CAFETERIA – Olfato apurado dá trabalho a mulheres

29 de março de 2009 | Sem comentários Barista Consumo

erônica Sato em ação como perfumista, uma das profissões que exigem um nariz bem treinado 


Verônica Sato em ação como perfumista, uma das profissões que exigem um nariz bem treinado 


Rosana Ferreira



A expressão “não meta o nariz onde não é chamado” não se aplica a algumas profissões, em que o olfato apurado é uma da principais ferramentas de trabalho. Perfumistas, baristas e sommeliers, por exemplo, passam o dia sentindo e diferenciando odores no horário do expediente e também fora dele – uma vez que a sensibilidade na ponta do nariz aumenta dia a dia e não escolhe hora, nem objeto para entrar em ação.


Há quem garanta ainda que as mulheres têm o olfato mais desenvolvido do que o dos homens (confira abaixo os depoimentos de três profisionais que ganham dinheiro com seus narizes), embora não existam trabalhos científicos que comprovem a diferença. A explicação para a tal vantagem feminina pode vir dos primórdios: enquanto o homem saía para caçar, era função da mulher, além de cuidar dos filhos e da casa, escolher e colher os melhores legumes, frutas e folhas. Para isso, o sexo feminino precisava usar a visão, o tato e, claro, o olfato. “Talvez venha daí o costume de apalpar e cheirar as frutas na hora de escolhê-las no supermercado”, sugere Luciano Neves, otorrinolaringologista.


Lendas e especulações à parte, o fato, segundo o médico, é que o olfato costuma ser a primeira reação a um estímulo: o cheiro de queimado já é um alerta de incêndio antes mesmo que alguém possa ver as chamas. Para que isso ocorra, o ar entra pelo nariz com a inspiração, passa pelas células nasais, que ficam perto dos olhos, e transmitem impulsos elétricos ao cérebro – que, por sua vez, traduz a mensagem de perigo, nesse caso.


No trabalho, identificar o aroma do perfume que vai ser sucesso de venda, de um bom grão de café ou do vinho perfeito é uma questão de treino, mas essa capacidade pode ser diminuída dependendo da condição de saúde do profissional, dos hábitos e do ambiente. O médico Luciano Neves lembra que doenças respiratórias, como rinite; o tabagismo e a poluição podem interferir na percepção dos odores


Perfume no ar
Verônica Sato, de 42 anos, não resiste ao perfume de rosas, mas em seu dia-a-dia perde as contas de quantas fragrâncias passam por pelo seu nariz treinado. “Passo quase o dia inteiro cheirando aromas, pois trabalho com centenas de ingredientes”, conta a perfumista da Natura.


Sabe como são definidas as notas florais, amadeiradas, frutadas e cítricas dos perfumes? “Nós, perfumistas, aprendemos a distinguir um cheiro por meio de um processo de classificação e memória olfativa”, explica a especialista, que está há 21 anos na área. Como não há cursos especializados, Verônica, que é formada em Farmácia Bioquímica, estudou na Escola de Perfumaria da Dragoco, na Alemanha, e atuou como trainee na França e Inglaterra, além de ter feito um estágio de reciclagem nos Estados Unidos.


Apesar de sua sensibilidade para cheiros ocorrer desde pequena, Verônica não acredita ser necessário um olfato especial para o trabalho, apenas dedicação para treiná-lo, além de manter a mente aberta. “Apreciar a diversidade é uma característica fundamental de um perfumista, pois a inspiração pode vir de toda parte: pessoas, lugares, sabores. Esse profissional é um encantado pelo mundo e tenta traduzir seu encantamento em um perfume para encantar as outras pessoas”, define.


Na prática, o desenvolvimento de um perfume passa pelo conceito desenvolvido pelo marketing da empresa. “Nós criamos o perfume baseados nesse conceito”, diz.


Durante o processo de criação, os perfumistas desenvolvem vários ensaios, que são submetidos a avaliadores. Isso guia os profissionais até os perfumes finalistas, que vão para pesquisa de mercado. A fragrância vencedora é, então, produzida e lançada.


» Veja foto de Sílvia Magalhães - Clique para amplicar Hora do café

A história da barista Silvia Magalhães, 31 anos, começou por acaso, em 2003, quando a profissão que o torna um especialista em cafés (desde a escolha do grão até a arte de tirar um espresso da máquina) ainda era pouco conhecida no Brasil. Hoje, diretora de qualidade do Octavio Café, em São Paulo, ela se formou em Comércio Exterior e, na época, trabalhava em uma empresa do setor de café. Silvia então resolveu participar, por brincadeira, de um campeonato de baristas, e ganhou.


“Sempre tive o costume de sentir o cheiro de tudo”, diz. Mas, a partir desse episódio, ela começou a fazer cursos no Brasil e no exterior e a participar de concursos. Três vezes campeã do Campeonato Brasileiro de Baristas, Silvia diz que a degustação começa pelo aroma. “O café possui 36 aromas diferentes. Consigo distinguir quase todos, mas alguns são realmente muito sutis”, explica.


Com olfato treinado, a especialista conta que as fragrâncias mais nítidas são de chocolate, nozes, avelã, damasco e limão. Já o aroma de madeira revela um café ruim. Numa prova de degustação, ela confere aroma e sabor do café para avaliar doçura, acidez, amargor e corpo da bebida. “O bom café é doce (toques de mel, baunilha), tem corpo aveludado, acidez cítrica (prazerosa) e pouquíssimo amargor”, explica.


Na ponta da taça
A preferência por aromas florais vermelhos, como violeta e rosa, é um bom indício do trabalho de Alexandra Corvo. Sommelier de mão cheia, é uma conhecedora de vinhos e de tudo relacionado ao serviço da bebida. Para ela, não foi difícil seguir esse caminho: a avó paterna portuguesa adorava um vinho do Porto; a mãe conseguia sentir, com a geladeira fechada, se o queijo estava passado; e o pai sempre apreciou bons vinhos.


Apesar disso, ela garante: “O olfato apurado vem com o treino, não é um dom.” Por isso, estudou hotelaria na Espanha e enologia na Suíça. De volta ao Brasil, montou a adega do restaurante Figueira Rubayat e passou por pesos-pesados da gastronomia paulista, como o DOM e o Le Vin. Hoje, com 33 anos, tem uma escola de vinhos, onde passa adiante seus conhecimentos a narizes ainda pouco treinados. “Vejo que as pessoas têm muitas dificuldades em reconhecer aromas, o que também acontecia comigo no começo. Acho que não temos a cultura de cheirar as coisas, diferentemente do que ocorre na Europa”, analisa.


Ela conta que, quando fala de um aroma inusitado em determinado vinho, muitas pessoas desconfiam e até acham que é frescura ou mentira. “Mas a pessoa não sente o determinado aroma, porque não treinou o nariz ao longo da vida e, portanto, não tem memória olfativa para esse caso”, garante.


Memória olfativa
O olfato é um dos cinco sentidos do ser humano – os outros são audição, tato, paladar e visão. Segundo o otorrinolaringologista Luciano Neves, todo mundo pode ter um olfato apurado, basta ser treinado. Isso porque passamos a vida treinando sem se dar conta, construindo a memória olfativa – que nada mais é do que a associação de cheiro e sabor a momentos da história emocional. “Você já comeu mangaba? Uns associam essa fruta do Nordeste ao gosto de banana; outros dizem que lembra o kiwi. Isso depende da história de cada um”, exemplifica.


Não é à toa que é possível se transportar a um lugar ou situação ao sentir um perfume. Esse aroma pode trazer boas sensações, se, por exemplo, lembrar o doce que sua avó fazia e deixava você comer o quanto quisesse. Também pode remeter a emoções desagradáveis, quando faz lembrar de um ex-namorado infiel.


A estilista Coco Chanel (1883-1971) foi uma expert nesse assunto. Ao escolher a amostra número 5 entre as encomendadas ao famoso perfumista francês Ernest Beaux, a estilista conseguiu colocar seu estilo na memória olfativa das pessoas. Em 1921, o Chanel 5, primeiro perfume sintético com o nome de um estilista, foi lançado com 60 tipos de fragrâncias e um aroma inconfundível. Senti-lo é uma ligação direta com a moda de Chanel, que revolucionou a forma de vestir da mulher do início do século 20: bem-sucedida, com personalidade e estilo.


 



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