Produção insuficiente e aumento mundial do consumo desafiam especialistas, que se reúnem para discussões em Londres
Patrícia Zamboni
O Brasil é o maior produtor de café do mundo. A safra atual (2009/2010), que está sendo colhida, resultará em cerca de 47 milhões de sacas (de 60 quilos) do produto – uma das maiores da história da cafeicultura no País. O consumo de café vem aumentando no Brasil nos últimos anos, assim como no mundo. A análise dessas informações leva à sensação de um cenário bastante positivo, entretanto, otimismo não é a palavra que se deve colher já a partir dos próximos meses.
Segundo Maurício Lima Verde, vice-presidente da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo (Faesp) e representante dos produtores brasileiros do setor privado na Organização Internacional do Café (OIC), sem aumento da produção de café e com o crescente nível do consumo mundial, o mercado prevê escassez do produto em curto e médio prazos – ou seja, a partir do ano que vem. Com isso, reflexos como a alta do preço repassado ao consumidor final seriam inevitáveis.
Lima Verde embarca hoje para Londres, na Inglaterra, onde participará de uma reunião da OIC, levando preocupação na bagagem. Segundo ele, até a próxima semana serão feitos profundos debates sobre o tema, mas a grande meta é conseguir incentivos para o aumento da produção mundial de café.
Sem isso, torna-se cada vez mais real a previsão de falta do produto em nível global, já que não há como retroceder os índices de consumo e também não há estoque suficiente de sacas para suprir a escassez anunciada.
Como agravante dessa situação está o nível da produção dos países que ocupam a segunda e a terceira colocações entre os maiores produtores do grão. No Vietnã serão colhidas cerca de 15 milhões de sacas na safra atual, e na Colômbia, 12 milhões. Ou seja, há uma distância muito grande entre o Brasil e os países que o seguem no ranking de produção mundial.
Consumo
No Brasil, atualmente se consome cerca de 18 milhões a 20 milhões de sacas de café ao ano no mercado interno. Nos últimos cinco anos, o aumento do consumo foi de 4,3% na média. Nos Estados Unidos, principal consumidor do produto, são cerca de 22 milhões de sacas consumidas por ano. Nesta safra, serão colhidas no mundo todo cerca de 120 milhões de sacas.
“Se o Brasil quiser passar para uma produção com média de 50 milhões de sacas – sendo 20 milhões para consumo interno -, vai precisar de incentivo. E essa realidade é a mesma no mundo todo. No caso do Brasil, o câmbio (girando em torno de R$ 1,70 em relação ao dólar) está prejudicando demais os produtores. O ideal seria que a cotação estivesse em torno de R$ 2,20”, diz Lima Verde.
Apesar de se vender bem a saca no Exterior (cerca de US$ 200), no Brasil ela é comercializada por R$ 300,00, sendo inferior ao custo de produção. “Então, sem incentivos dos governos dos países produtores, não há como estimular o aumento da produção de café”, acrescenta.
Segundo Lima Verde, no Brasil existem 300 mil propriedades cafeeiras. Entretanto, cerca de 70% delas são pequenas, com aproximadamente 50 hectares (cada hectare equivale a 10 mil metros quadrados).
Com as técnicas atuais de plantio, é possível aumentar o número de pés de café dentro das propriedades já existentes – já que novas plantações não são indicadas .
Porém, o custo exigido para isso extrapola as possibilidades do produtor diante do valor venal que se consegue atualmente com o real valorizado perante o dólar. Ou seja, sem incentivos financeiros, volta-se ao início desta intrincada conta que não fecha: o crescimento mundial do consumo contra números bem menos positivos em relação à produção.
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Excesso de chuvas no ano passado prejudicou a qualidade dos grãos
Segundo Maurício Lima Verde, vice-presidente da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo (Faesp) e representante dos produtores brasileiros do setor privado na Organização Internacional do Café (OIC), apesar da atual safra cafeeira (2009/2010) ser uma das maiores da história no País, deixou a desejar na qualidade. Isso ocorreu devido ao excesso de chuvas no ano passado.
“Quando chove muito, as plantações entram num processo que é como se a produção fosse estimulada sem parar. Os pés de café não passam pelo período de descanso necessário. Como no ano passado choveu muito, em vez de duas floradas do café, houve até nove floradas”, diz Lima Verde.
Isso significa que perde-se o padrão de qualidade na plantação, pois ocorrem discrepâncias no amadurecimento do fruto. Ao mesmo tempo em que se tem frutos maduros, ainda há verdes e flores. Além disso, os custos de produção aumentam, pois o cafeicultor precisa colher os grãos em várias etapas.
Para a safra 2010/2011, que deverá ser colhida em outubro do próximo ano, também já existem preocupações. Com o tempo seco e a ocorrência reduzida de chuvas neste ano, ainda não ocorreram as primeiras floradas.
Soma-se a isso o fato de que toda grande safra é precedida por uma colheita menor. Segundo Lima Verde, diante das 47 milhões de sacas colhidas neste ano, a previsão para 2011 é de colheita em torno de 30 milhões de sacas no Brasil. Mais uma vez, a situação remete ao problema inicial da baixa produção contra o aumento mundial do consumo.
A única forma de aumentar a produção é realmente através de incentivos aos cafeicultores, já que a plantação de novos pés não é uma hipótese considerada pelo setor. Segundo Lima Verde, dos 2,2 bilhões de pés de café existentes no Brasil, o índice de produtividade é de apenas 50%. Ou seja, novas plantações ficariam ociosas.
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Preços
Ainda não há previsões sobre as altas de preços que podem ocorrer diante da equação de produção insuficiente x aumento do consumo de café. Atualmente, o cafezinho mais “popular”, vendido geralmente em estabelecimentos pequenos localizados nas rodovias, gira em torno de R$ 1,00 a xícara.
Já aqueles consumidos em grande parte das lojas e supermercados da cidade que oferecem o “café de máquina”, giram em torno de R$ 1,25 a R$ 1,50. Nas cafeterias, o preço da xícara sobe para aproximadamente R$ 2,50.
Mas com a “glamurização” e o aumento do consumo do produto, em grandes casas especializadas localizadas em São Paulo, por exemplo, uma xícara desta bebida – entre as preferidas do brasileiro – é facilmente comercializada por R$ 15,00, R$ 25,00 e até R$ 40,00, dependendo do grau de sofisticação do grão e da marca que está por trás dele.
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Saúde
Entre os benefícios da ingestão de café citados em estudos científicos estão alguns relacionados à função hepática do organismo humano. O site da Organização Internacional do Café (OIC) traz dados divulgados pelo Serviço de Informações sobre Nutrição de Roma, Itália.
Entre eles, o de que a bebida protege “de forma significativa” contra a cirrose hepática (doença que causa dano progressivo às funções do fígado), reduz os riscos de formação de cálculos hepáticos e aumenta a atividade das enzimas hepáticas.
Pesquisas também já demonstraram que o consumo de café está relacionado à redução dos riscos de surgimento de câncer colo-retal. Estudo feito no Canadá revelou que o risco diminuía quando se aumentava o consumo para cinco xícaras diárias da bebida, especialmente entre os homens.