| 17.11.2006
Cafechocolat: esforço para vencer resistência dos chineses ao café
O cheiro do café brasileiro está tomando os ares asiáticos. Produtores do grão no Brasil, que já consolidaram o país como o líder em volume de exportação, agora querem ganhar o mundo pela qualidade, e não pela quantidade, e para isso escolheram como alvo a Ásia: um continente que oferece mais de um bilhão de novos consumidores dispostos a pagar bem pelo que comprarem. Na China e na Coréia do Sul, já é possível sentar-se em uma dessas lojas para saborear uma xícara do café colhido em terras mineiras ou paulistas – a preços bem mais altos do que os cobrados por aqui.
Detentor de uma boa posição no setor cafeeiro, dono de uma clientela espalhada pelos quatro cantos do planeta, o Brasil sofre é com a composição de suas vendas externas. Das cerca de 26 milhões de sacas destinadas a outros países, que devem gerar uma receita próxima a 3 bilhões de dólares em 2006, mais de 90% passam pela alfândega recheadas de grãos, o tipo mais barato do produto. É assim que o café brasileiro chega a países como Alemanha e Itália, onde é transformado para aparecer no varejo nas formas moída, torrada ou solúvel, com rótulos de empresas estrangeiras. Com isso, deixa-se de ganhar muito dinheiro: enquanto o café em grão é vendido em média a 120 dólares a saca de 60 quilos, a mesma quantidade de café na forma solúvel, por exemplo, tem deixado o país a 340 dólares – uma diferença de quase 200%.
A isca que estimula os produtores brasileiros a procurar melhor remuneração na Ásia são os japoneses, principais representantes asiáticos entre os compradores do café brasileiro – estão na quarta posição em volume de importação do produto em grão. O Japão paga 130 dólares por uma saca de café. Alemanha e Estados Unidos, os dois líderes no mesmo ranking, desembolsam respectivamente 120 e 110 dólares. Nas contas da indústria, os japoneses também se mostram consumidores generosos: gastam 225 dólares com uma saca de café moído, frente a 215 dólares pagos pelos europeus. “O Japão procura os grãos mais selecionados”, diz Christian Santiago, coordenador-executivo do Programa Cafés do Brasil, projeto de divulgação do produto mantido pelo setor cafeeiro e pelo Ministério da Agricultura.
Procurando boa remuneração, dois grupos de produtores brasileiros de café decidiram levar o produto final, o cafezinho na xícara, a sul-coreanos e chineses, que só se abriram ao prazer de um gole da bebida há pouco tempo. “De quatro anos para cá houve uma explosão de cafeterias na Coréia do Sul”, afirma Santiago. A maior rede de cafeterias do mundo, a americana Starbucks, abriu a primeira loja em solo sul-coreano em 1999 e hoje já conta com outras 166. Tentando pegar este embalo, a Café Tiradentes, marca da brasileira Nhá Benta Alimentos, estreou, em junho deste ano, uma cafeteria de 120 metros quadrados em um shopping-center de Seul, capital da Coréia do Sul. Chegar lá não foi fácil: exigiu um namoro com investidores do país asiático, iniciado em novembro do ano passado. O grupo estrangeiro chegou a desembarcar em Altinópolis, interior de São Paulo, para inspecionar as plantações de café da empresa. Satisfeitas as exigências dos investidores e definido um plano para desenvolver tipos de cafés mais afeitos ao paladar oriental – ou seja, mais suaves do que os servidos no Brasil -, fez-se a parceira, que resultou em um investimento inicial conjunto de 4 milhões de dólares para lançar a primeira loja Café Tiradentes na Coréia do Sul. A primeira de muitas, segundo os sócios. “Queremos chegar a 50 lojas no país até o fim de 2007”, diz Carlos Alberto Rodrigues, diretor-comercial da Nhá Benta.
No plano da brasileira, que tem sede em São Bernardo do Campo, região metropolitana de São Paulo, o sucesso virá pelo sistema de franquias. A meta da operação coreana é chegar a um faturamento de 600 000 dólares no ano que vem. Sem contar a recente atuação na Coréia, a empresa soma vendas de 10 milhões de dólares, quase integralmente restritas ao mercado interno; antes do desembarque na Ásia, só havia registrado uma operação de exportação a coreanos, que não passou de 10 000 dólares. Agora o Café Tiradentes espera conseguir também contratos para espalhar seu café pelo varejo do país estrangeiro, impulsionado pela exposição do produto na loja.
Uma xícara de café Tiradentes custa 3 dólares em Seul. Pagar esse preço por um cafezinho, o equivalente a pouco mais de 6 reais, não é comum no Brasil. Mas na Coréia, diz Rodrigues, é um valor que reflete, em parte, o custo de vida do país: “Tudo lá é muito caro, temos uma despesa alta com locação de imóvel, por exemplo”.
Também interessada em incrementar a receita, a Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé (Cooxupé), de Minas Gerais, começou a pesquisar um projeto na Ásia em 2002. O local escolhido foi a cidade de Xi’an, na China, depois de fechada uma parceria com grupos de investidores belgas e chineses. Cada uma das três partes entrou com um investimento de 65 000 dólares para abrir a primeira loja com a marca Cafechocolat, onde é servido o café brasileiro – também a 3 dólares, em geral – e chocolates belgas. A loja, instalada em um shopping da cidade, deve render vendas de cerca de 70 000 dólares por ano. Ainda é muito pouco diante do faturamento anual da Cooxupé, que reúne 12 000 produtores mineiros e fatura 1 bilhão de reais anualmente. Para os executivos da cooperativa, porém, esse é só o início de uma rede de franquias. “Nós somos mineiros, estamos apenas colocando o dedo na água. Nesse ponto somos bem parecidos com os chineses”, afirma Joaquim Libânio, diretor de exportação da cooperativa. A brasileira não tem uma meta quanto ao número de lojas que pretende abrir na China, mas já está à procura de um local para a segunda unidade.
Por enquanto, o grande desafio enfrentado pela Cooxupé tem sido o chá, bebida que faz parte da cultura dos chineses e é tomada em cerimônias religiosas, recepções de amigos ou em pausas durante o trabalho. No país, cada habitante consome em média 500 gramas de chá por ano, aproximadamente 250 xícaras. Já o café está começando a aparecer como bebida dos jovens e de workaholics – apenas 15 gramas são consumidos pelo chinês anualmente, ou pouco mais de duas xícaras. Para que se tenha idéia da diferença para a cultura do Brasil, de gole em gole um brasileiro toma 750 xícaras por ano. A pouca difusão da bebida na China, no entanto, é encarada como enorme potencial pelos produtores mineiros, já que o país tem 1,3 bilhão de habitantes ainda a serem conquistados. “Queremos vencer a última grande fronteira do café”, afirma Libânio.
A batalha tem sido vencida aos poucos. “Eles pedem para colocar leite ou água no café, e no primeiro momento tomam com uma colher”, diz Alexandre Vieira Costa Monteiro, gerente de desenvolvimento de novos produtos da Cooxupé e responsável pela cafeteria chinesa. Para derrubar a diferença, os brasileiros têm feito campanhas de marketing e realizam a torra do grão na própria loja, à vista dos consumidores. Mas o maior aliado, segundo Libânio, é a economia aquecida do país, que deve crescer em torno de 10% neste ano. “Os chineses trabalham muito, vão descobrir que o café é uma bebida boa como estimulante”, diz Libânio.