1 – Análise das Cotações
Em setembro as cotações do café, nas bolsas em que o produto é transacionado, mantiveram-se pressionadas exibindo alta nos diferentes mercados. Em Nova Iorque, por exemplo, o Contrato C – Segunda Posição, avançou US$8,57/sc. no mês (incremento de 5,40%), saltando de US$158,55 em agosto para US$167,12 em setembro. Esse patamar aproxima-se daquele observado em março de 2005, quando a saca alcançou cotação de US$172,10 para o mesmo contrato e posição (Figura 1). A principal vertente explicativa desse aumento relaciona-se ao momento de incerteza do mercado diante da ausência de precipitações significativas nos principais cinturões cafeeiros. Entretanto, outras análises esgrimidas por operadores do mercado financeiro atribuem essa guinada no mercado a condicionantes de outra natureza. Esses analistas vinculam o movimento de alta ao maior interesse dos fundos em ampliar sua exposição em contratos de commodities agrícolas. Tal hipótese encontra sustentação no montante de recursos financeiros que os fundos diariamente movimentam. Pequeníssimas mudanças na composição das carteiras, mais 0,5% por exemplo, representam centenas de bilhões de dólares a mais injetados no mercado, modificando estruturalmente toda a sua dinâmica. Provavelmente, ambas ocorrências, ou seja, ausência de precipitações significativas nos principais cinturões cafeeiros do país e a investida dos fundos no mercado de commodities, juntas, formem o atual contexto de escalada das cotações.
Na Bolsa de Londres, as cotações médias do café robusta, em setembro de 2007, recuperaram a queda observada em agosto, subindo 6,23% em setembro. Porém, ao contrário do café arábica (cujas cotações ainda não recuperam as perdas ocorridas no ano), o robusta exibe ganho de 19,13% no mesmo período.
Figura 1 – Cotações Médias Mensais do Café em Diferentes Mercados de Futuros (Segunda Posição) e do OIC-Composto Diário, Janeiro de 2004 a Setembro de 2007
Fonte: Elaborada a partir de dados da Gazeta Mercantil2.
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Na BM&F, o arábica, exibiu avanço similar aos observados em Nova Iorque, uma vez que as cotações subiram 5,17% (Contratos Futuros de 2a Posição), estabelecendo a média de US$155,29sc./60kg em setembro de 2007. No ano, com esse aumento na cotação média de setembro, a bolsa paulista exibiu ganho de 5,35%. Nos últimos doze meses, as cotações exibem ganho de 22,40% bastante acima dos ganhos observados no ano na Bolsa de Nova Iorque (com 17,99%). A forte expansão do consumo interno com taxas de crescimento próximas de 4% ao ano e a substancial queda nos estoques (públicos e privados) são os fatores responsáveis pela procura de contratos de café na BM&F e, conseqüentemente, pressão altista sobre as cotações.
O indicador da Organização Internacional do Café (composto diário) apresentou forte elevação de 9,50% em relação à média do índice de agosto de 2007. No acumulado dos últimos 12 meses, esse indicador registra crescimento positivo de 18,67%, com ganho no ano de 7,50%.
Finalmente, no mercado físico paulista, conforme dados do Instituto de Economia Agrícola, os preços pagos aos cafeicultores em setembro de 2007 exibiram incremento de apenas 3,93%, abaixo, portanto, dos aumentos observados em Nova Iorque e da BM&F. Os US$130,47/sc. pagos no mercado paulista (tipo 6, bebida dura, média de quatro regiões produtoras), situando-se US$25/sc. abaixo do mercado futuro da BM&F. Esse diferencial poderia encurtar caso as cooperativas e produtores estivessem atuando de forma mais consistente no mercado de opções e com isso estabelecendo nova sinalização para a formação dos preços nos mercados locais/regionais.
2 – A Escalada da Inflação e a Renda dos Cafeicultores
Nos últimos meses, assistiu-se a impressionantes elevações nas cotações das commodities negociadas nas principais bolsas internacionais. Capitaneadas pelo trigo (afligido por distúrbios climáticos da safra australiana), desvio da produção de milho estadunidense para elaboração de biocombustíveis, somada à inflação de demanda por alimentos na China, constituíram cenário para o encarecimento dos itens que compõem a dieta global. Essa escalada alcançou também o café, ainda que menos devido à estiagem que começa a descontar o enorme potencial produtivo esperado (reflexos de se tratar de um ano de alta produtividade e substancial incremento nas aquisições de fertilizantes para aplicar nas lavouras – até agosto contabilizava aumento de 15% frente ao ano anterior), mas sobretudo devido a fatores de ordem financeira, espúrios ao contexto dos agronegócios.
Provocadas pelas perdas financeiras incorridas pelos fundos em suas posições com imóveis nos EUA, há um redirecionamento dessas aplicações especulativas. As commodities agrícolas, surgem, portanto, como um dos poucos portos seguros disponíveis no esforço de preservação do valor do investimento dos acionistas e esse tem sido o principal motor da exuberante cotação das commodities, inclusive do café.
A repercussão desse fenômeno passou a ser captada pelos indicadores de evolução da inflação no Brasil. O Índice de Preços no Atacado (IPCA), exibe trajetória positiva, imposta pela aceleração da remarcação de preços dos alimentos e bebidas. Tendo por base janeiro de 2003, a inflação acumulada pelo IPCA até agosto de 2007, incrementou-se em 29% enquanto os alimentos e bebidas atingiram 20% de acréscimo. Essa diferença, porém, encontra-se em franca recuperação, pois esse diferencial há doze meses atrás superava 13 pontos nessa base de comparação (Figura 2).
A recuperação dos termos de troca dos produtores rurais pode ser constatada pela evolução do quociente que relaciona o índice de preços recebidos com o índice de preços pagos (Figura 3). Desde março de 2006 a paridade do quociente pende para os preços pagos, evidenciando que os produtores rurais estão cursando trajetória de recuperação de sua renda, tendência que se arrefeceu a partir de fevereiro de 2007, quando começou a ocorrer queda do quociente, porém mantendo-o muito acima da paridade. Para os cafeicultores, muito aindafalta para se alcançar um definitivo equilíbrio financeiro, pois foram muitas as safras em que a rentabilidade líquida da exploração, quando não esteve próxima de zero, jamais alcançou dois dígitos percentuais, inclusive nas propriedades sob gestão familiar, sabidamente, as mais competitivas do agronegócio café.
Figura 2 – Trajetória do IPCA, Geral e Alimentos e Bebidas, Brasil, Jan. 2003 a Ago. 2007.
Fonte: Elaborada a partir de dados básicos da Fundação Getúlio Vargas3.
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Figura 3 – Quociente entre o Índice de Preços Recebidos e o Índice de Preços Pagos pelos Produtores, São Paulo, Jan./2003 a Jul./2007.
Fonte: Elaborada a partir de dados básicos do Instituto de Economia Agrícola4.
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3 – Entesourando os já Bem de Vida
Em artigo anterior (www.iea.sp.gov.br – ‘Café: decisões adaptadas as conveniências do pecúlio’), formularam-se algumas bases técnicas que compuseram o conjunto das críticas ao Prêmio Equalizador Pago ao Produtor de Café (PEPRO – e que até o momento não foram redargüidas, permanecendo portanto válidas). Entretanto, a criatividade pró-pecúlio não tem limites e fez surgir mais uma flagrante má-fé, derivada da operacionalização do prêmio. As cooperativas que arremataram 85% dos contratos, por meio de uma espécie de alquimia interna, desvirtuaram o programa, moldando-o no sentido de incrementar ainda mais a ‘burra’ dos bem de vida. O prêmio que em sua formulação original estabelecia por limite de pagamento da subvenção ao teto de 300 sacas por CPF/cooperado ativo cadastrado junto ao programa, foi desvirtuado (ao menos nessa cooperativa) com objetivo de concentrar repasse do dinheiro público para os bolsos dos médios e grandes produtores, reproduzindo mais uma vez a trajetória das políticas públicas brasileiras, que é a de concentrar a aplicação do orçamento com quem menos precisa.
Fonte: Jornal da COCATREL. Ano XXIV, n. 258, Ago. 20075.
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A última trava a ser rompida para o completo desvirtuamento do PEPRO será o pagamento da subvenção para os cafeicultores inscritos no Cadastro de Inadimplentes do Governo Federal (CADIN). Em sendo o manual de alquimias e metafísicas para a política cafeeira um livro bastante volumoso, alguma receita deverá se prestar para também essa última restrição ser superada e, com o dinheiro público, enfim, os inadimplentes do FUNCAFE poderão saldar seus compromissos.
4 – Café Coado na Suja Água da Bacia de Pilatos
A perplexidade na sociedade brasileira alcançou ponto culminante após ser subjugada pelos ditames da pequena política. Estruturada por mafiosos conchavos e amparada por sórdidos privilégios calcados no tráfico de influências, o país sucumbe sob o vetor da falta de ética e desdenho pelo bem comum. Incrível e surpreendente é tudo arvorar sob o comando daquele que um dia cometeu a heresia de inferir sobre a existência de ‘trezentos picaretas no congresso nacional’. Mas, cabe uma pergunta: será que o CDPC age diferente? Desgraçadamente, o grupo que mensalmente em Brasília se reúne, já se encontra totalmente contaminado pelo vírus da miopia democrática, fazendo ouvidos moucos para as críticas à sua atuação que vez por outra surgem no contexto do agronegócio café.
Ao negligenciar as sugestões e as críticas, configura-se uma redoma plena em pusilanimidade, pois se esquivam do debate e mais ainda da possibilidade de construção de decisões menos enviesadas por ambições mal dissimuladas que a cada rodada de deliberações tornam-se mais flagrantemente patentes. O episódio da segunda extinção do Núcleo de Sócio-Economia, parte integrante do Consórcio Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento do Café, foi apenas um exemplo das bizarras aberrações que nos envergonham de sermos brasileiros.
A farsa em que se tornou o conselho precisa ser descontruída. Somente um surto de bom senso do mandatário dessa desamparada nação, poderia desencadear essa necessária mudança. Porém, no mundo de bajulação e embuste em que naufraga o presidente, lamentavelmente, por um longo tempo, o continuísmo permanecerá ditando a pauta do CDPC.
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1O autor agradece ao Técnico de Apoio à Pesquisa Agropecuária Gilberto Bernardi, na coleta e sistematização dos dados básicos.
2Dados básicos do Jornal Gazeta Mercantil.
3Disponível em: www.ipeadata.gov.br
4Disponível em: www.iea.sp.gov.br
5Disponível em: www.cocatrel.com.br.
Palavras-chave: mercado de café, política cafeeira.
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Data de Publicação: | 11/10/2007 |
Autor(es): | Celso Luis Rodrigues Vegro (celvegro@iea.sp.gov.br) – Consulte outros textos deste autor |