30/09/2009 –
Demonizada por muitos anos, a bebida começa a receber aprovação de vários estudos científicos. O hábito, dizem pesquisadores do Incor-USP, ajuda até a proteger contra doenças como o diabetes 2.
Expresso, tradicional, suave, forte, capuccino, descafeinado, ao creme, ao leite: não importa a variação ou a combinação, o café é uma paixão nacional. No país, nove em cada 10 brasileiros com idade acima de 15 anos consomem a bebida diariamente. Apesar de tão tradicional e quase unânime, o hábito já foi, entretanto, considerado um vilão para a saúde. Coisa do passado, quando os pesquisadores analisavam apenas os efeitos isolados da cafeína, testando pacientes com cápsulas dessa substância. Os estudiosos de hoje afirmam que a ciência, nessa época, ignorava componentes presentes no grão que fazem do produto um alimento saudável e muito funcional. As novas pesquisas sugerem que, se consumido moderadamente, o café é um grande aliado, previne algumas doenças e pode até retardar o envelhecimento de células, já que tem propriedades antioxidantes.
Para estudar os efeitos do café no organismo, o Instituto do Coração da Universidade de São Paulo (Incor-USP) saiu na frente e criou um núcleo de pesquisa inédito no país. Os médicos da unidade Café e Coração estudam a ação e os efeitos da bebida no corpo de pessoas saudáveis, diabéticas e com problemas no coração. Até agora, 60 voluntários, com idade entre 18 e 80 anos e perfis variados, participaram de testes para a avaliação médica. A pesquisa ainda tem cinco anos pela frente. Ao todo, 300 pessoas serão testadas. “Na primeira fase da pesquisa, os voluntários passam por uma limpeza no organismo. Eles ficam 21 dias sem ingerir qualquer produto que contenha cafeína. Depois, passam 28 dias bebendo café de torra escura e 28 dias de torra clara”, explica Bruno Nahler Mioto, um dos cardiologistas que integram o grupo de pesquisadores do Incor.
O médico observa que ainda é cedo para conclusões, mas adianta que o café não elevou o colesterol nem provocou piora em pacientes cardíacos ou diabéticos. “Monitoramos a pressão arterial, as taxas de glicose, colesterol, variáveis de inflamação, arritmia cardíaca e o comportamento dos vasos sanguíneos. Os pacientes também são submetidos a exames de sangue no período de acompanhamento. Testamos a reação a diferentes torras e variações porque a bebida tem de 1% a 2,5% de cafeína e de 6% a 9% de antioxidantes, que são degradados se o grão é muito torrado. O café coado também tem menos colesterol”, lembra o cardiologista.
De concreto, segundo ele, é certo que o café não faz mal quando consumido em doses moderadas. A cafeína, isolada, talvez não seja boa, mas a bebida está longe de ter apenas cafeína. No grão, há centenas de substâncias benéficas. “Tanto que não houve mudanças nos níveis de colesterol dos pacientes e a pressão sanguínea se revelou até mais baixa no período em que eles ingeriram a bebida. Uma evidência, citada em outros estudos e confirmada em nosso trabalho, nos chamou atenção: o café previne e protege contra o diabetes tipo 2. Até os indivíduos que já desenvolveram a doença e tomam café controlam mais as taxas e morrem menos de problemas desencadeados pelo mal”, garante Mioto.
Os especialistas do Incor ainda reforçam o que algumas pesquisas internacionais vêm indicando: o café também é uma bebida saudável para crianças. “Ingerido com leite na merenda escolar, ele pode auxiliar no aprendizado e evitar a ingestão dos refrigerantes, sempre maléficos para a saúde”, enfatiza o cardiologista. O problema é que nem todos os médicos estão bem informados em relação a tantos benefícios. É o que alerta o neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília Ricardo Teixeira. “O café contém inúmeras substâncias biologicamente ativas extremamente benéficas à dieta de qualquer pessoa. A bebida potencializa o efeito da medicação que afina o sangue de infartados. Fitoestrogênios presentes no grão são capazes de repor parcialmente a queda hormonal em mulheres na menopausa. Além disso, o café reduz o risco de declínio cognitivo e demência, incluindo o mal de Alzheimer, e minimiza a probabilidade da doença de Parkinson. Quem toma até quatro xícaras de chá por dia tem menos depressão e alteração de humor”, enumera o especialista.
Prazer
A publicitária Renata Ozores Petroski, 39 anos, não dispensa o cafezinho durante vários momentos do dia, e se diz empolgada com o resultado das últimas pesquisas. “O hábito de tomar café vem de dois anos para cá, época em que me mudei para Brasília. Aqui na capital, notei que as pessoas param para tomar um cafezinho com muito mais frequência. Acabei aderindo a essa paixão. Um endocrinologista recomendou que eu parasse, mas o café nunca me fez mal. Muito pelo contrário. Tomo cerca de seis pequenas xícaras por dia e ele propicia uma sensação prazerosa, até alivia minha ansiedade”, revela.
Para o neurologista, as restrições em relação ao café contemplam apenas as mulheres grávidas e as pessoas com problemas gástricos. Mesmo para pacientes que sofrem de enxaqueca o café é permitido. “Para muitos, a bebida não desencadeia a dor”, garante o médico. É o caso da funcionária pública Adriana Leite, 43 anos. “Tenho enxaqueca há 20 anos e tomo duas xícaras de capuccino por dia. Nunca tive problema com o café. Bebidas, alimentos e até odores que detonam as crises variam de pessoa para a pessoa. O café não pode assumir essa culpa”, indica ela. “A receita é não exagerar na dose, como tudo na vida”, conclui Ricardo Teixeira.