Café politicamente correto

14 de novembro de 2007 | Sem comentários Produção Sustentabilidade
Por: Globo Rural

CAPA
14/11/2007 
 
Selo de programa mundial estimula respeito ambiental e abre novo caminho para modernização no país
 
Texto Luciana Franco
A questão da sustentabilidade chegou à cafeicultura. A atividade, com mais de dois séculos no país, começa a se preocupar com o aspecto ambiental das propriedades, a exemplo do que já ocorre em outros segmentos da produção de alimentos. A bem da verdade, a consciência ecológica sempre existiu entre os produtores rurais – afinal, como vivem da terra, é natural que carreguem um instinto preservacionista. Mas um novo estímulo para a adoção de práticas ambientalmente corretas e com apelo social está nascendo: o 4C.


A sigla, que lembra a de projetos de qualidade implantados em empresas, significa Código Comum para a Comunidade Cafeeira, um programa mundial de certificação que agora chega a produtores mineiros e paulistas.


“Trata-se de uma nova diretriz para a cadeia do café, baseada no conceito de respeito ambiental, que abrange também as dimensões sociais e econômicas, especialmente para os agricultores menores”, diz Joaquim Libânio, presidente da junta executiva do 4C e diretor de exportação da Cooxupé – Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé, MG.


O programa é um dos caminhos que os produtores de café estão tomando para modernizar a atividade no Brasil, e, conseqüentemente, elevar os preços do grão. A comercialização de cafés especiais, que já movimenta 1,2 milhão de sacas por ano; os investimentos em pesquisas, responsáveis, por exemplo, pela expansão e aumento da produtividade do até pouco tempo desprezado café conilon (leia A volta por cima); e, claro, os contínuos tratos culturais são também medidas que têm favorecido a melhoria das cotações do produto no mercado interno. E que tendem a se intensificar nos próximos anos.


Lançado no Brasil no mês passado, a certificação 4C foi elaborada pelo Ministério do Comércio, Desenvolvimento e Indústria da Alemanha, país que hoje é o maior negociador de café do mundo, com importações de 15 milhões de sacas por ano e exportações de cinco milhões de sacas. “A criação do selo é uma resposta à demanda crescente por produtos certificados”, diz Carlos Alberto Paulino da Costa, presidente da Cooxupé. Desenvolvido ao longo dos últimos quatro anos, o programa contou com a adesão das maiores torrefadoras do grão, como Nestlé, Melitta e Sara Lee, que representam 50% do setor mundial. As indústrias se comprometem a comprar volumes cada vez maiores do produto com o selo.


Para aderir ao sistema, o cafeicultor não pode adotar práticas como trabalho infantil ou escravo, derrubada de florestas, uso de pesticidas banidos ou transações ilegais, entre outras. “É a mais abrangente certificação, pois tem custo baixo e, por isso, não exclui os pequenos. Além disso, estende-se a todos os países produtores e a diversos elos da cadeia produtiva”, diz Paulino. O custo anual para os fazendeiros é de 30 euros para cada mil sacas (cerca de 78 reais).


As primeiras empresas do país a solicitar a verificação foram a Cooxupé, de Minas Gerais, e a Cocapec – Cooperativa de Cafeicultores e Agropecuaristas, de São Paulo, que estão divulgado a iniciativa entre seus 11 mil associados. Os que se interessarem pela adesão terão os custos pagos pelas cooperativas. Até agora, cerca de dois mil produtores se credenciaram.


Inicialmente, eles tiveram que realizar uma auto-avaliação sobre a maneira como funciona suas propriedades. Em seguida, as fazendas foram visitadas por uma equipe internacional do 4C. O produtor Flávio Leite Ribeiro, de 38 anos, trabalha com café há 15, e foi um dos escolhidos para fazer parte do projeto piloto implantado na Cooxupé. A propriedade com 120 hectares de plantio, onde o agricultor colheu duas mil sacas na safra passada, foi bem avaliada para o programa. “Só não nos enquadramos em certas questões sobre a legislação do imóvel, pois a fazenda foi herdada pela minha mãe e estamos mexendo com o inventário”, diz. “Mas obtivemos a classificação verde em muitos itens.”


O código de conduta do 4C funciona como um semáforo para a melhora contínua dentro da propriedade. As práticas vermelhas devem ser encerradas, como o uso de pesticidas perigosos. Já as amarelas devem ser melhoradas, “como a questão de segurança no trabalho, que sempre pode ser aperfeiçoada”, diz Flávio. As práticas verdes são consideradas favoráveis. Um bom modelo é o caso da propriedade em dia com as obrigações trabalhistas dos funcionários. A classificação geral da propriedade em “amarelo médio” já habilita ao selo. “O interessante é que o produtor se sente estimulado a caminhar para o verde”, afirma o agricultor de Guaxupé.


Outra adequação que Flávio terá que realizar se refere à questão da reserva legal da fazenda. “Precisamos obter a outorga de águas e delimitar a área ambiental da propriedade. É necessário contratar um topógrafo para medir a fazenda, e os investimentos para isso são mais altos”, diz ele, que, além do 4C, também tem planos de obter outras certificações, a fim de elevar a remuneração da produção.


“Esse é um caminho sem volta”, diz Antonio Carlos Ferreira, que está na atividade há 25 anos. Com uma propriedade de 90 hectares, o produtor – que há dois anos vinha deixando de lado os tratos culturais da lavoura, em razão dos baixos preços – espera retomá-los a partir desta safra. “Uma vez que se criam nichos, é possível que no futuro os cafeicultores tenham melhor remuneração”, diz.


Apesar de o programa não visar a um prêmio, o mercado trabalha hoje com um pequeno acréscimo. “Como se trata de um novo segmento e a demanda supera a oferta, há uma valorização de dez reais para sacas com o selo”, afirma Joaquim Libânio. Segundo ele, é provável que nos próximos anos o ganho se sustente. Mas a tendência é de redução com o avanço da oferta. “No longo prazo, o agricultor que não tiver o 4C é que deve ter o produto desvalorizado”, diz o presidente da junta executiva do programa no país.


Os primeiros resultados da verificação mundial indicam que 3,5% da oferta global, ou 4,4 milhões de sacas, já são produzidas segundo os critérios do programa. “Nem tudo está disponível, mas a estimativa é de que sejam comercializadas 2,5 milhões de sacas até setembro de 2008”, avalia Libânio.


O compromisso das 20 indústrias e tradings mundiais que aderiram ao programa é comprar cada vez maiores volumes do produto certificado. No Brasil, a Abic – Associação Brasileira da Indústria do Café, também credenciada no programa, quer estimular o setor a comprar o produto 4C. “Trata-se de um movimento expressivo, que modificará o modo como o café é obtido”, diz Nathan Herszkowicz, diretor executivo da Abic. “E o Brasil não pode ficar fora desse contexto”. A Abic mantém há um ano o Programa de Café Sustentável, garantindo a rastreabilidade da planta à xícara, e quer expandi-lo aos agricultores com o selo 4C.


“Toda a iniciativa que propõe uma imagem positiva deve ser adotada pelo agricultor”, diz a cafeicultora Maria Angela Ribeiro do Vale. Foi com esse pensamento que ela credenciou as três fazendas da família no programa. Produtora desde 1999, quando o pai faleceu e ela teve que administrar os negócios da família, Maria Angela sabe que o mercado está mais exigente. “Acreditamos que o ingresso no 4C é o primeiro passo rumo às certificações européias”, diz.


Talvez seja por pensar dessa maneira que, mesmo antes de aderir ao programa, Maria Angela já viesse ajeitando sua propriedade para o futuro. A cafeicultora reformou as casas dos colonos e contratou uma enfermeira para orientar os funcionários sobre higiene e prevenção de doenças. “A última palestra foi sobre alcoolismo. É preciso combater este hábito, comum na área rural”, diz.


A produtora estima colher nove mil sacas no período 2007/08. Mas, apesar dos esforços para a melhoria da qualidade, o longo período de seca e de altas temperaturas nas principais regiões produtoras de café do Brasil deve comprometer o desenvolvimento dos cafezais e pode provocar perdas na safra a ser colhida em 2008. Na avaliação do CNC – Conselho Nacional do Café, no entanto, é cedo para avaliar o tamanho da redução. No sul de Minas, por exemplo, há um “estado de alerta”, uma vez que as plantas já apresentam condições de abortamento de florada. Para Joaquim Goulart de Andrade, gerente do Departamento de Desenvolvimento Técnico da Cooxupé, a situação é mais crítica nos municípios onde os cafezais se encontram abaixo de 900 metros de altitude. “Quase não choveu nessas áreas e as plantas já têm sinais evidentes de quebra”, afirma o gerente da cooperativa.


Segundo levantamento da Conab – Companhia Nacional de Abastecimento, a produção nacional de café está estimada em 32,6 milhões de sacas na safra 2007/08. Desse volume, apenas 1,2 milhão serão de 4C (20 mil para o mercado interno). “Mas nossa meta é que toda a produção do país se adeque ao programa”, afirma Libânio.

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