Custo que pesa mais com a crise
A falta de competitividade do Brasil, resultante de estradas ruins, tributos altos e outros gargalos, agrava os problemas
Paulo Henrique Lobato
e Marta Vieira
Pequeno cafeicultor em Espera Feliz, na Zona da Mata mineira, José Alexandre de Lacerda se uniu a três famílias da região para criar a marca Montanhas do Caparaó. Os grãos produzidos por eles venceram a etapa estadual e a nacional do concurso promovido pela Associação Brasileira das Indústrias de café (Abic), despertando o interesse de comerciantes estrangeiros. “Fomos procurados por chineses. Nossa mercadoria tem boa saída no país e estamos nos preparando para, se possível, exportar alguma parte. O problema é que o custo da produção está muito alto”, lamentou José. A reclamação dele é a mesma de 10 entre 10 homens e mulheres que ganham a vida na indústria, no comércio ou no agronegócio.
Trata-se do chamado custo Brasil, que mostra, por meio de diferentes indicadores, o quanto o país perde em competitividade em razão de gastos com a alta carga tributária, com rodovias precárias e outros gargalos. Com a crise que se instalou no mundo há cinco anos, a falta de competitividade agrava o cenário para empresários de todos os portes. Esse é o tema do terceiro dia da série “Turbulência internacional”, que o EM começou a publicar no domingo. Para se ter ideia, em relação ao peso dos impostos, a arrecadação do poder público com tributos cresceu a passos largos nos últimos anos. Em 1988, quando a Constituição da República foi promulgada, a carga tributária correspondia a 20,01% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2012, o percentual subiu para 36,27% – os dados são do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT).
“A carga tributária na China é 18% do PIB de lá. No Brasil, é cerca de 36%”, comparou Marcos Troyjo, diretor na Columbia University do BricLab (um centro sobre Brasil, Rússia, Índia e China) e professor do Ibmec e do Instituto Millenium. Outro especialista no assunto, Rainy Workmann, professor de economia internacional da FGV/IBS, diz que o tema é debatido em suas aulas: “Comento com meus alunos que é mais barato pagar um contêiner do porto de Santos ao de Xangai (Ásia) do que levar um carregamento de soja de Mato Grosso ao porto de Santos”.
DIFERENCIAIS O custo Brasil prejudica tanto os grandes quanto os médios e os pequenos produtores nacionais. José Alexandre, o cafeicultor na Zona da Mata, lamenta que, dependendo do preço dos insumos e do mercado do café, sua safra sai a um preço exorbitante. “Para ganhar mercado, estamos apostando no diferencial, que é a marca que criamos. As quatro famílias fizeram um pacto de qualidade. Conseguimos produzir cerca de 2 mil sacas, das quais aproximadamente 400 são especiais, com nutrição melhor das plantas, secagem mais rápida dos grãos etc.”
Claro, acrescenta Jhone Lacerda, um dos produtores das quatro famílias, que o faturamento dos pequenos agricultores seria melhor se o poder público reduzisse a carga tributária. Outro desafio dos agricultores, pecuaristas, comerciantes e empresários da indústria e do setor de serviços é conseguir mão de obra capacitada. “Ela está cara e rara. É outro problema que deve ser solucionado para melhorar a competitividade do Brasil”, alerta Roberto Simões, presidente da Federação da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Estado de Minas Gerais (Faemg).
A dificuldade de exigir mão de obra qualificada refletiu na alta dos salários em muitas regiões, prejudicando, sobretudo, os pequenos e médios empresários. Em São Gonçalo do Rio Abaixo, na Região Central do estado, o comerciante Vinícius Torres Guedes, sócio do depósito de material de construção Rosário, uma empresa de pequeno porte, penou para preencher as vagas de atendentes no balcão. “Tivemos de contratar pessoas sem experiência e, aos poucos, fomos treinando-as”, disse.
Dependendo do setor, a falta de mão de obra qualificada eleva o valor do salário num ritmo maior do que o da inflação. Ainda em São Gonçalo do Rio Abaixo, o encarregado de obra William José Faria, responsável pela reforma numa churrascaria, disse que esse é um entrave ao setor de construção civil: “No início de 2012, a diária de um pedreiro era de R$ 70. Hoje, o valor é R$ 120”.
Apenas a título de comparação, a inflação oficial do país, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), fechou 2012 em 5,84%. No acumulado de 2013, encerrado em agosto, o indicador ficou em 3,43%. Já o aumento da diária do pedreiro em São Gonçalo subiu 70%.
Eficiência comprometida
A própria economia arrefecida escancara a falta de competitividade da produção brasileira, observa o economista e consultor Felipe Queiroz. “Quando a demanda cai, vai produzir quem é mais eficiente, mas o problema central é que a nossa eficiência está baseada principalmente nos preços, regulados pelo câmbio”, critica. Exemplo claro dessa distorção no Brasil é o da indústria têxtil, que conseguiu driblar os produtos da China no mercado internacional por meio do câmbio valorizado, que estimula as exportações.
Isso mostra que a dificuldade da economia brasileira está na falta de investimentos voltados para o aumento da produtividade no país, alerta o economista. Queiroz acredita numa tendência de recuperação da indústria nos próximos meses, mantidas as condições de recuo da inflação e os sinais de reação um pouco mais consistente dos Estados Unidos – vale lembrar que o estopim da atual recessão econômica foi a quebra do banco de investimentos Lehman Brothers, ocorrida em setembro de 2008.
O problema grave da falta de competitividade, no entanto, permanece. Desde o estouro da crise financeira mundial, em 2008, a produção industrial no Brasil afundou até novembro de 2009, recuperando-se em 2010, quando passou do período pré-crise, e voltou ao mesmo nível de 2008 em abril do ano passado, para depois seguir um movimento de altos e baixos, predominando a queda em relação ao período pré-crise. (PHL e MV)