem baixa qualidade, para o gado de leite, o veterinário Rodrigo de Souza Costa, coordenador de gado de leite da Tortuga, diz que a estratégia é fornecer um sal proteinado e aumentar o concentrado. Se não for possível tratar todo o rebanho, ele recomenda priorizar as vacas em plena produção e as fêmeas que estiverem nos dois últimos meses de gestação, pois é nessa fase que ocorre 70% do crescimento do feto. No caso de gado de corte, priorizar, também vacas em final de gestação e bois em acabamento.
– Com a mudança de estação e início das chuvas, Rodrigo lembra que são comuns transtornos alimentares como a síndrome do leite anormal (sila), cujo produto não dá fervura e dá falso-positivo na prova de álcool. Isso ocorre porque as vacas comem muito o capim em brotação, que tem pouca fibra. Para evitar isso, o veterinário recomenda esperar 15 dias, após o início das chuvas para deixar que o gado pasteje.