fonte: Cepea

Café: do prazer de beber a bom negócio

16 de outubro de 2006 | Sem comentários Cafeteria Consumo
Por: Diário do Comércio - SP

Tim Teixeira





Rogério Albuquerque/AFG Juliana Chirello, auxiliar no Café Santo Grão.

Poucas coisas dão mais prazer do que tomar um bom cafezinho. O brasileiro levou quase 300 anos para descobrir isso. Apesar de sustentar nossa economia por séculos, só agora o café está sendo verdadeiramente descoberto pelos consumidores brasileiros.

Esqueça o cafezinho de padaria, requentado naquela máquina metálica obsoleta, servido em copo americano, tomado com o umbigo colado no balcão. O verdadeiro café – aquele que extrai a alma do grão – deve ser tomado de preferência sentado, com calma, quase em um ritual.


Tal qual os melhores vinhos, o bom café exige contemplação, em uma viagem prazerosa. É assim que se consegue chegar às nuances dos seus aromas e sabores. Mais que isso: o verdadeiro café exige produto de qualidade e esmero na preparação.


Bom negócio – Feita a constatação, vem o óbvio: fazer bom café é um negócio lucrativo. Tanto para quem produz quanto para quem vende. Por isso, multiplicam-se as cafeterias, onde o produto é tratado como merece: com respeito. Hoje, o café é a terceira bebida mais consumida no Brasil. Só no ano passado, foram 6,5 bilhões de litros (o maior consumo dos últimos 40 anos). Ou seja, o cafezinho perde apenas para a cerveja, com 8,4 bilhões de litros, e – obviamente – a água. Para encher tantas xícaras, o Brasil destina 15,5 milhões das 40,6 milhões de sacas que produz (quase 40%), o que o coloca como o segundo maior consumidor mundial, atrás apenas dos Estados Unidos.


“O brasileiro está descobrindo o prazer de beber um café de qualidade em um local agradável”, constata Nathan Herszkowicz, diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), ao explicar o crescimento das lojas de cafés, que já seriam mais de 2,5 mil em todo o País.


Expansão – O negócio se expande em todos os sentidos. A cafeicultura brasileira abrange 370 mil propriedades agrícolas (em um total de 2,30 milhões de hectares), um quarto delas de âmbito familiar. O agronegócio ligado ao café está em 1.850 municípios, em 13 estados brasileiros. Há no País 77 cooperativas produtoras, 166 empresas exportadoras e 11 indústrias de café solúvel. E a atividade gera 8,4 milhões de empregos diretos e indiretos.


Porém, o diferencial que vem sendo observado nos últimos anos é mesmo a qualidade. Enquanto o consumo de café comum no Brasil avança 1,5% ao ano, o de cafés especiais cresce perto de 18%, ainda que, em números absolutos, a distância entre eles seja enorme. Em São Paulo, por exemplo, consome-se 460 milhões de xícaras de café por mês, apenas 21 milhões delas (4,5%) de café expresso (naturalmente de qualidade superior). Os dados são da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA, da sigla em inglês).


“A busca por cafés de qualidade não é um modismo, mas uma tendência, que se observa no Brasil e no mundo todo. O consumidor passou a ter noção das diferenças de qualidade que o café pode apresentar”, diz Alexandre Frossard Nogueira, presidente da BSCA.


Ele explica que o baixo consumo resulta de uma produção também pequena: no ano passado, foram 800 mil sacas de cafés especiais; este ano, a produção deverá se situar em torno de 1 milhão de sacas. Muito pouco perto da produção total, que passa dos 40 milhões de sacas. E não é só: o café especial demanda uma prática agrícola muito mais complexa, envolvendo condições sociais, ambientais e de segurança de alimentos, que tornam o produto mais caro. “No total, são 175 itens auditados todos os anos pela BSCA”, afirma Nogueira.


Critérios – De acordo com a Associação, para merecer a classificação de especial, o café deve respeitar vários critérios: primeiro, tem que ser 100% arábica (Coffea arabica); precisa ser praticamente isento de defeitos (máximo de 12 defeitos em 300 gramas, segundo normas da Classificação Oficial Brasileira – COB); deve ter obrigatoriamente origem controlada, com utilização exclusiva de grãos cereja (ápice de maturação do fruto); tem de ser elaborado com responsabilidade social; e, por fim, não prescinde de instalações de alto padrão de qualidade.


Além disso, a classificação compreende quesitos como qualidade geral da bebida, com percepção de corpo, aromas e sabores. Por isso, dificilmente vai passar de 100 o número de produtores de cafés especiais no Brasil.


Excelência – Quem entra nessa área, porém, não se arrepende. É o caso do fazendeiro Francisco Isidro Dias Pereira, representante da terceira geração de uma família que se dedica à produção do cafezinho há quase 100 anos. Ele é dono da Fazenda Santa Inês, na cidade mineira de Carmo de Minas. Obstinado por produzir cafés de qualidade, no final de 2005, ganhou o Cup of Excellence da BSCA. O lote da Fazenda Santa Inês recebeu a nota 95,85 pontos de um júri formado por 30 especialistas estrangeiros.


Foi a maior nota alcançada por uma bebida brasileira nos oito anos em que o concurso é realizado. O que, logicamente, o transformou no café mais caro do mundo. Em janeiro deste ano, um lote de 12 sacas foi arduamente disputado por compradores do EUA, Canadá, Austrália e Japão – principais destinos de exportação da fazenda –, em leilão feito pela Internet. A saca de 60 quilos (da variedade arábica) foi vendida por US$ 6.580 (perto de R$ 17 mil). Um recorde no mundo do café.


Aqui, ele foi vendido (já está esgotado) apenas em São Paulo, no Santo Grão Café e Bistrô. Preço da xícara: R$ 9. Uma simples conta de multiplicar mostra que o investimento valeu a pena: como os 60 quilos rendem cerca de 7,5 mil xícaras, cada saca gerou R$ 67,5 mil.


Privilégio – O empresário neo-zelandês Marco Kerkmeester, dono do Santo Grão, diz, porém, que não se trata de uma questão de lucro. “Trata-se do privilégio de servir o melhor café do mundo. Podemos esquecer a Colômbia e a Jamaica. O melhor café está aqui. Este é o Chateau Petrus do café”, diz, referindo-se a um dos vinhos mais badalados do mundo.


Na verdade, o café da Fazenda Santa Inês costuma ser analisado como se analisam os grandes vinhos: os que já o provaram, se encantam pelo aroma com acentos florais cítricos, levemente adocicados, pelo sabor que remete a certos tipos de uvas e por um after-taste de caramelo.


Para conseguir tudo isso, Isidro simplesmente resgatou práticas da época em que seu avô comandava a fazenda. A colheita é feita manualmente e apenas os grãos mais maduros são colhidos. Esse ritual – comum nos tempos pré-colheitadeiras – estava perdido no tempo. Hoje, as colheitadeiras estão aposentadas na Santa Inês: cerca de mil funcionários (300 fixos e 700 temporários) executam manualmente o trabalho para a produção da ordem de 20 mil sacas. Ainda assim, nem tudo chega à classificação de café gourmet. O que explica o preço elevado.


Barismo – A valorização do café veio acompanhada por uma figura até pouco tempo quase desconhecida entre nós: o barista. Ele é o profissional especialista no preparo do café. Uma tarefa que esconde muitos segredos e rende bons salários àqueles que são capazes de desvendá-los. Hoje, proliferam os cursos de baristas pelo País. E já há até o Campeonato Brasileiro de Baristas, que é organizado pela BSCA.


A prova não é fácil: o barista tem 15 minutos para servir quatro cafés expressos, quatro cappuccinos e quatro bebidas iguais, à base de expresso, sem álcool. São avaliados o sabor da bebida, sua apresentação – incluindo copos, xícaras e acessórios –, além da técnica do barista em relação ao uso da máquina, do moedor, limpeza, controle de painéis e tempo da apresentação.


Recente no Brasil, a profissão de barista já existe na Europa há mais de 70 anos. Ele ou ela (porque principalmente no Brasil a profissão de barista tem o domínio das mulheres) não é apenas o responsável pela preparação do cafezinho. Eles devem ter conhecimento teórico e técnico para responder pela seleção dos melhores grãos, pelos processos de torra e moagem e pela formação dos blends para garantir um produto com todas as qualidades.





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