Fábio Santos Repórter O homem do campo, ou araruama, tabaréu, brocoió, cafumango, moqueta, botocudo, mocorongo, capiau, maratimba, como também é conhecido o caipira, caracteriza-se por seus modos e convívio rústicos, regionais e, dizia-se, pela pouca instrução. É, dizia-se. Hoje, a imagem é outra. Com o aumento da competitividade no agronegócio, a evolução tecnológica das máquinas e produtos incorporados ao dia-a-dia das fazendas e a busca pela qualidade de produção, que garante o negócio, essa prosa tem mudado de tom. Por estes motivos, a capacitação da mão-de-obra rural torna-se uma obrigação, e aqueles que não seguirem o fluxo da globalização, vão ter de amarrar a sua égua em outro lugar. Para o diretor do Recursos Humanos no Agronegócio (ReHagro), Fábio Corrêa, o campo é carente de capacitação. ‘Hoje, o trabalho rural envolve máquinas com tecnologia de ponta embarcada e a demanda por profissionalização e atualização é muito grande’. Corrêa diz ainda que a mão-de-obra é muito receptiva ao conhecimento: ‘O trabalhador rural é uma matéria-prima fabulosa, tem grande potencial, é ávida por informação, e você já encontra pessoas sobressaindo’. O ReHagro é uma instituição que visa a desenvolver e modernizar o setor por meio de cursos de capacitação, voltados para funcionários e gestores das fazendas, nos segmentos de pecuária, administração rural, agricultura e meio ambiente, em quatro modalidades: profissionalização, especialização, atualização e aperfeiçoamento. ‘Há cursos que são apenas pontuais, atendem às necessidades específicas. Às vezes, a fazenda compra um trator novo, com novos comandos, e os funcionários precisam ser capacitados para operar a máquina’. Os cursos variam de 24 a 230 horas aula. Para se manterem competitivos, os produtores rurais atuam como empresários e a fazenda é administrada como empresa. Termos administrativos estão se incorporando ao vocabulário da conversa. ‘Hoje as fazendas trabalham de maneira profissionalizada, com planejamento estratégico, financeiro. Atuam em regime de planos de metas e participação nos lucros. Os resultados estão aí. Percebe-se a redução da necessidade de manutenção em maquinário, maior produção de leite, o pasto produz mais e a elevada qualidade dos processos’, garante o diretor. Em Carmo do Rio Claro, Sul de Minas, às margens do Lago de Furnas, a Fazenda São Sebastião é um exemplo do profissionalismo que chega ao campo. Ela produz 5 mil litros de leite por dia, tem 200 matrizes de gado de corte e 380 hectares de área plantada de café. O proprietário, Luciano Pimenta, é administrador de empresas e cursa MBA em Gestão Estratégica do Agronegócio no Centro Universitário Newton Paiva. Para ele, a situação é muito clara: ‘Hoje, no agronegócio, você tem que ser profissional. Não há lugar para amadores’, dispara Pimenta, acrescentando que a exigência do mercado provoca a necessidade de capacitação. ‘O mercado é cada vez mais exigente e cobra leite de qualidade, café com valor agregado; a capacitação da mão-de-obra é o caminho. Estou sempre, na medida do possível, investindo nos funcionários. A maioria já fez cursos na Cooxupé (Cooperativa dos Produtores de Café de Guaxupé), em Carmo do Rio Claro. Neste ano, encaminhei um técnico para fazer curso de bovinocultura no ReHagro. Temos que ter a cabeça aberta para essas questões e investir em educação’. Demanda por qualificação é crescente O superintendente do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural de Minas Gerais (Senar), Antônio do Carmo Neves, afirma que a demanda por cursos de profissionalização brota como capim. ‘Em 2005, tivemos 4.314 eventos de formação profissional rural para mais de 65 mil pessoas e, para 2006, o planejamento é aumentar em 5% esses cursos, palestras e seminários, que serão realizados de acordo com a demanda, que é crescente’, diz. O Senar atua em 723 municípios do Estado. Dentre os cursos mais procurados no ano passado, o Trabalhador na Bovinocultura de Leite teve a participação de 5.240 produtores. Nos cursos oferecidos para profissionalização no cultivo do café, participaram 2.530 trabalhadores. ‘Outro curso importante e muito procurado é voltado para a aplicação de agrotóxicos e contou com a participação de 3.140 alunos. ‘O uso do agrotóxico, da maneira equivocada como a que é feita no Brasil, é um verdadeiro carnaval com dosagens altíssimas. Muitas vezes, o aplicador e o alimento saem contaminados. Não basta saber a dosagem da mistura, é preciso saber regular o equipamento também. Para conseguir ganhar o mercado internacional, os produtores têm que seguir normas rígidas de controle de qualidade e o funcionário da fazenda é o grande responsável por fazer com que os produtos comercializados se enquadrem na legislação’, alerta Antônio. A Fazenda Santa Helena fica em Bom Despacho, Centro-Oeste mineiro, produz nove mil toneladas de feno por ano, em 450 hectares de área plantada. É a segunda maior produtora do Estado. Tem 30 funcionário fixos sob o comando do gerente José de Arimatéia Caputo. O Zeca, como é conhecido, está no campo desde 1988. ‘Eu me formei técnico em agropecuária e vim para a roça. Trabalhei no Acre, Maranhão, e desde 1999 estou aqui. Em todas essas andanças, eu percebi que, hoje, ninguém mais usa mão-de-ferro para conseguir as coisas. O cara já sabe o que quer e tem que ser na base do diálogo, da troca de experiências’. O nível médio de escolaridade dos funcionários da fazenda é 6ª e 7ª séries do segundo grau. Zeca explica que eles têm muita capacidade e facilidade de aprender. ‘Meu modo de gerir é por meio da gestão participativa. Trocamos muitas idéias e todos têm o direito de falar. Dessa forma, o funcionário se sente mais valorizado e os problemas não se repetem. Mesmo quando eles aparecem, já foram previstos’. Zeca concluiu, em junho do ano passado, o curso de Capacitação de Gerente para o Agronegócio, no ReHagro. Cooperativismo Os cursos não se resumem somente em aulas teóricas e práticas. Eles vão além e orientam os alunos a criarem cooperativas. Este é o caso, por exemplo, dos pequenos produtores que buscam capacitação no Senar. Do preparo da terra para o plantio, passando pela colheita, escolha e manuseio dos frutos até a prateleira da venda, é um caminho longo para os produtores de doces de frutas em compota. Todo o processo é esmiuçado em 40 horas aula no curso de Agroindústria, envolvendo a saúde no trabalho, cuidados com o meio ambiente, noções de higiene, seleção da matéria-prima, preparo e pesagem, preparo de vidros, preparo de frutas cristalizadas, preparo de compotas de frutas em calda, lacre, rotulagem e armazenamento. ‘O curso aborda, ainda, a importância da cultura do associativismo. Os pequenos produtores são instruídos a formar cooperativas para aumentar a rentabilidade do produto’, afirma o superintendente do Senar Minas. |