Ron Wurzer / Bloomberg News
Schultz, CEO da Starbucks, que sempre agiu por instinto, teve que demitir, fazer pesquisas junto aos clientes, dar descontos e investir em propaganda Você pode ter ideia do que é importante para uma pessoa pelas histórias que ela conta. Na Starbucks, uma companhia que encolheu de maneira tangível e inexplicável, Howard Schultz está contando uma história sobre leite. A Starbucks usa muito leite. Como parte dos esforços de Schultz para melhorar a qualidade dos milhões de cafés com leite e capuccinos que a Starbucks serve, ele proibiu o que se tornou uma prática comum de requentar o leite.
Isso significa que os baristas estavam despejando milhões de dólares pelo ralo. Com os gerentes de lojas começando a pensar pela primeira vez em como operá-las de maneira mais eficiente, uma ideia surgiu.
Era simples e fez todo mundo se perguntar por que ninguém havia pensado naquilo antes: eles poderiam entalhar marcas nos jarros para que os baristas pudessem saber exatamente a quantidade de leite a ser usada em cada tamanho de bebida. Antes, eles apenas adivinhavam.
“A celebração dessas marcas [nos jarros] pelos corredores da Starbucks se tornou uma metáfora”, diz Schultz. “Quantas outras marcas poderemos encontrar? Encontramos muitas porque ninguém jamais procurou. As pessoas que encontraram essas marcas se tornaram parte do folclore.”
Você consegue pensar em muitos outros executivos que transformaram algo tão prosaico em folclore? Ou, quem teria deixado uma coisa tão simples ao sabor do destino? Mas estamos falando de Howard Schultz e da Starbucks, que durante a maior parte de sua existência cresceu em ritmo acelerado e sem grandes obstáculos, um lugar onde a experiência era tudo. Um lugar onde o chefe liderava por instinto, onde a autenticidade era o que contava.
Schultz gostava de dizer que a Starbucks havia tomado a estrada menos movimentada.
Essa visão colidiu, talvez inevitavelmente, com as exigências do mundo real. O café com leite de US$ 4 tornou-se um luxo fora das possibilidades e a Starbucks está agora competindo com o McDonald´s e a Dunkin´ Donuts, duas redes mais interessadas em vender grandes quantidades de café, do que de se tornarem parte da vida das pessoas.
Mesmo assim, Schultz, por algum tempo, pareceu estranhamente indiferente ao fato de que o cenário estava mudando. Quando ele assumiu as responsabilidades de diretor-presidente, em janeiro de 2008, ele anunciou que a Starbucks havia perdido o rumo: havia se transformado no tipo de companhia sem alma que ele tanto detesta. Ele prometeu fazer a companhia voltar a suas raízes, tornar a Starbucks amada novamente.
Desde então, a Grande Recessão forçou Schultz a fazer algo ainda mais drástico. Ele teve de admitir, ainda que resmungando, que a companhia precisava mudar quase tudo na maneira como operava. A Starbucks precisava se tornar mais comum.
As primeiras ordens foram: reduzir os custos em pelo menos US$ 500 milhões, fechar 800 lojas nos Estados Unidos, demitir mais de 4 mil funcionários. E também: realizar mais pesquisas junto aos clientes, oferecer descontos, fazer propaganda. Tudo bastante comum. Maneiras nada interessantes de se fazer negócios. Tudo novo e desconfortável para Schultz. “Ele sempre foi muito atormentado pelo pensamento de se ter tudo ´pronto para o uso´”, diz John Moore, um ex-executivo de marketing da Starbucks. “Mas às vezes as coisas precisam ser assim.”
Passe um tempo suficiente com Schultz e uma coisa fica clara. Apesar das mudanças e reavaliações recentes, ele ainda quer tudo. A Starbucks precisa ser poderosa e benevolente, respeitada e apaixonada, onipresente e imaginativa.
Não adianta dizer a ele que nenhuma grande corporação, certamente nenhum com cerca de 16 mil lojas em 50 países, encontrou esse equilíbrio até hoje. Ele simplesmente não aceita.
Mesmo assim, ele admite que é difícil continuar sendo fiel aos acionistas e a sua visão original. “Tive que mudar minha mentalidade”, diz ele. “É sempre um equilíbrio frágil entre a criatividade e a disciplina, mas a coisa é hoje muito mais exata do que no passado.” Enquanto leva a Starbucks para sua próxima era, a maior briga de Schultz poderá ser consigo próprio.
Howard Schultz, que tem 56 anos, viveu a respirou Starbucks por mais de duas décadas. Ele é um vendedor, marqueteiro, um comerciante, e sempre achou que poderia contar a história da Starbucks melhor que ninguém.
Mesmo durante os oito anos em que ele não participou ativamente do comando da Starbucks, todos sentiam sua presença – da equipe executiva aos baristas. Quando ele reassumiu o cargo de diretor-presidente, há 19 meses, o staff da sede em Seattle sabia que alguma coisa iria acontecer.
“Ficamos todos chocados na primeira semana”, diz Troy Alstead, o diretor financeiro da companhia. Schultz na verdade nunca havia saído, mas de alguma forma ele estava muito mais presente. “Precisamos de seu entusiasmo, sua iniciativa e apreço pelos desafios”, diz Alstead.
Schultz sempre confiou em seus instintos. E eles sempre foram muito bons. Desde o começo, quando ele comprou seis lojas da Starbucks de seus fundadores esquisitos em 1987, ele sabia o que a companhia poderia ser. Ele queria vender uma experiência e assim ele criou um local de encontro com sua própria linguagem e cultura.
Ele sabia que os baristas seriam tudo para a companhia e, portanto, os tratava bem, oferecendo opções de ações e seguro-saúde, mesmo para os funcionários que trabalhavam meio período (e todo mundo era chamado de sócio). Ele falava sobre a alma da cafeteria, em fazer o bem para o mundo, controlar seu próprio destino. Ele tentou muitas coisas que não deram certo, e se comprometeu com muitas coisas das quais mais tarde se arrependeria. Mas ele sempre mediu o sucesso em seus próprios termos.
As outras companhias podiam basear suas estratégias nas pesquisas com clientes, mas esta não era a maneira de Schultz fazer negócios. “Nós fizemos isso, mas odiamos”, diz Howard Behar, que como executivo sênior da Starbucks por mais de uma década, teve uma relação próxima, mas contenciosa com Schultz. Outro ex-executivo lembra-se do que acontecia com todos os que tinham a audácia de sugerir a realização de mais pesquisas. “Todo mundo se encolhia de medo e dizia: você é novo aqui, não é?”. Howard dizia: “Não somos a Procter & Gamble”. Quando Schultz queria aprender alguma coisa sobre os clientes, ele visitava uma loja. O executivo afirma que ainda visita 25 lojas por semana.
Havia também um monte de outras coisas nas quais ele não acreditava – coisas que a maior parte dos executivos faz sem questionar. Durante a maior parte de seu mandato, Schultz não ligou muito para os custos.
Ele achava que não precisava se preocupar com isso porque a Starbucks estava abrindo milhares de lojas por ano e a velocidade sempre era mais importante que a eficiência. Fazer propaganda? As outras companhias é que faziam isso.
Afinal, milhões de pessoas andavam por aí segurando xícaras da Starbucks. “Nosso dinheiro para propaganda ia para os imóveis com as melhores localizações”, diz Arthur Rubinfeld, que na década de 1990 era o encarregado do desenvolvimento de lojas da Starbucks e recentemente voltou para a companhia depois de uma ausência de seis anos, para liderar o trabalho de projetos de novas lojas.
Durante muito tempo, o Culto a Schultz funcionou de maneira brilhante e ninguém se queixava. Certamente não os acionistas, que assistiram o valor da ação aumentar quase 5.800% desde a abertura de capital, em 1992, ao seu pico registrado em 2006. Em 2007, a Starbucks era uma companhia avaliada em US$ 10 bilhões que atendia 50 milhões de pessoas por semana.
Durante 15 anos as vendas nas lojas com mais de um ano de vida cresceram pelo menos 5%. “Ninguém na história do varejo conseguiu isso antes”, diz Schultz. Mesmo agora, com a Starbucks cada vez mais parecida com qualquer companhia varejista, Schultz não se parece com nenhum outro presidente de empresa. Ele ainda é um iconoclasta.
Mas a mudança acabou acontecendo – e em seguida, a reavaliação. “Fomos arrastados”, conta Schultz. “Paramos de perguntar: como podemos melhorar? Tínhamos uma sensação de merecimento. E estou aqui para dizer a você que isso acabou.”
Todas as empresas recuam em algum momento. Mas é difícil avaliar o quanto Schultz vem sendo forçado a recuar em relação às práticas do passado. “Passamos por uma mudança enorme”, diz Alstead, que trabalha na Starbucks desde 1992. “E em certas partes do caminho houve sofrimento.”
Uma nova linhagem de administradores surgiu na Starbucks, pessoas cujas habilidades seriam bem menos valorizadas no passado. Pegue, por exemplo, Peter D. Gibbons, o “guru” escolhido por Schultz para gerenciar a cadeia de fornecimento. Gibbons não teve problemas em dizer a Schultz & Co. que a Starbucks estava muito mal até mesmo nas operações mais básicas, como a entrega de suprimentos para as lojas. “Agora, estamos animados com a cadeia de fornecimento”, diz Alstead.
Cliff Burrows, que supervisiona as lojas dos Estados Unidos, foi orientado a simplificar as operações (e economizar dinheiro).
A tradução: entre outras coisas, fazer os baristas usarem um processo padrão de seis passos para tirar um café, em vez deles fazerem da maneira como acharem melhor. Schultz chegou até a contratar um diretor de tecnologia na pessoa de Stephen Gillett, que já trabalhou na Yahoo!. Seu trabalho é garantir o fluxo de dados em tempo real para a sede, onde eles podem ser dissecados e analisados.
Finalmente, há Michelle Gass. Ela ajudou a fazer do Frappuccino um sucesso em meados da década de 1990 e, agora, recebeu um orçamento – Schultz não revela de quanto – para, isso mesmo, fazer propaganda.
Dá até para ouvir os aplausos dos tradicionalistas do mundo dos negócios: finalmente, Howard entrou para a religião. Certamente, a maioria do que ele vem fazendo tem lógica.
A Starbucks, possivelmente, estaria em melhor estado atualmente se dispusesse de mais dados. “Quando os números se encaminharam para baixo, não conseguíamos nem conjecturar por quê”, recorda-se um ex-executivo da empresa. “Não tínhamos maneiras de conseguir detalhes sobre as vendas ou de capturar a opinião dos consumidores, nem boas formas de obter informações dos baristas.”
A campanha de Burrows pela eficiência nas lojas, que inclui ensinar os baristas a preparar massa folhada em cerca de 25 minutos em vez de em 45, levou a Starbucks a economizar US$ 60 milhões nos últimos três meses.
E os dados de Gillett sobre as vendas nas lojas ajudaram Schultz a ver uma importante diferença entre a parte da manhã (quando o café é uma necessidade) e a da tarde (quando é uma indulgência). “Nunca tivemos esse nível de segmentação antes”, observa Schultz. “É uma nova ferramenta em termos de sermos capazes de direcionar os negócios de diferentes maneiras.” Os números levaram a Starbucks a oferecer qualquer bebida gelada grande por US$ 2 depois das 14 horas para clientes que já tenham feito alguma compra no dia: a companhia chama a oferta de “recibo de cortesia”.
Gass, nomeada em 2008 chefe de marketing e de desenvolvimento de novos produtos, convenceu Schultz que a publicidade é essencial no atual cenário. “O consumidor está mudando para um consumo mais consciente”, afirma. “E, para nós, isso é realmente bom, é isso que nós sempre nos propusemos a fazer – a companhia que faz a coisa certa, que compra o café de forma responsável, que toma conta de seus sócios. O objetivo é lembrar às pessoas por que se apaixonaram pela Starbucks em primeiro lugar.”
Em 19 meses, Schultz virou a Starbucks de cabeça para baixo e, ao fazê-lo, colocou em andamento uma possível recuperação. Já há sinais de melhora na companhia. Durante o trimestre passado, as vendas de lojas abertas há mais de 12 meses caíram, mas não tanto.
O executivo, contudo, ainda parece estar em conflito. Talvez seja compreensível. Fazer com que os baristas sigam um processo padronizado para fazer café soa muito a um McDonald´s, com seu pessoal de mostrador fazendo Egg McMuffins. E escute Schultz falando sobre pesquisa com clientes. “Desprezo as pesquisas”, diz. “Acho que é uma muleta. Mas pessoas muito mais inteligentes do que eu me empurraram nessa direção e fui adiante.” Dificilmente seriam as palavras de um convertido. Agora, quando caminha pela sede da Starbucks, em Seattle, Schultz pode ver figuras recortadas em cartão, de tamanho real, representando quatro arquétipos de clientes.
Sim, Schultz aprovou a primeira campanha completa de publicidade da Starbucks. É possível que vocês já tenham visto os anúncios nos jornais: foram feitos para parecer que estão impressos em uma saca de café rústica e transmitem, sem dar margem a dúvidas, o que a empresa defende. Schultz parece ter gostado dos anúncios, embora não mostre muito interesse. Logo antes de a campanha ser lançada em maio, a Starbucks colocou um vídeo no YouTube com Schultz discutindo os anúncios com baristas em uma loja de Seattle. Para um homem rotineiramente descrito como carismático e inspirador, ele parece surpreendentemente desconfortável. Veja por você mesmo: ainda está lá.
A autobiografia de Schultz foi escrita há mais de dez anos e leva o nome de “Dedique-se de Coração”. Ele mostra-se, tanto na época como agora, um empreendedor clássico: otimista, incansável, perspicaz e ávido por mostrar que as pessoas estão erradas. E quando diz “adoro ser o azarão”, como o fez várias vezes em nossas conversas, ele não fala sobre aquela época, ele fala sobre o agora. Descontando, claro, que agora ele é o presidente do conselho de administração, executivo-chefe e presidente de uma companhia com lucro superior a US$ 300 milhões em 2008, que é a empresa mais acompanhada no site de relacionamento social Facebook e que é uma das marcas mais reconhecidas no mundo. Quem realmente poderia chamá-lo, ou à Starbucks, de azarão?
A declaração curiosa de Schultz parece sugerir que o papel que lhe cabe agora, como executivo convencional fazendo decisões previsíveis, pode ser-lhe um pouco mais difícil de desempenhar do que admite. Há outros indícios. Ele recontou-me uma história que acabara de compartilhar com um grupo de executivos de marketing da Starbucks. Schultz foi visitar uma nova sorveteria sobre a qual todos comentavam em Seattle, a Molly Moon´s. Era um domingo de verão e cerca de cem pessoas estavam na fila. Quando Schultz finalmente entrou, olhou cuidadosamente ao seu redor. Percebeu que os donos não deveriam ter gastado mais do que US$ 50 mil no local; as placas eram de baixa qualidade, os móveis, de segunda mão. Porém, havia energia e paixão e o sorvete era fantástico. “Deseja-se estar lá”, conta. “Para mim, aquela loja reforça tudo o que acredito. Não se trata de marketing, pesquisa, consultores, simplesmente trata-se da experiência.”
Um mês depois, durante conversa no fim de julho, ele retorna à ideia. Espalhara-se a informação de que a Starbucks abriria uma loja conceitual em Seattle e Schultz estava entusiasmado como não se via há um bom tempo. Alguns meses antes, o executivo havia apresentado a um seleto grupo de funcionários a seguinte questão: Se você fosse abrir uma loja para concorrer com a Starbucks, o que você faria? Então, Schultz concedeu-lhes um orçamento limitado, disse-lhes que estavam por conta própria e foi embora. No início de junho, eles reapareceram para apresentar um projeto que chamaram de “15th Ave. Coffee & Tea”. Na porta, estaria escrito: “Inspirado na Starbucks”. (Schultz insistiu que a loja tivesse nome diferente porque também oferecia cerveja e vinho.) Venderia café da Starbucks, mas o logotipo e os elementos gráficos da companhia ficariam de fora. As máquinas automáticas de café expresso que algumas lojas da Starbucks ainda usam e Schultz sempre odiou também ficariam de fora. A comida seria assada no local. Haveria degustação de cafés e chás pelas manhãs. À tarde, música e leitura de poesias. “Todos dissemos que investiríamos nessa empresa”, lembra-se Schultz. “Eu disse: ´podem inaugurar´.”