O grão, também chamado de conilon, começa a ser adaptado em São Paulo, de olho na demanda anual de dois milhões de sacas das indústrias locais de café solúvel
Texto: Mariana Caetano Fotos: Ernesto de Souza
Fazuoli: oeste de São Paulo é a região mais indicada para o plantio de robusta
Muito além de uma cultura agrícola, o café enraizou-se de tal maneira em campos paulistas que transformou a geografia e os costumes do estado. Há dois séculos, o grão levava progresso aos (até então) rincões de São Paulo, enriquecendo barões e erguendo cidade atrás de cidade. Agora, uma nova revolução cafeeira pode estar a caminho. Tradicional produtor do tipo arábica, o estado pode vir a dar lugar também ao robusta.
Mercado há. São Paulo é hoje o terceiro maior produtor de café do país, com 4,72 mil sacas beneficiadas na safra 2007/2008, segundo dados da Conab – Companhia Nacional de Abastecimento. A totalidade do cultivo é dedicada ao arábica, considerado superior em qualidade na comparação com o robusta, também chamado de conilon. No entanto, o segmento de café solúvel paulista precisa de dois milhões de sacas do tipo robusta por ano.
Para a indústria, o melhor seria comprar a matéria-prima paulista, e não trazê-la do Espírito Santo, o maior produtor brasileiro, com elevados custos de transporte. Além disso, as empresas poderiam se beneficiar com a isenção do ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, já que desde 1995 o governo do estado não cobra o tributo das indústrias de café que compram o produto em São Paulo. É para atender essa demanda e oferecer uma nova alternativa aos agricultores (inclusive fazendo frente ao avanço da cana-de-açúcar) que pesquisadores do IAC – Instituto Agronômico de Campinas resolveram focar atenções na adaptação do robusta para o estado.
Como o grão fica muito preso ao pé, a colheita do robusta tem que ser manual
CLONES DE CAFÉ O IAC estuda o café robusta desde 1970, e já chegou a lançar um material resistente a nematóides, para ser usada como porta-enxerto. Agora, a entidade trabalha no desenvolvimento de plantas clonais para o cultivo comercial em São Paulo. “O estudo envolve adequação do manejo da lavoura, adubação, espaçamento, poda, irrigação, colheita e secagem”, diz Luiz Carlos Fazuoli, responsável pelos estudos.
O plantio de robusta tem como condição fundamental a irrigação, e a muda não é feita por sementes, como o arábica, mas por estacas – também chamadas de clones. “É preciso usar vários clones num mesmo campo para que a produção se efetive”, diz o pesquisador. Além disso, deve haver proteção para o vento, e a colheita tem que ser manual – por isso, o plantio do robusta é indicado para produtores de menor porte, que podem acompanhar mais de perto a lavoura. Mas essa característica da planta acaba por criar uma vantagem: o fruto não cai no chão (está sempre muito preso ao pé), o que evita perda de produção.
A temperatura média ideal para a produção é de 23 a 26ºC (para o arábica, fica entre 18 e 23ºC), por isso o oeste de São Paulo – região de Araraquara, Alta Paulista e Alta Sorocabana – é o mais indicado para o plantio. “O Vale do Ribeira, no sul do estado, também é um potencial produtor, mas temos ainda que estudar melhor para saber se o excesso de chuva não pode ser um impeditivo”, afirma Fazuoli.
A produtividade do robusta cultivado no Espírito Santo é até 20% maior que a do arábica paulista
CAMPOS EXPERIMENTAIS Há experimentos e campos de seleção de robusta nas cidades de Campinas, Mococa, Cássia dos Coqueiros, Pindorama, Herculândia e Adamantina, em um total de 15 hectares. Recentemente foi instalado um campo-piloto de 10 hectares na Fazenda Cambuhy, em Matão. A propriedade já foi uma das maiores produtoras de café do mundo nos anos 20, e quer retomar a tradição na cultura – hoje, possui 300 hectares de café arábica e pretende chegar a dois mil hectares até 2011.
O plantio de robusta na Cambuhy foi feito seis meses atrás. Há cerca de um ano, o diretor-geral da fazenda, José Luiz Amaro Rodrigues, esteve no Espírito Santo para conhecer as lavouras, a produção de mudas e a pesquisa realizada naquele estado, referência no cultivo de conillon no país. “Como a Cambuhy é 100% irrigada, e o robusta tem essa exigência de água, achamos que valeria a pena testar o plantio com vistas a um investimento futuro”, diz.
Na visita aos capixabas, Rodrigues ficou impressionado com a alta produtividade que o café alcança no estado. “Com tecnologias simples e quase nenhum tratamento pós-colheita, os resultados são muito bons”, afirma.
Adaptações às condições paulistas são feitas aos poucos. Os funcionários da Cambuhy perceberam, por exemplo, que a planta precisa de uma quantidade de sombra maior do que a que ofereciam. Então, providenciaram uma linha de milho ao lado do café para tentar resolver o problema. “O que já ficou claro é que não dá para trazer as variedades do Espírito Santo e plantar aqui. Temos que criar uma tecnologia nossa”, afirma Rodrigues.
O IAC prevê que em 4 anos haverá variedade adaptada a São Paulo
CUSTO DE PRODUÇÃO Produzir café robusta no Espírito Santo custa cerca de R$ 130 por saca, e os agricultores vendem por entre R$ 210 e R$ 230. “Ainda estamos estudando quais seriam os valores para São Paulo, mas estimamos que os gastos com esse cultivo fiquem entre R$ 150 e R$ 170 por saca”, diz Fazuoli. Para efeito de comparação, o custo de produção do arábica em uma propriedade paulista é de cerca de R$ 200, com venda a R$ 230 ou R$ 240 – o que significa que a margem de ganhos com o robusta pode ser maior que a do arábica. Quanto à produtividade, o desempenho do robusta cultivado no Espírito Santo (média de 23 sacas por hectares) é entre 10% e 20% maior que o arábica paulista.
Apesar dos números atraentes, os pesquisadores do IAC têm enfrentado barreiras para inserir o robusta em São Paulo. “Como esse tipo de café é novo por aqui, e estamos num momento de crise, o produtor tem medo de investir e depois não recuperar o dinheiro”, diz Fazuoli. Mas a Secretaria de Agricultura de São Paulo sinalizou que pode interceder em favor do setor.
Para dar suporte aos agricultores que se interessarem pelo robusta, o órgão adiantou que, tão logo as pesquisas confirmem a real viabilidade do cultivo, o governo estadual poderá utilizar o Feap – Fundo de Expansão do Agronegócio Paulista, que hoje já financia o arábica, para dar apoio financeiro também ao outro tipo do grão. “Estamos em busca de qualidade com o café arábica, não quantidade. E este pode ser o espaço que o robusta venha a ganhar”, diz João Sampaio, secretário de agricultura paulista. “Existem antigos cafeicultores que migraram para a laranja, e há ainda os que estão desestimulados com o arábica, que podem voltar a apostar no grão por conta da inovação com o robusta”, completa o secretário.
Por enquanto, o IAC não aconselha o plantio em escala comercial do conilon em São Paulo, já que os estudos ainda não chegaram a uma variedade que tenha mudas adaptadas ao estado – o que deve levar cerca de quatro anos. “Com o café, precisamos de três a quatro colheitas para verificar o desempenho da produção e ter uma idéia do potencial da variedade. Estamos agora avaliando os clones e acompanhando os ensaios”, diz Fazuoli.