Cafés Especiais – A força do nosso café – Por Rafael Duarte – Empresário do setor cafeeiro

Por: Estado de Minas

OPINIÃO
17/07/2010
 
A força do nosso café

Volume exportado do produto torrado e moído em 2008 foi de 6,7 toneladas, contra 1,5 milhão de toneladas do grão in natura
 
Rafael Duarte – Empresário do setor cafeeiro



João acorda cedo todos os dias para trabalhar na sua lavoura de café, investe em novas terras e máquinas de alta tecnologia, irriga a plantação, cuida bem dos seus funcionários, respeita as leis e garante a preservação das matas nativas. João é um exemplo de produtor a ser seguido por todos os brasileiros, mas ainda assim pouco ou nada sobra no fim da safra e ele precisa pedir dinheiro aos bancos para custear sua produção. O que será que ele faz de errado? O caso de João não é singular. Ele representa milhares de famílias produtoras de café do Brasil, que trabalham o ano inteiro e pouco ganham ao fim da safra. Ao produzir um fruto de excelente qualidade, João o entrega barato para as cooperativas e exportadoras, que levam o melhor café para Europa, Estados Unidos e Japão, deixando aqui o que sobra. E o caso do café se repete no da laranja, tomate e muitos outros alimentos que somos mestres em produzir. A saca de café comprada de João por R$ 300 se transforma em R$ 2,5 mil nas mãos de um pequeno torrefador italiano, sem marca expressiva, R$ 8 mil na eShop da poderosa Starbucks, R$ 10 mil em cápsulas ou sachês importados. Mas a culpa, no caso, não é de nenhuma dessas indústrias, mas do comodismo do endividado João.


Ora, mas se o Brasil apresenta indicadores de crescimento sustentável, economia forte, mercado consumidor disposto a pagar R$ 2,50 numa xícara de expresso, por que entregar o “ouro” aos estrangeiros e se conformar com o resto? De fato, é motivo de grande desconforto encontrar um João que se orgulha em falar que exporta seu café para a Europa ou o Japão. Isso é relativamente fácil; o difícil é torrar o café aqui no Brasil, agregar valor a ele e, assim, exportá-lo por um valor digno. Temos que deixar de ser colônia, de nos subordinar às negociatas das trades com as cooperativas de café, que só desmerecem o produtor e desvalorizam seu bom trabalho. O café brasileiro é o melhor do mundo. E não precisamos nos basear em estatísticas ou rankings internacionais para atestar isso. Fato recente que pode comprovar a qualidade do grão que produzimos é que a Colômbia, mundialmente consagrada por seu café, se rendeu a seu concorrente e está comprando o produto cultivado nas fazendas do Sul de Minas para suprir a demanda interna. Milhares de turistas que visitam a nossa vizinha sul-americana à procura de sua famosa bebida estão, certamente, consumindo o nosso produto, o que é, no mínimo, engraçado.


Mas a história do João ainda não acabou. Com o pouco que lhe resta, ele vai à cidade e compra um caríssimo café italiano, conhecido como o “melhor do mundo”. Mas desafio João a dizer onde há uma lavoura de café na Itália, na Alemanha ou no Japão. Não há. Esse café é produzido por algum João brasileiro, que foi exportado por um preço irrisório, depois torrado e empacotado, retornando com um valor colossal. Desde 2007, o nosso compromisso é levar o melhor café produzido no Brasil aos próprios brasileiros. O que sobrar, destinamos à exportação. Acreditamos nessa atitude como uma forma de contribuir para a construção de um país digno, rico e forte nos âmbitos econômico, social e cultural. Não temos que nos travestir de um patriotismo desmesurado, impedindo que nossos grãos saiam do país. De forma alguma, diga-se de passagem. Nós, brasileiros, somos o maior exportador de grãos do mundo justamente porque oferecemos ao mercado externo um produto sem igual. E continuaremos a fazê-lo.


O que temos que repensar é o relacionamento que nós, brasileiros, temos com a bebida, que permeia a realidade do país desde os tempos coloniais. Naquela época, tudo de bom que se produzia era destinado às exportações. Hoje, quando há muito deixamos de ser colônia, não raro temos a sensação de estar fazendo o mesmo no que se refere ao café. Só para ter uma ideia, o volume exportado de café torrado e moído em 2008 foi de 6,7 toneladas, contra 1,57 milhão de toneladas de café verde, a ser industrializado em outros países, segundo a Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic). Assim, sinto-me impelido a questionar: por que nos contentarmos com grãos e produtos de padrão inferior e pureza duvidosa? Por que nos rendermos aos preços mais baixos, às chamadas “brigas de prateleiras”, priorizando o custo em detrimento da qualidade? Por que nos privarmos de consumir diariamente um café de sabor e qualidade inigualáveis, se é aqui no Brasil que temos o melhor café do mundo?


O café faz parte da nossa história, do nosso berço, da construção da nossa identidade como nação. O fato é que, hoje, o café é a segunda bebida mais consumida no Brasil, perdendo somente para a água. Ele, como nenhuma outra, é capaz de trazer sensações de acolhimento e familiaridade, num misto de hábito e tradição. E justamente por essa relação emocional que temos com o café é que nos sentimos impulsionados a sempre incrementar o produto, investindo em mão de obra, pesquisas e programas de qualificação. E a maior recompensa disso, certamente, será a constatação de que o café gourmet chega massivamente aos supermercados, às cafeterias, aos lares. Porque nós, brasileiros, merecemos o melhor.


Comentários


Júlio Vilela

Falou tudo!! Meu sentimento ao ler este artigo foi de indignação ao ver que várias pessoas no Brasil, assim como eu, passam pelas dificuldades do setor cafeeiro, sem ajuda substancial das autoridades e políticas relevantes de promoção do café brasileiro.

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